Levei um susto ao ver Mirela do meu lado, me olhando, preocupada.
Julho, você está bem? - perguntou e eu a olhei, sério, com medo que ela percebesse que eu estava chorando. Tinha medo que ela sentisse pena de mim.
Eu odeio quando sentem pena de mim. Pena não. Pena é o pior sentimento que existe. Sabia lidar com a raiva, com a fúria, com o ódio das pessoas. Mas não conseguia suportar que alguém tivesse pena de mim.
Claro que eu estou ótimo, Mirela, por que não estaria?
Eu li o jornal, Julho, e fiquei arrasada. Como puderam falar isso de você? Como disseram que você nunca foi beijado? Quanta bobagem! - ela falou isso e sentou ao meu lado.
Eu: Tá tudo bem, Mirela. Eu não me importo com o que esse pensam ou deixam de pensar. (MENTIRA ME IMPORTO SIM)
Mirela: Julho, eu quero que você saiba que o Miguel não tem nada a ver com isso. Eu sei que vocês não se dão muito bem, mas acredita em mim, ele não tem nada a ver com isso.
Eu balancei a cabeça e afirmei: Tudo bem, eu acredito em você.
Mirela: Eu juro que não vou descansar enquanto não descobrir quem foi a cobra que plantou esse boato absurdo.
Eu: Esquece isso, Mirela. Não liga pra essas futilidades - falei, me levantando no exato momento que o sinal tocou
Ela deu um suspiro e concordou. Mas se eu bem conhecia Mirela, ela não vai descansar enquanto não descobrir essa historia.
A verdade é que eu estava cansado daquilo tudo, queria mais era esquecer que isso tinha acontecido. Só não queria esquecer o que tinha acontecido entre mim e o Miguel naquela sala.
Fiquei aborrecido comigo mesmo e depois fui para a minha sala, me despedindo de Mirela no meio do caminho. Definitivamente tinha perdido a cabeça depois daquele beijo.
As semanas passaram agitadas, já fazia quase um mês daquele boato. Ninguém na escola voltou a falar sobre aquilo, mas eu sabia que eles ainda desconfiavam que era mesmo um boca virgem. E eu não me importava com isso, não precisava provar nada para ninguém.
As primeiras provas começaram e eu tentei me concentrar nos meus estudos, estudando até mais do que devia.
Tudo estava normal, do jeito que sempre tinha sido. Miguel ainda sentava ao meu lado, mas agora nem me dirigia um olhar. Eu agradecia a distância, mesmo uma parte de mim desejando que ele voltasse a me atormentar, uma parte idiota e sadomasoquista de mim.
Estava totalmente concentrado nos meus estudos que nem percebi que data da Love Song estava chegando. Tomei a decisão de que não iria. Mas eu sabia que se não fosse, Mirela ficaria mortalmente magoada e era bem capaz dela não falar comigo até o fim dos tempos.
Então eu decidi ir, mesmo contra a minha vontade. Não estava a fim de sair, nem de dançar, sabe as vezes eu ficava mal, porque tipo eu sou adolescente e nunca namorei ninguém, eu sou um encalhado. E ir para uma balada e ver todo mundo se pegando. não era um programa dos melhores para mim.
O dia chegou e lá fui eu entrar num dilema: com que roupa eu iria?
Escolhi a única roupa que eu nunca tinha olhado para ela, aquela ganhei da minha mãe, da ultima vez que ela veio até o Brasil. Era um jeans preto, que tinha um corte impecável, uma camisa branca gola v, e um all star cano alto branco. Com bons acessórios eu estaria pronto.
Coloquei o minha roupa, calcei meu tênis, vesti minha pulseiras spikes.
Meu cabelo era a parte mais fácil, era só dar uma secada passando as mãos pelos fios para que ele ficasse do jeito que eu queria. Me olhei no espelho e levei um choque ao ver a imagem que estava sendo refletida.
Muito bom - desci as escadas lentamente, enquanto ouvia meu pai gritar:
Julho, que horas você vai - meu pai não terminou a frase, me encarando, completamente chocado.
