No fundo, Fábio sentiu que pegou pesado com ele, mas o seu ego estava ferido. Sentiu-se rejeitado e humilhado pelo Davi, pois este não confiou nele.
- Só mais uma coisa. – Davi olhou para trás.
- Eu descobri que estou amando você cada vez mais. E se você confiasse em mim só um pouco, eu te mostraria como é bom ser livre e feliz. Tchau!
Cada um seguiu para um lado.
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Davi tomou a decisão de nunca mais falar e nem ver o Fábio. E assim seguiram os dias. Ambos não se viam mais; seus pais já haviam chegado de viagem e o Davi se dedicou cada vez mais a igreja. Era da escola para casa e vice-versa, e mal tinha tempo para o amigo, Rafael. Esta foi a forma que ele encontrou de amenizar a sua dor e o que a sua consciência chamava de pecado.
- Oi pai, oi mãe. Eu já estou indo.
- Olha só que pouca vergonha. – o comentário feito pelo pai dele, referente ao que se passava na televisão, o fez dar um passo para trás.
- O mundo está mesmo perdido. – disse a mãe dele.
- Olhe só meu filho, todos esses imundos irão para o inferno! – ele mostrava uma cena em que via um protesto na televisão, no qual casais gays se beijavam. – Quem escolhe este caminho não tem solução. Queimará no inferno por toda a eternidade.
Aquelas palavras ditas por seu pai, eram como espinhos perfurando a sua alma. Ele não sabia mais nem o que pensar. Uma tristeza profunda tomou conta dele, que saiu dali o mais rápido possível, indo para o ensaio do coral, procurando se esvair de seus pensamentos. A palavra pecado martela cada vem mais em sua cabeça, e fazia ele se sentir com nojo de si próprio.
O tempo naquela quinta-feira não estava favorável. Mas mesmo assim, os pais do Davi o deixaram sair de casa, para ensaiar o tão esperado coral. Davi fazia o trajeto a pé, e ia observando o movimento da rua. Via casais héteros se beijando, e se perguntava o porquê de não conseguir sentir-se atraído por uma mulher. Segundo ele, sua vida seria tão perfeita.
A chuva começou a cair forte, e ele teve de parar num estabelecimento comercial, para aguardar a estiagem. As horas passavam e ele ficava cada vez mais preocupado com o horário. Seu celular ficou sem bateria, e a sua roupa estava levemente molhada. Davi resolveu encarar a chuva forte e ficou cada vez mais difícil andar, pois bolsões d’água tomavam conta das ruas. Quando ele pensou em voltar para casa, já estava muito longe. Ao conseguir ficar numa área tranquila, aguardou um pouco mais. Uma moto parou de frente para ele, com os faróis em seu rosto. Ao se aproximar, o rapaz alto e forte, tirou o capacete e se identificou. Depois de quase um mês, eis que eles finalmente se reencontram. O Fábio desta vez estava com o cabelo bem baixinho, o que lhe dava um ar de cachorro selvagem. Davi fingiu nem olhar para ele, mas foi em vão.
- Você quer uma carona para voltar para casa? – perguntou o Fábio sério.
- Não, obrigado. – Davi foi direto.
- Esta chuva não vai passar por tão cedo. Você corre o risco de ficar ilhado neste lugar. Nenhum ônibus está passando por aqui, e os seus pais devem estar morrendo de preocupação.
No fundo, o Fábio tinha toda razão, mas o Davi na estava disposto a aceitar a carona dele.
- Mesmo assim, eu prefiro esperar.
-Deixa de ser teimoso cara. Finja que não me conhece, e aceite a minha carona. Só estou fazendo isto, porque eu faria por qual quer conhecido meu.
- Ah! Então quer dizer que ele faria por qualquer um, e eu sou qualquer um? – disse o Davi em pensamentos e irritado. – Eu não aceito caronas de estranhos. Agora pode seguir o se rumo.
- Tudo bem! Boa sorte aí!Quando o Fábio virou as costas para ir embora, o Davi se sentiu com mais medo de ficar naquele lugar.
- Eu aceito. – ele gritou.
- Sem o Davi perceber, Fábio deu um sorrisinho, como se tivesse comemorando uma vitória.
Ele estendeu um capacete reserva para o Davi, que se sentou na traseira da moto,e ficou em dúvida a onde se segurar.
- Eu te aconselho a segurar em minha cintura, pois é mais seguro pra você.
Davi sabia que no fundo, aquilo estava indo longe demais. A reaproximação com o Fábio fez o seu coração voltar a bater de forma diferente.
Ele arrancou com a sua moto, e sentiu arrepios no corpo, com o toque das mãos do Davi em sua cintura. Este por sua vez, o agarrava cada vez mais forte. E a sensação de chuva caindo no rosto, com a moto em alta velocidade, era única! Davi sentiu uma liberdade, jamais sentida antes. Por um momento, ele fechou os olhos e era como se a alegria de viver resplandecesse em seu corpo.
- Este não é o caminho de casa. Para onde você está me levando?
- Para um lugar onde possamos conversar.
- Eu não quero conversar com você! Pare esta moto. Eu quero descer. – gritou Davi, mas o Fábio mal conseguia ouvi-lo.
