(Ygor)
Acordo revigorado. Faço meu ritual matinal e sigo para o hospital. Naquele dia o plantão seria um pouco mais cedo, por isso não vi ninguém antes de sair. Minha família tem esse “acordo” de silêncio, pouco conversamos entre nós. Acho que é um dos motivos para que eu ainda não tenha saído do casulo.
Passo na casa de Sarah para busca-la. Chegando lá, ela entra no carro, batendo forte a porta.
- Bom dia né – digo a ela.
- Tá, tá bom dia pra você também – diz ela virando o rosto.
- Nossa! Posso saber o porquê de tanta hostilidade logo cedo?
- Desculpa amigo, é que minha mãe marcou um jantar hoje pra recepcionar o tio Otto, e nós dois vamos ter que ficar de teatrinho a noite toda.
- Nós?! – pergunto.
- Isso mesmo, nós. Claro que seus pais também foram convidados né. – diz ela, demonstrando total impaciência com a situação. – Eu to cansada, não aguento mais me esconder.
- Eu também amor, eu também. Mas nós vamos encontrar uma solução pra isso, você vai ver. – digo, acariciando o rosto dela.
- Você seria um bom marido Ygor – diz ela, sorrindo pra mim.
- Tá louca kkk. Agora vamos porque eu não quero ouvir sermão do “titio” Otto kkk.
Dou partida no carro. Seguimos o caminho em silêncio. Assim que chegamos, fomos à procura do Dr. Otto. Passamos o dia muito atarefados. Aquele homem me instigava desde o momento que li seu nome naquele pedaço de papel, e agora tentando decifrar seu comportamento. Era frio como professor, cobrando excelência de seus alunos. Eu me irritava com isso. Era um robô, não demonstrava emoção nenhuma a não ser no nosso primeiro diálogo ou no abraço que deu em Sarah, pois nem com ela, ele se mostrava carinhoso. Perai eu to me incomodando pelo fato dele não ser simpático comigo? O estranho é que eu nunca me importei com isso, meus pais não são exemplos de pessoas afetuosas e nem por isso eu fico pra baixo.
Tento me desfazer desses pensamentos, afinal eu devo estar somente cobrando reconhecimento. Só pode ser isso. Tenho que tentar me concentrar nos pacientes.
O dia passa rápido. Na hora do almoço me junto a Sarah. Acho que era o único momento que poderíamos jogar conversa fora, durante 30min, pelo menos. Ela parecia mais alegre, eu diria.
- Tudo bem, lindo? Você tá muito pensativo hoje. – diz ela.
- Tudo bem sim, deve ser impressão sua. – digo.
- Que seja. Mas e ai amor tá preparado pra hoje à noite?
- Ah sim... Tem que tar né – digo desanimado. – Quem vai estar lá?
- Só a sua família, a minha, é claro, o titio e o filho dele.
- Hmm.
- Você vai né? Não seja louco de querer faltar!
- E eu tenho escolha?
- O que você tem Ygor? Fala pra mim.
- É que vai ser estranho ver o Dr. Otto fora daqui.
- Por quê?
- Sei lá, acho que vai fica um clima meio estranho, ele nos trata com uma frieza aqui dentro.
- Relaxa amor, é o jeito dele. Ele gosta de separar a vida profissional da pessoal, só isso. Ygor, por que você fala dele como se não o conhecesse?
- E não conheço mesmo. – digo.
- Jura que você não lembra dele? Afinal você tinha 15 anos quando se viram pela última vez, eu acho.
- Nos vimos, como assim? Eu lembraria dele.
- Na época ele usava óculos e tinha o corpo um pouco magro, desleixado eu diria, foi no início da doença da tia Alessandra, esposa dele. Lembrou agora?
- Meu Deus! Nós a visitamos uma vez no hospital. Como eu pude esquecer?
- Ah Ygor, ele mudou muito. Deve ser isso. Agora ele está mais bonito, não acha? – ela não me perguntou isso, perguntou? – Amor, eu vejo como você olha pra ele, sempre analisando. Mas pode dizer, meu tio é lindo mesmo.
- Que isso menina! Eu, achar ele bonito?! Ele é seu tio. – digo a ela, tentando disfarçar meu constrangimento, mas que ele é lindo é.
- É só um comentário. Além do mais, não quero te chamar de titia. – diz ela, caindo na gargalhada.
