“Você vai sair de novo?” Minha mãe perguntou ao me ver por a carteira no bolso e a chave da porta. “Mãe não aconteceu nada demais, vou à casa do Guto e só isso” Disse a ela. “É isso mesmo tia, eu vou cuidar dele direitinho e não vou deixar ele espancar ninguém” Guto falou a minha mãe que pediu a ele que cuidasse mesmo de mim e que estava preocupada comigo e que eu estava meio nervoso ultimamente.
“A senhora não imagina o quanto” Ele completou. Prometi que ligaria da rua a ela e que não voltaria tarde. Ela começou a fazer outras recomendações e eu a interrompi bruscamente dizendo “ Poxa mãe, eu sou homem, eu sei me cuidar” Ela se quedou calada com um sorriso resignado.
“Esse menino está muito macho. Você está cada vez mais parecido com Marcello” Disse Gutinho rindo. “Você ouviu a discussão então?” Perguntei a Guto no elevador que respondeu que sim e que eu dei um susto a ele quando parti pra cima do cara.
“Esse cara é um ex-namorado?” Ele me perguntou ao que respondi que não, e que houvera sido um engano. Ele riu de novo. “Companheiro, eu acho que precisamos tomar um porre pra ver se damos uma relaxada” Guto convidou ao que respondi que estava de acordo.
“Tipo clube do bolinha! Acho que eu vou te dar uma pinga pra ver ser você se acalma um pouco” Completou ele rindo. Fomos a um bar que gostamos de freqüentar. Marcello e eu o freqüentamos o Líbanus às vezes; é meio boteco, mas é legal, muitos amigos nossos freqüentam.
O garçon demorou um pouco a nos servir e notei que Guto me observava. “Garçon,” Chamei de forma um pouco rude quando ele passou por nós. “Eu vou ao carro pegar uma focinheira pra você” Gutão disse rindo.
“Dois áraques por favor!” instrui o garçon que nos atendeu prontamente dessa vez. “Odeio ter que gritar” eu disse ao Gutinho que não se segurava rindo de mim. “Está rindo tanto de que?” perguntei a ele que respondeu rindo, se desculpando e se protegendo com as mãos, como se eu o houvesse atacado.
É um palhaço mesmo, mas eu adoro esse cara. “Claudinho, você faz uma coisa pra mim por favor” ele perguntou rindo. “Fala!” Respondi e completei perguntando “É palhaçada não é?” Ele respondeu rindo e dizendo que não e que era coisa séria e eu até cri que realmente fosse. “Então diga logo” falei. “Cospe no chão e coça o saco agora pra eu ver” disse ele explodindo numa gargalhada inacreditável que me fez rir até doer atrás da orelha.
“O que vai ser agora?” Perguntou ele que prosseguiu propondo “Vamo saí com os mano pra tomá umas breja, pegá umas mina e dá porrada nos cara?[sic]” ele falou imitando o modo como os malandros falam me fazendo rir mais ainda e completou “Claudinho, Claudinho você precisa de limite, você está sem limite.
Marcello tem que voltar pra acertar teu passo, sujeito.
Ligação de Marcello.
Quer dizer, "Claudinho é o caralho meu nome é Zé Pequeno!” Diante disso eu quase me molhei de tanto rir, no final das contas havia sido melhor sair com o Guto que ficar em casa. “Realmente você está muito tenso coelhinho. É a falta de Marcello não é? Vocês vão se ver logo.” Ele disse massageando meus ombros.
Estar com o Guto é como estar com um irmão querido. Sinto um amor tão grande por esse rapaz e imagino que o ame mais ainda pelo afeto que ele devota ao meu cachorrinho que está me fazendo tanta falta agora.
Meu telefone tocou, era Marcello.
“Claudinho? Liguei pra sua casa e sua mãe me disse que você foi assaltado? Você está onde? Onde está o Gustavo? Eu mandei ele cuidar de você!” Não sei o que ele ouviu da minha mãe, mas ele estava muito preocupado, disse que ia largar o curso e voltar naquela noite mesmo e outras coisas.
Eu o tranqüilizei dizendo que estava ótimo, que foi apenas um susto e que minha mãe havia exagerado. E que depois dava detalhes. Procurei deixá-lo tranqüilo, mas ele insistia na idéia de abandonar o treinamento antes do prazo e eu pedi, como favor pessoal que não o fizesse e que concluísse a contento o propósito que o levara a São Paulo.
Disse que estava tão bem que havia até saído um pouco com o Guto. Ele se mostrou mais tranqüilo e mesmo assim quis falar com o Gutinho que atendeu. Coitado do Guto, ouviu muito do Marcello, ouviu calado, na verdade ele ria as vezes e só dizia “sim senhor, não senhor”.
