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A História de Caio, completa e revisada para leitura on line e download e contos inéditos no meu blog:
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Carlos me soltou e levantou-se rapidamente, procurando se recompor. Tarde demais. Nossa visita o tinha visto me segurando e provavelmente ouviu os gritos dele comigo antes. Eu podia ver as mãos do Osvaldo tremerem loucamente, como os outros, ele voltou-se para ver entrando na sala minha avó, Magnólia, mãe do meu pai, matriarca da família, com seu ar arrogante e aristocrático tão sufocante que pareceu faltar ar naquela sala. Os TOC-TOC eram de sua bengala, e ela era aparada por Lu, sua paciente cuidadora há muitos anos.
- Alguém vai me responder? - Perguntou novamente furiosa Vovô Magnólia.
- Dona Magnólia. Me deixe explicar. - Começou Osvaldo, notando o embaraço de Carlos.
- Cale a boca. Não me dirigi a você. Se recolha ao seu lugar. Quando falei alguém estava me referindo aos meus netos. Você é um zé ninguém, não lhe autorizei a me dirigir a palavra. Vá pegar alguma coisa para eu me sentar. Essa espelunca está coberta de poeira.
Osvaldo saiu rapidamente da sala, provavelmente indo em direção à sua cabine pegar uma cadeira. Os seguranças todos se olharam divertidos. Diversão que não durou muito, pois Vovó logo se dirigiu a eles também.
- O que diabos vocês ainda estão fazendo aqui? Isso é um assunto de família. Não deve ser conversado diante de empregados.
Todos saíram aos estropelos daquela sala, até os seguranças de Carlos. Ficando apenas eu, Carlos, vovó e Lu. Até o Mário desceu correndo para a saída. Osvaldo logo chegou com uma cadeira, colocou diante de minha avó e saiu também muito apressado. A Lu que a ajudou a sentar-se.
- Bem, não vou ficar muito tempo nessa casa imunda. Carlos, o gato comeu sua língua? Vai fazer sua avó esperar o dia todo. Começe a falar o que significa isso que vi.
- Vovó, desculpa, a senhora não devia ser envolvida nisso. O Caio entrou aqui sem permissão.
- E desde quando alguém precisa de permissão para entrar em sua própria casa?
- Vovó, foram ordens do papai. A senhora...
- Seu pai é um lunático, e você está seguindo pelo mesmo caminho. O garoto disse que sentiu saudades de casa e quis passear pelos jardins e você resolveu espancá-lo com ajuda de serviçais.
- Não foi bem assim.
- Claro que foi? Eu estou ficando velha e não surda. Eu ouvi muito bem você dizendo que mostraria aos serviçais quem manda. Como você ousa barbarizar um neto meu diante de empregados?
- Eu também sou seu neto.
- Antes não fosse. Foi isso que seu pai e sua mãe te ensinaram? A torturar um membro da família diante dos serviçais? Você não entende nada de respeitar essa família, seu moleque. Bata em seu irmão diante dos empregados e amanhã eles enforcarão todos nós. Se havia algum problemas que resolvessem entre os dois.
Era engraçado ver minha avó falar como uma velha senhora feudal da idade média. Ela achava que por termos o sangue de uma família rica éramos melhores que os outros. Gostava de falar da longevidade da linhagem, da sucessão dos herdeiros e coisas assim. Após o falecimento do meu avô, ela era a legítima herdeira das ações em empresas e de todos os bens. Meu pai como filho mais velho e o único homem cuidava da administração, e dava a palavra final de fato sobre tudo. Mas ninguém ousava se voltar contra minha avó, que tinha mais duas filhas mulheres. Cair no desagrado da velha era ser considerado um pária e ser até banido de qualquer cargo em qualquer negócio que fosse da família. Quando soube que o Carlos estava vindo, percebi que a única chance era apelar pelo zelo enorme que ela tem pela imagem da família e pela preservação da nossa posição social e dizer que ele estava me espancando na frente dos empregados. Ela não se importaria dele me espancar, mas na frente dos empregados era um pecado mortal.
Sabia que podia colocar alguma palavra mal e perder a vantagem que estava tendo. Então fiquei bem calado.
- Vovó, eu só segui ordens do papai. Devia ter mandado todos os empregados saírem, mas meu sangue ferveu. - Falou Carlos falsamente. - O Caio entrou aqui sem dizer o que queria, papai achou que ele podia depredar o patrimônio da família?
- Você chama isso aqui de patrimônio? Uma casa caindo aos pedaços? A sua mãe estrangeira não sabia nem cuidar de uma causa. Que Deus a tenha, mas é verdade. Eu sempre disse ao seu pai para casar com uma boa moça de família daqui mesmo. Tinham tantas, ele tinha que escolher uma castelhana.
Ela sempre passava isso na cara de meu pai. Todas as mazelas dele ela achava que era porque ele não casou com a moça que ela queria. Comecei a ficar com medo do rumo da conversa, mas subitamente ela dá um enorme espirro.
- Dona Magnólia. Vamos sair daqui. - Advertiu a Lu. Lu era uma senhora bem morena de quase 60 anos, acompanhava minha avó desde pequena e era uma das poucas pessoas que conseguiam botar algum moral na velha.
Vovó concordou com a cabeça e levantou-se. O Carlos ainda congelado sem saber o que falar. Querendo me afastar o mais rápido possível pedi:
- Vovó, a senhora me leva em casa?