Mordi o canto dos lábios e o olhei, inseguro:
E aí, pai? Como eu estou?
Meu pai sorriu, me olhando dos pés a cabeça, disse: Nossa! Você tirou aqueles seus trajes pretos, parabéns.
Eu:Obrigado, pai. Vou considerar isso como um elogio.
Eu peguei as chaves da minha scooter, que alias, já estava concertada, já me dirigindo para a saída da casa.
Eu: Tchau, pai - acenei, já no jardim.
Pai: Divirta-se – ele gritou, enquanto eu entrava na minha scooter.
Estacionei em frente à da Love Song e olhei e percebi que o lugar estava agitado.
Você veio até aqui, e agora vai entrar; pensei, quando estava pensando em voltar para casa.
Entrei lá, lentamente, procurando por Mirela. Aquele lugar estava lotado.
Me misturei na multidão, que dançava ao som da música eletrônica comandada por um Dj. Até agora estava tudo bem, eu ainda não tinha sido reconhecido. De repente, alguém me segurou pelo braço e eu me virei, sorrindo imediatamente.
Julho? - Gabriela me olhava, incrédula - É você?
Eu sorri e ela me encarou, surpresa - O que aconteceu com você? Uau, você tá um gato.
Eu: Obrigado, Gabi. Viu a Mirela por aí?
Gabriela me encarava meia aérea, acho que ela estava surpresa demais com o meu novo visual.
Gabi: Mirela? Ah, sim ... Ela tá por aí.
Eu: Bom, Gabriela, eu vou atrás dela. Mas se você a vir, avise que eu já cheguei e estou a sua procura.
Encontrei Mirela no meio da pista, dançando com um garoto da escola. Ela quase surtou quando me viu, pulando em cima de mim, me abraçando.
Julhooooooooooooo! Eu sabia que você não ia deixar de vim! - falou enquanto quase me sufocava, em seu abraço esmagador - Uau, você tá tudo nesse roupa. Adorooo!
Valeu - dei um sorriso amarelo.
Mirela que antes estava dançando com um garoto, me puxou para o meio da pista, dançando ao meu redor. Sorri e segui os seus passos, dançando ao som da música eletrônica. Sim, eu sabia dançar.
Nas horas vagas, Mirela e eu adorávamos colocar o som nas alturas e ficar dançando aquele tipo de música. Era meio tosco, mas pelo menos tinha servido para alguma coisa. Eu não devia nada para ninguém que estava dançando na pista. Foi nesse momento que eu o avistei, dançando, com seus amigos.
Como ele era lindo e como mexia com o meu coração, mesmo que nem sequer tivesse notado a minha presença. Mas como se lesse pensamentos, ele se virou e encontrou meus olhos, sua expressão inicialmente era de confusão, mas depois o choque tomou conta do seu rosto, ao me reconhecer.
Eu: Mirela, o que é que o Miguel esta fazendo aqui?
Mirela: Ah, hoje é o aniversario dele.
Eu: Como você não me conta isso? Agora eu sei como você conseguiu os tickets da Love Song
Mirela: Julho, por favor, birras hoje não! Se concentra na musica e esquece o idiota do Miguel.
Eu sorri, cinicamente e depois desviei o olhar, me concentrando no Miguel, que tentava de todas as maneiras me impressionar. Não estava muito acostumado com aquele tipo de atenção e não seria agora que eu saberia lidar com aquilo.
A música mudou completamente, passando agora para um ritmo mais lento. Ao puxarem a Mirela para dançar fui sentar – me em algum lugar.
De repente avistei o Miguel se aproximando de onde eu estava, ele parou próximo a mim, e antes que eu ficasse maluco com aquele seu cheiro, ele falou: Devo admitir que você sabe surpreender, Julho.
Eu: Eu tenho algumas cartas na manga, Miguel - eu falei, seguindo o joguinho dele.
De repente, chegou uma pentelha e puxou o Miguel para a pista e dança.