- Palhaça. – digo, dando por encerrado o assunto.
Mas algo ficou na minha mente. Quando nos conhecemos, ele foi muito simpático comigo, me tratou super bem, foi gentil e agradeceu pela visita que fiz à sua esposa, totalmente diferente de agora. No entanto, da Alessandra, eu não consigo lembrar mesmo.
O horário de almoço termina rápido. E logo estamos subindo ver um paciente, mas paramos no meio do caminho. Do início da escada já era possível escutar as vozes exaltadas. Eram o Dr. Otto e outro homem que eu não conseguia reconhecer a voz, ao nos aproximarmos da porta, e eu Sarah levamos um susto ao ver o nosso supervisor discutindo com o oncologista, um homem de idade de avançada.
- ELE É MEU PACIENTE! – Dr. Otto gritava, batendo no peito. Seu rosto estava vermelho de raiva.
- MAS EU FUI CHAMADO! – Dr. Rogério também se mostrava irredutível.
- CLARO QUE FOI! O garoto tem câncer no pâncreas, era natural chamar o senhor. Mas eu continuo sendo responsável por ele!
- MAS EU DEVO DEFINIR O TRATAMENTO ADEQUADO! – o oncologista estava a ponto de explodir.
- E EU QUE DEVO APROVÁ-LO. – um tentava falar mais alto que o outro. Não demora muito e a discussão começa a chamar a atenção de curiosos. Só nesse momento, nossa presença, que até então não era notada, foi percebida pelos médicos. E eu juro que cause fujo daquele lugar, depois de receber os olhares enérgicos em mim e Sarah, que se mostrava tão surpresa com a situação quanto eu. Até que Dr. Otto fala:
- O que fazem aqui? – aquela voz grave me deixou amedrontado e sem palavras, até tentei responder, mas foi em vão. – Ygor vá buscar os exames do paciente. – eu permanecia inerte – O que está esperando?! VÁ AGORA! JÁ! – ele grita pra mim, só ai eu desperto do choque e vou buscar os tais exames, sem dizer uma palavra sequer a ele. – E você Sarah. Vá preparar o paciente para a cirurgia. PRA ONTEM! – ele diz a ela que atende imediatamente, sem demonstrar emoção alguma. E logo o grupo de curiosos é desfeito.
Assim que volto com os exames, bato na porta da sala.
- Entre. – diz Dr. Otto – Me dê os exames e retire-se. – e assim faço.
Com isso, se o clima entre nós três já não era dos mais afetuosos, depois desse episódio, ficou quase insuportável. Ele nem sorria mais ao falar com os pacientes, seu rosto se tornou mais vazio do que antes, como se isso fosse possível.
O dia termina e eu volto pra casa, no caminho deixo Sarah que ainda mostrava-se em choque com o que aconteceu.
- Tudo bem amor? – pergunto a ela.
- Tudo sim, não se preocupe. – ela responde dando um sorriso amarelo. – Até daqui a pouco. – ela me da um selinho e entra em casa. Acho que foi uma surpresa pra ela ver o tio tão alterado, e ainda gritar com ela. Definitivamente a recepção vai ser um tanto diferente.
Volto pra casa já prevendo a crise que minha iria ter, devido meu atraso. O jantar estava marcado para as 20h00min e já passava das 19h00min. Pra mim tempo suficiente, para ela catástrofe rs. Mal entro em casa e o sermão já começa, como se eu fosse um vagabundo, sem nada pra fazer.
- Onde você estava? Já viu que horas são? Você vai nos atrasar! – entre outras coisas que ela disse e eu não dei a mínima.
- Podem ir, eu vou depois. – eu digo, tentando fazer com que ela pare de falar. Nem espero uma resposta, subo para o meu quarto. Tomo um banho tentando relaxar um pouco, por que hoje, a noite será tensa.
Em 45 minutos, já estava pronto. Já eram exatamente 20h00min, mas um pequeno atraso é sempre charmoso. Dou uma última olhada no espelho. Estava trajando, uma calça jeans preta, uma blusa azul, gola “v”, e um sapato branco, estava até bonito. E assim saio de casa.
Em pouco tempo chego à casa dos Toledo, um pouco mais iluminada que o normal. Assim que toco a campainha, dona Ana, a empregada abre a porta.
- Boa noite Ygor, tudo bom meu filho? - eu adorava aquela mulher, era sempre muito gentil e simpática.