Ele parou a moto, ao lado de uma casa em construção, numa rua deserta. Davi estava descontrolado devido à audácia do outro.
- Eu quero voltar pra casa. Você não tem o direito de me trazer para um lugar, contra a minha vontade.
- Fica calmo. Não precisa este nervoso todo. Eu só trouxe você aqui, porque eu preciso te dizer umas coisas.
- Quantas vezes eu vou ter de repetir que eu não quero falar com você? Maldita foi à hora que eu aceitei esta carona. Os meus pais vão me matar! – ele andava de um lado para o outro. Tudo bem, fala logo o que você quer e me leva de volta.
Fábio respirou fundo, sentou numa pedra e sacou um cigarro do bolso de sua jaqueta.
- Não fuma perto de mim, por favor! – ele respeitou o Davi e guardou o cigarro. Ficou de pé e de costas para o Davi.
- Sabe Davi... A vida foi muita dura comigo. Eu perdi o meu pai para o álcool, tive uma infância conturbada, devido às brigas constantes do meu pai e minha mãe; mas eu sobrevivi a tudo isso. Quando me tornei adolescente, eu quis trabalhar, mesmo sabendo que a minha mãe tinha dinheiro para me sustentar sem nenhum problema. Eu me sentia deslocado no mundo. – ele se virou para o Davi. – Você já deve ter se perguntado: “nossa, mas ele nem tem jeito de gay”. Pra ser gay, Davi; não precisa ter jeito... E não somos nós que escolhemos. Eu já namorei várias mulheres, mas do que adiantava, se o meu coração queria outra coisa? Vivemos num mundo de muitas condenações. Eu não estou aqui tentando fazer a sua cabeça, mas quero que você saiba, que todo amor, tudo que a nossa alma senti de bom, não pode ser condenável. Nascemos para buscar a felicidade.
Ele dizia todas aquelas palavras, com um olhar sereno, o que contrastava com o seu jeito forte.
- Olha pra mim! Pode parecer que eu sou ogro, estúpido, tenho esse jeito largado, mas bem aqui, no fundo do meu coração,um sentimento grita pra sair. É um sentimento de amor. Eu venho tentando te esquecer há muito tempo, e eu ficava sempre te observando da janela, você ir para colégio, você sair para a igreja; e eu sempre me perguntava: “Será ele mesmo meu Deus”? Eu ficava com medo de me aproximar, pois eu sabia quem era o seu pai. Mas de longe, eu admirava o seu sorriso, seu rostinho de anjo... Não quero te obrigar a ficar comigo, mas só quero que saiba de uma coisa... EU AMO MUITO VOCÊ!
Davi fixou os olhos no par de olhos verdes do Fábio. Ele uma luz soprando o seu ouvido e dizendo: Ame acima de tudo. Algumas lágrimas rolaram em seu rosto; foi quando o Fábio se aproximou e segurou as mãos dele.
- Eu sei o quanto deve ser difícil pra você passar por tudo isso, mas não se crucifique mais. O mesmo Deus que te ama me ama também. Somos iguais, Davi. Ele jamais abandonaria um filho, simplesmente por amar alguém. Só ele sabe o que nós dois sentimos, mas Deus quer que a gente lute, que sejamos forte! Me deixa eu te provar para você, o quanto podemos ser felizes juntos?
- Eu... – a voz dele ficou embargada. Eu... Também te amo. Te amo tanto que chega a doer aqui dentro. Eu pedi tanto a Deus para te esquecer. Eu não queria este sentimento dentro de mim, mas agora olhando para você, eu vejo que não estou cometendo nenhum pecado. Só estou amando.
- Será que eu posso te dar um abraço? – Fábio fez uma carinha de carente.
- Só se for bem apertado.
Eles se abraçaram e por um momento, parecia que o tempo havia parado. Dentro dos braços do Fábio, o Davi se sentia protegido. Foda-se o mundo! Ele ia arriscar a sua vida por seu sentimento.
- Eu acho você tão lindo sabia? – O Fábio beijou a testa dele, sem querer forçar a barra. Ele sabia que o Davi era frágil e iria conquistá-lo aos pouquinhos.
- Eu também te acho lindo, mesmo com esse tanto de tatuagens. – Davi abraçou ele pela cintura.
- Um dia eu te conto o significado de cada uma. – Fábio riu para ele. Foi o sorriso mais lindo que ele deu.
- Olha que eu vou querer saber mesmo. Agora nós precisamos voltar, senão meu pai me mata.
- Vamos sim, mas antes eu quero te pedi uma coisa. – ele disse, encostando bem pertinho da boca do Davi. – Quer namorar comigo?
- Hummm... Quero sim. Mas tem de ser escondido.
- Eu aceito. Desde que você fique sempre pertinho de mim. Te amo muito.
Eles voltaram para casa, e a partir dali, nascia um lindo sentimento entre os dois. O amor é assim, acontece no inesperado. Surge sem avisar, em qualquer esquina, em qualquer olhar. Não sabemos ao certo se e por destino, ou por acaso, mas a única certeza é que o amor ainda continua sendo o mais sublime de todos os sentimentos.
CONTINUA...
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Agradecendo mais uma vez os comentários. Continuem acompanhando, pois muita coisa vai rolar ainda. Beijos meus queridos e boa leitura... Aguardem o próximo.