- Onde está o seu motorista?
- Hum, eu não tenho motorista.
Ela encarou o Carlos com raiva, como se eu não ter motorista fosse mais uma ofensa que era culpa dele. Mas acenou para eu segui-la. O Carro dela era um Corolla prata. Nada muito espalhafatoso considerando a posição social dela. A Lu a ajudou a entrar e sentou entre mim e ela. A um aceno com a bengala e o motorista partiu.
- Nunca mais apareceu lá em casa hein menino? Reclamou a Lu comigo, sempre nos demos muito bem. Em muitas festas da família eu ficava conversando com ela em algum canto, de saco cheio de conviver com o povo.
- Meus netos são todos assim, Lu. - Explicou Vovó. - Ninguém visita a velha, ficam só esperando a morte vir me buscar para saírem mandando em tudo.
Preferi não falar nada. Na verdade provavelmente ela não recebia muitas visitas porque todos morriam de medo dela. Se ela fosse mais amável os netos viviam ao redor bajulando para receberem favores.
- Não é verdade? Inquiriu ela me encarando.
- Há também os que procuram a senhora quando estão em apuros. Como eu.
Ela deu um breve sorriso.
- Pelo menos esse aqui é sincero. Aproveita essa sinceridade é me responda uma coisa. É verdade que você é viado?
- Dona Magnólia? - A Lu pôs a mão na boca de surpresa.
Eu fiquei sem chão com aquela pergunta e sinceramente não fazia ideia do que responder.
- Andam falando isso para a senhora?
- Falam isso desde que você aprendeu a andar. E sinceramente eu acho que você é mesmo. Entendo que tenha medo de falar. Tome muito cuidado. Ser viado não é problema, o mundo está cheio. O problema é deixar as pessoas terem certeza. Faça o que você tiver vontade com quem tiver vontade. Saia com homem, mulher, puta, negro. O que for. Só não assuma que gosta dessas coisas por aí. Não envergonha a sua avó.
Com essas palavras ela se despediu de mim. Fiquei impressionado com o que ela falou. Será que ela me excomungaria se eu me assumisse? Se bem que isso não seria de todo um problema, eu já era excomungado das coisas da família pelo meu pai, ser excomungado pela velha só iria confirmar as coisas.
Subi para o meu apartamento sem saber o que fazer. Olhei o relógio e eram 19h30min, o tempo passou muito rápido. Liguei para o Mário e confirmei que nos encontraríamos meia noite na esquina da casa. Fiquei pensando se eu não faria melhor em sair do apartamento. Não sabia o que o Carlos faria comigo. Provavelmente nada porque teria medo de alguma reação da minha avó. Mas se o papai chegasse as coisas mudariam. Eu poderia levar aquela surra atrasada e as coisas poderiam ficar muito feias.
Até a hora de sair para encontrar o Mário, o Carlos não apareceu em casa. Tomara que ele tinha ido comer a vadiazinha namorada dele e me esquecer um pouco. Peguei um táxi e o paguei para esperar o Mário na esquina. Antes disso, passei em um caixa eletrônico e tirei mil reais para recompensá-lo, sem ele teria dado tudo errado. Encontrei ele como combinado, ele parecia bem mais jovem e bonito sem a farda de trabalho. Usava uma aliança no dedo, notei que era casado. Dei a gratificação a ele e notei a enorme satisfação que ficou. Disse que ele ficasse sempre à disposição que eu poderia precisar dele para alguma coisa. No final foi muito bom, tomei um empregado do papai para mim.
Retornei para casa com o testamento. Precisava de um local seguro para escondê-lo. O Carlos não saberia, mas tão logo papai chegasse talvez desconfiasse do que fui procurar. Escondi o testamento no meu guarda roupa e tranquei a porta do quarto, fui até a cozinha fazer um lance pois estava morrendo de fome. Quando noto o Carlos entrar na cozinha e sentar na mesa. Tomei um susto.
- Boa noite irmãozinho.
- Boa noite. - Respondi cauteloso.
- Adorei rever nossa querida vovó e você?
- Suspeito que ninguém gostou mais do que eu. - Debochei.
- Sabia que eu poderia quebrar a tua cara agora? Que a velha não está aqui para dizer nada?
- Seria melhor me matar e esconder o corpo muito bem, senão amanhã eu vou até lá e digo que você e o papai me espancaram e ainda digo que vou na imprensa falar. Já pensou como ela iria adorar a manchete? Adolescente da alta sociedade cearense sofre violência doméstica.
- Você pensa mesmo que saiu ganhando essa? Que porra foi que você quis ganhar nisso? Você só se ferrou de vez otário. Agora você está na minha mão. - Ameaçou ele, e eu não entendi.
- Como assim? Você bateu a cabeça? Você está sujo com a vovó, com medo de perder seu posto de herdeiro do trono e eu que tenho que ter medo?
- É, você tem que ter medo sim, porque vai precisar ter muito trabalho para me convencer a não mostrar isso para todo mundo. - Falou jogando uma pilha de fotografias na mesa da cozinha.
Eu senti o chão desaparecer debaixo dos meus pés. O ar me faltar nos pulmões. Foi um dos piores momentos de toda a minha vida. Ele sorriu triunfante com meu olhar aterrorizado.
Eram várias fotos minhas transando com o Flávio.
Continua...