- Boa noite dona Ana, e a senhora está bem?
- Ótima. Entre meu filho, só falta o Dr. Otto chegar.
Entrei e todos já estavam em seus respectivos grupos, vamos assim dizer. Minha mãe e dona Olga, era curioso como mulheres totalmente diferentes se davam tão bem, a primeira uma típica esposa e mãe tradicionais, já a segunda, uma mulher de negócios, poderosa e às vezes intimidadora. Meu pai, Dr. Ronald e Erik, estavam sentados no sofá, com certeza falando sobre trabalho. E ao pé da escadaria minha “namorada” e meu irmão, o semblante de Sarah denunciava que ela estava desconfortável com a situação. O que foi confirmado com o sorriso que ela abriu a me ver.
- Amor! – diz ela, vindo ao meu encontro.
- Oi amor – eu respondo a recebendo em um abraço.
- Você me salvou – ela disse ao meu ouvido.
- Eu sei – digo da mesma maneira. Saímos do abraço, dou um selinho nela, e se inicia a peça teatral.
- Sarah, minha filha, deixe o Ygor respirar, vocês terão muito tempo pra isso depois do casamento – diz meu pai.
- Pai! Por favor, essa história de novo não né – digo, tentando mudar de assunto.
- Isso mesmo, Ygor, nisso nós concordamos. Não é o momento para isso – intervia minha adorável “sogrinha”.
- Tá vendo Pai, só a dona Olga me entende – agora eu exagerei na ironia, tanto que Sarah foi incapaz de conter o riso. Eu ri também por que Lúcio estava cuspindo fogo do outro lado da sala por ver Sarah pendurada no meu pescoço – Você devia ser atriz – digo somente para ela.
- Nós deveríamos – ela cochicha.
Antes de falar com todos, a campainha toca outra vez e eu mesmo abri a porta. Era o Dr. Otto e o filho. O problema é que eu fiquei estático com a porta entreaberta e os dois pra fora. Uma cena constrangedora, mas eu não conseguia tirar os olhos dele. Aqueles olhos já não tinham a raiva que eu vi mais cedo, aqueles lábios carnudos já não estavam cerrados, estavam sorrindo. Espera um segundo, ele estava SORRINDO!? E não era para nenhuma criança enferma, era pra MIM.
- Boa noite Ygor – ele disse, disse não gritou. ”Responde Ygor, responde!”.
- Boa noite Dr. Otto – graças a Deus não gaguejei.
- Doutor não Ygor, aqui sou só Otto, por favor, toda essa formalidade só é necessária no hospital. Aqui não. Me chame apenas de Otto, está bem? – diz ele sem retirar o sorriso do rosto. E eu ainda estava em estado de choque, só consegui assentir com a cabeça. – Ygor! – ele chamou minha atenção.
- Sim – digo tentando desviar meus olhos dos seus lábios. “Te controla Ygor, te controla”.
- Podemos entrar? – diz ele rindo, provavelmente da cara de idiota que eu estava fazendo.
- Ah claro, desculpe. – disse abrindo a porta. Eles entram e ele diz.
- Deixe-me apresenta-lo. Ygor, esse é meu filho Marcelo, filho esse e o Ygor, um colega de trabalho. – Colega de trabalho?! Com essa eu decidi parar de tentar entende-lo.
- Prazer em conhecê-lo Ygor – diz o rapaz.
- O prazer é meu. – Agora que eu pude notar o garoto, tão bonito como o pai, só que o Otto era muito mais.
- Não me digam que vocês dois vão começar a falar de trabalho também. – dizia minha mãe rindo. – Quanto tempo Otto, que saudades meu amigo – dizia ela enquanto o puxava para um abraço.
- Verdade Rosa, muito tempo mesmo. Mas, você continua linda como sempre.
- Pode tirar as mãos da minha esposa, por favor – dizia meu pai, arrancando risos de todos.
- Pensei que essa sua insegurança já tinha passado meu amigo – diz Otto, abraçando meu pai. Sarah estava estranha, calada demais. Nem pulou nos braços do tio, como fez no primeiro dia que o viu. É minha amiga deve ter ficado muito chateada mesmo. Ele a viu e a cumprimentou – Boa noite Sarah.
- Boa noite tio – ela fala sem demonstrar emoção alguma. E todos notaram o clima pesado. – Oi Marcelo.