Me senti mal imediatamente, meu momento tinha acabado. Me despedi de Mirela falando uma desculpa qualquer e saí da pista de dança, querendo sair daquele lugar. Mas afinal eu queria o quê? Que Edward viesse ao meu encontro e me puxasse em um beijo apaixonado? Desde quando eu sonhava acordada? Que idiota.
A noite tinha acabado para o Cinderelo aqui. Era hora de voltar a ser o revoltadinho.
Saí da Love Song às pressas, procurando pelo lugar onde eu tinha estacionado minha scooter. Me aproximei da scooter e procurei pelas chaves em meu bolso, mas não as encontrei.
Fiquei desesperado, eu não podia ter perdido as minhas chaves. Foi aí que eu vi uma mão branca estendida bem diante dos meus olhos.
As chaves estavam naquelas mãos.
Eu olhei para cima e vi que Miguel me olhava, sorrindo: Você pode até me bater por eu ter jogado sujo, mas como você sabe eu também tenho algumas cartas na manga - ele falou e em seguida, me puxou para mais perto, capturando minha boca em um beijo enlouquecedor.
Eu imediatamente envolvi seu pescoço com meus braços, puxando o seu cabelo na parte da nuca, ficando na ponta dos pés, ansiando por mais. Ele se encostou na minha scooter e me puxou mais para perto do seu corpo, meus pulmões esmagados por seu peito musculoso. Sua língua invadindo a minha boca de uma tal maneira que me fazia flutuar. Eu não raciocinava, eu só conseguia pensar em como era bom aquilo tudo e em como eu não queria que acabasse.
Miguel passou as mãos pela minha nuca, acariciando a curva do meu pescoço. Eu gemi, e soltei um longo suspiro, enquanto minha língua sentia a doçura dos seus lábios. Ele se afastou e me olhou nos olhos, nossas respirações eram ofegantes.
Ele Sorriu e me puxou em um abraço, enquanto fazia carinho nas minhas costas. Eu aproveitei esse contato para inalar um pouco do seu perfume tentador.
Miguel: Já disse que você mexe comigo de todas as maneiras, Julho?
Eu: Depende do que isso significa mexer com você, Miguel.
Miguel: bom, significa que eu já não consigo mais pensar em outra coisa que não seja essa sua boca maravilhosa - sussurrou, me puxando para mais um beijo, no qual eu correspondi com vontade.
Mas logo depois, eu me afastei, recobrando um pouco da minha consciência. Subi na scooter e acelerei, indo embora o mais rápido possível.
Enquanto eu estava quase em fuga, ouvi o Miguel gritar: Julho, espeeeraaaa!
A luz do dia sempre trás a vergonha da noite que passou. E comigo não foi diferente.
Eu me arrependi por ter ido à Love Song com aquela roupa, me arrependi de ter provocado Miguel. Só não conseguia, mesmo que eu quisesse, me arrepender de ter correspondido ao beijo dele.
Fui para aula sem nenhuma vontade, minha cabeça estava latejando por conta de mais uma noite mal dormida. E quando eu não dormia bem, era difícil eu conseguir me alimentar.
Entrei na sala de cabeça baixa, sabendo que os boatos sobre mim, agora voltados para uma outra direção, estavam rolando soltos pela sala. Miguel estava sentado no lugar de sempre e eu tentei ao máximo retardar a ida para o meu lugar, não estava com saco para ouvi-lo.
Mas para a minha surpresa ele não falou nada, nem ao menos um bom dia. Eu achei estranho, depois do que tinha acontecido entre nós na noite anterior.
E definitivamente eu era um caso interessante para ser estudado, já que a minha mente era dividida; havia um lado que torcia para que eu chutasse o traseiro de Miguel, e um outro que queria me ver suspirando de amores por ele.
Eu não sabia qual lado me dominava.
Miguel não me olhou em nenhum momento, seu rosto era muito sério, sua expressão era compenetrada. Milhares de questões surgiram na minha mente, eu queria saber o motivo de tamanha seriedade da parte dele.