Guto me devolveu o telefone dizendo “Toma que teu marido está brabo. Vocês formam o casal perfeito, um estress só” e riu enquanto tomava nossa segunda dose de áraque. “Claudinho, eu quero que você me prometa que não vai sair sozinho”
Marcello me fez prometer e marcamos de falar mais tarde, ele iría jantar e voltar para a última palestra do dia. Nos despedimos. Eu me desculpei com Guto e ele disse pra eu não me importar e que depois se entendia com o Marcello.
Tomamos mais duas doses e o garçom veio trazer um bilhetinho para nossa mesa. Era para o Guto, coisa comum. “Não vai abrir?” perguntei a ele que respondeu que não. “hoje quero estar só contigo” e completou “Clube do bolinha, lembra? Menina não entra!!!” dizendo isso ele sorriu e ergueu o copo num brinde em direção da morena que havia mandado o bilhete.
“Não quero atrapalhar nada” Eu disse a ele que respondeu “ Deus me livre de deixar você sozinho. Quando voltasse pra cá com certeza você teria quebrado o bar inteiro e estaria em fuga em direção à fronteira com o México com o FBI na sua captura” ele me respondeu.
Eu retruquei. “Guto, não fazemos fronteira com o México” “Pior ainda, olha o tanto que você ia ter que dirigir” e gargalhou em seguida. Ele pediu a conta e me propôs jogarmos um pouco de sinuca antes de ele me levar de volta à casa, antes, pediu um pouco de gelo ao garçom. “ Põe no olho ele disse me entregando. “Está ficando feio!” completou. “Mesmo?” Perguntei. “Tu ta parecendo um Dálmata” ele disse. Que droga pensei.
Marcello vai falar muito na minha cabeça pensei. Como explicar não é fácil, mas acho que chegou o momento de Marcello saber sobre aquele sujeito. Jogamos um pouco, faço conta que talvez durante uma hora e Guto me trouxe de volta à casa.
No trajeto Guto me falou da solidão que sente e como ele admira o amor que Marcello e eu sentimos um pelo outro. “Sabe, Claudinho, eu não quero ninguém que morra por mim, quero alguém que viva por mim e em mim. Esse amor que vocês sentem é uma coisa muito linda e eu queria muito ter alguém assim também.
Quero muito me apaixonar por alguém que goste assim de mim, assim com Você e o Marcello se gostam. “No tempo certo essa pessoa virá, esteja seguro” disse a ele que acariciou minha cabeça e sorriu dizendo que eu era um anjinho mesmo.
“Eu vou lhe confidenciar uma coisa que jamais tive coragem de dizer a ninguém” Ele disse e fez uma pausa, olhou para mim enquanto aguardávamos o sinal abrir, permaneceu no silêncio que respeitei. Ele não estava pronto ainda para dizer fosse o que fosse.
Permaneceu calado. Ele me deixou em casa e nos abraçamos num abraço demorado. Senti que Guto tinha algo para me dizer, mas que ainda não havia chegado o momento. “Vê se não bate em mais ninguém hein?” Ele brincou enquanto fazia a manobra e ia embora. Ter estado com o Guto foi muito bom. Gosto muito, muito mesmo desse moço, quero muito que uma pessoa muito legal esteja no caminho dele e preserve aquele modo menino que ele tem.
Marcello me telefonou mais tarde e falamos por quase uma hora ao telefone, Ele me contou de como estava sendo difícil estes dias e falamos da falta que sentíamos um do outro. Choramos, rimos, voltamos a chorar, Marcello cantou para mim uma música que adoro e que ele canta pra eu dormir quando estamos juntos.
Elisa-Ligabue- Gli Ostacoli del Cuore “Meu coração dói tanto e parece que o tempo não passa, Marcello” disse a ele chorando, ele chorando me disse com aquele erre acentuado que eu tanto amo “Meu amor, mesmo quando retrocedo avanço disse Chagall. Nos veremos logo”
Antes de desligarmos eu cantei e toquei ao violão Frisson do Tunai pra ele que adora essa música na voz da Ivete com e com essa inserção em espanhol que sempre faço pra ele. Marcello chorou mais ainda e disse “assim você me judia meu anjo de cabelo encaracolado”. Nos despedimos e continuei a chorar.
Agora estou aqui diante desta janela; sinto essa morte de luz que me consome neste moinho que me tem triturado quando não esqueço que de Marcello estou apartado. Receio o que se esconde no porvir, nesta coleção de horas inúteis em que alento qual seja me abraça o peito, nem a simulação se me afundar no sono, tampouco dormir de veras existe nesta espera.
Como num ritual secreto entrego encantamentos ao vento para que a volta de Marcello seja breve. Esse moço de cabelos cor de trigo me tem. Possui minha vontade prendida sob o peso do seu sorriso de lírios. É senhor de todos os meus ais e o amor da minha vida inteira.
Amigos mais uma vez estou eu aqui, acho que até um pouco alto pelo tanto que bebi, porém mais uma vez despejando sobre esse teclado tudo que está preso nesta garganta. Obrigado por estarem aí do outro lado, obrigado por existirem, poder desabafar o que sinto e aliviarem esse solilóquio.