- Oi Sarah. Tudo bom? – ele diz.
- Tudo ótimo. – ela responde e se dirige ao jardim. Eu precisava falar com ela, ela não estava muito bem. Por isso a segui. Chegando lá ela ficou calada olhando para a lua que estava linda naquela noite.
- Amor, o que você tem? – pergunta a ela.
- Ai Ygor, sabe, eu sempre idolatrei meu tio, e hoje ele me trata daquele jeito. Ele gritou comigo, foi rude, nem meus pais me tratam daquela forma.
- Eu entendo Sarah, mas ele estava com raiva no momento, ele não pensou antes de falar daquela forma.
- Você não entende. Me dói dizer isso, mas você sabe que é verdade, meu pai nunca foi carinhoso comigo, ou me deu atenção. Quem sempre fez isso foi o tio Otto, ele é um pai pra mim, chorei muito quando ele viajou, e fiquei eufórica com a volta dele. Mas hoje eu me decepcionei com ele.
- Eu sei amor, eu sei – eu não imaginava que ela estava tão triste assim. Sempre soube do carinho que ela tinha pelo tio, bem maior do que ela sentia pelo pai, já que ele sempre demonstrou uma clara preferência pelo Erik.
- Preciso falar com vocês. – ele diz voltando ao semblante sério. – Quero me desculpar pelo que aconteceu hoje no hospital, eu estava muito exaltado, eu discuto com o Rogério desde o inicio do tratamento daquele garoto. Não que isso justifique minha ignorância, mas só peço que tentem me entender. Eu sei que fui um ogro com você, Sarah me desculpe. – Ela continuava parada, com a cabeça baixa. – Venha aqui minha criança, não fique brava comigo. Senão vou ter que te jogar na piscina como da última vez. – diz ele rindo e fazendo-a sorrir também. Só assim entendi a admiração que ela tinha por ele. Otto era um homem muito educado, soube assumir o erro, é sempre cordial com quem deve ser e sempre no momento certo, é um homem e tanto. Por que eu penso tanto nele? Ele é lindo, é claro, me sinto atraído por ele sim. Mas, além disso, me sinto seguro perto dele. Gostaria de conhecê-lo mais.
- Sarah, venha aqui, por favor – Chamava minha mãe.
- Bom, acho que já sentiram minha falta – diz ela limpando uma lágrima e saindo dos braços do tio.
- E você meu rapaz. Me desculpe também, fui muito grosso com você. – diz ele, olhando nos meus olhos, e que olhos lindos. “Ai meu Deus, Ygor você não pode estar se apaixonando, não por ele, ele é tio da sua melhor amiga!”. Eu dizia a mim mesmo.
- Que isso Dr. Otto, eu entendo.
- Não acredito, será que vou ter que gritar com você de novo? – diz ele fechando a cara. – Dr. Otto é só no hospital, assim fico parecendo mais velho do que já sou. – diz ele rindo.
- Me desculpe Otto – digo rindo também.
- Agora sim. Mas você me desculpa mesmo?
- Claro, foi um dia difícil.
- Ainda bem, pensei que ia ter que te abraçar também – diz ele gargalhando. Só que eu não me senti muito a vontade com o comentário dele, deve ser por que, no fundo, eu queria um abraço dele. O problema foi que ele percebeu – Que cara é essa, rapaz? Ah já sei, você quer um abraço rs. Vem cá – ele me puxa com aqueles braços fortes, chocando meu corpo no dele, sentindo seu perfume delicioso, suas mãos grandes na minha costa. Estava tão bom que, quando notei já estava de olhos fechados, inebriado pelo momento. Só sou despertado pela sua voz grave. – Pode me soltar agora. – ele ri.
Onde eu me enterro agora? E assim saio de seus braços rapidamente. Ele me olha nos olhos sorrindo, sinto meu rosto começar a esquentar, devo ter corado. Era só o que faltava.
E como diz o meu irmão: a noite só está começandoBoa noite
Oi gente, mais uma parte postada.
Sam a parte introdutória esta no fim rs. Bruno de Lucca acho que sua pergunta será respondida nos próximos capítulos. CrisBr e José Otávio, fico feliz que estejam gostando. Obrigado a todos pelos comentários. Agradeço também aqueles que apenas lêem. Bom, espero que tenham gostado desta parte também. Comentem muito!
Um beijão para todos. Boa noite e até amanhâ.