E foi assim durante o dia todo. Na outra do intervalo, eu procurei Mirela, mas ela não estava em lugar nenhum. Fui procurá-la, querendo me desculpar por não ter ficado até a hora do parabéns. Eu já tinha até formado uma desculpa qualquer na minha cabeça e esperava ser convincente. Dobrei um corredor vazio e encontrei Miguel e Mirela conversando, ou melhor, discutindo.
Fiquei quieto no meu canto quando ouvi meu nome ser pronunciado. Era tarde demais para tentar não ser indiscreto, eles estavam falando sobre mim.
Mas aquele era o momento certo para parar de ouvir a conversa, só que ninguém avisa quando o momento certo surge. E eu realmente não estava preparado para o que viria a seguir.
Mirela: Você já contou para o Julho que foi a Maria de Lurdes a mentora do boato absurdo? Se você não contar eu contarei.
Senti a raiva brotar e tomar conta de mim, me incapacitando de pensar. Eu só conseguia agir. Saí do meu esconderijo, ignorando as caras de surpresa de Mirela e de Miguel, disparando para o refeitório, meu rosto estava muito vermelho, o que sempre acontecia quando eu tinha ataques de fúria.
Não percebi que eles estavam me seguindo, só conseguia pensar em acabar com a raça de Maria de Lurdes.
Entrei no refeitório voando, procurando o alvo da minha ira, que estava sentada ao lado de outras meninas tão vagabas quanto ela. Saí em disparada até onde ela estava, ignorando quem quer tentasse evitar que eu desse um belo corretivo nela.
Puxei ela pelo cabelo, derrubando-a no chão, enquanto uma multidão já se fechava ao nosso redor, curiosos.
Eu: Você não tinha o direito de espalhar aquela mentira ao meu respeito.
Ela: Larga o meu cabelo, seu viadinho. E eu não falei nenhuma mentira. Ai - resmungou quando eu puxei seu cabelo com mais força - olha só pra você, Julho, nunca vi um menino como você. E eu ainda fui boazinha, eu iria postar que você era viado.
Ela falou e eu admirei a coragem que ela tinha.
Ela realmente não sabia com quem tinha se metido.
Eu simplesmente levantei meu pulso em direção ao seu nariz, dando-lhe um soco, quebrando o belo narizinho dela com a maior facilidade. Pronto, eu não precisava fazer mais nada.
Ela gritou exageradamente, suas mãos no nariz, que deixava escorrer um filete de sangue.
Miguel me puxou pela cintura, me tirando de cima da Maria de Lurdes.
Miguel: O que você pensa que está fazendo, Julho? Quer se ferrar ainda mais?
Eu: Só dei o que ela tanto merecia, Miguel.
Ele me ignorou e foi socorrer ela, que chorava convulsivamente, as mãos no nariz.
Miguel: Calma, linda, vou levar você para enfermaria.
A fúria tomou conta de mim novamente, eu era a vitima nessa historia toda. Era eu que tinha que ser consolado, fui eu quem foi chamado de bv, fui eu que tive a minha reputação manchada. Ao invés disso, tudo que eu recebi foram olhares de recriminação.
Bufei, saindo rumo à diretoria, já estava mais do que farto de tudo isso, merecia um bom descanso. Nada como uma semana de suspensão.
Entrei na sala da diretora sem ser anunciado, ignorando o resmungo que ela deu.
Eu: Olha aqui diretora, antes que alguém venha se pronunciar, eu tomei a frente. Sim, eu acabei de quebrar o nariz de aquela bitch e sim, pode me suspender. Eu estou pronta pro meu castigo.
Já deu pra imaginar o sermão que eu levei da diretora Erondina. E para minha decepção, eu não fui suspensa, em consideração ao meu pai, que não merecia ter mais aborrecimentos com um filho tão problemático como eu. Só tomei uma advertência e fui mandado para casa, me sentindo impune.
Ah, pra que serviam os castigos se não haviam carrascos que estivessem dispostos a executá-los? - pensei irritado.
Voltei para casa com raiva, por não ter sido punido, mas feliz por ter me vingado.
A vingança era doce na boca de quem se vingava. Mas para Maria de Lurdes, a vingança deve ter tido um gosto bem amargo, eu pensei, sorrindo.
Continua.