Mesmo tendo ido dormir tarde, acordei antes do despertador, deixo Ciço dormir um pouco mais e vou para o banho, a água morna do chuveiro ajuda a lidar com o frio que está fazendo, a chuva já parou lá fora, porém o frio que ela trouxe continua por aqui.
De banho tomado, vou para cozinha passar um café para meu boy para recompensá-lo por ficar acordado comigo ontem à noite, quase tomo um susto quando vejo o seu Cícero sentado na mesa vendo uns papeis, ele está tão concentrado que só percebeu minha chegada quando o comprimento.
— Bom dia, senhor Cícero — falei, tentando soar o menos envergonhado possível.
— Bom dia, Daniel — ele me responde.
— Eu só vim passar um café antes de acordar o Ciço — me explico por achar que devo satisfação dos meus atos ao dono da casa.
— Ótimo, eu já ia fazer na máquina mesmo, quando a Cláudia não está, ninguém toma café de qualidade nessa casa — ele diz rindo.
— Meu café não é como o dela, mas posso fazer para o senhor também.
— Só em não ser da máquina para mim já está perfeito.
— O que o senhor está fazendo? — Me arisco a perguntar enquanto a água do café não ferve.
— Ah, estou fazendo a contabilidade do restaurante, apareceu um problema e estou tentando resolver.
— O senhor não tem um contador?
— Tenho, ou melhor, tinha, meu ex cunhado, era meu contador, mas desde que ele se separou da minha cunhada, Pamela me fez demiti-lo.
— Se o senhor quiser ajuda, sou quem faz o imposto de renda e quem cuida dessa parte na oficina do meu pai, no meu ensino médio, fiz administração e também tenho curso.
— Já me convenceu no posso ajudar Daniel — ele fala, me deixando ver os papéis.
Foco minha atenção ao máximo para não deixar nada passar, os números sempre conversaram comigo de certa forma, acredito que por isso tenho tanta facilidade em ensinar matemática para os outros, tudo que aprendo faz muito sentido para mim e quando mais você sabe de matemática, mas fácil vai sendo aprender coisas novas, pelo menos para mim é assim.
Reviso o livro caixa e vejo se tudo está em ordem, ainda tem tempo até ele declarar o imposto de renda, já que o prazo só se inicia mês que vem, mas entendo, se eu ficasse sem contador, de repente também iria querer ter tudo em ordem, tudo parece certo e quase no ponto para ser declarado, mas tem umas despesas que não estão claras para mim, estou buscando entender, mas sou interrompido pela água que começou a ferver, então deixo os papeis de lado um instante para terminar de passar o café.
— Então, tudo certo? — Ele me pergunta.
— Está, sim, só umas coisas que não estão bem discriminadas.
— Como assim? — Cícero me pergunta um pouco mais preocupado.
— Não deve ser nada, só um erro de digitação mesmo, talvez, só que a receita é muito criteriosa e, para evitar problema, é bom que não ache nenhuma inconsistência ou divergência.
— Sei, pois vou deixar isso com você, depois da viagem, você olha tudo isso para mim, tudo bem? — Fico meio chocado por ele confiar em mim assim e até um pouco receoso, mas não posso dizer não para o meu futuro sogro.
— Sim, senhor.
— Vou te adiantar logo o pagamento, que aí você já pode viajar com um dinheiro, já fui jovem carnaval liso, não tem como prestar, qual seu Pix? — Agora tenho certeza de que estou vermelho e sem saber com reagir.
— Não precisa, senhor Cícero, eu não me importo de olhar isso para o senhor — tento argumentar.
— Daniel, na vida um homem tem que reconhecer o trabalho do outro, você estudou, se esforçou para aprender o que sabe, não posso de forma alguma me aproveitar da sua boa vontade, eu sou ótimo na cozinha e em gerir meus funcionários, mas essa parte burocrática é terrível para mim, se eu não fosse pagar você pagaria alguém de fora, nesse caso prefiro dar essa oportunidade para você, até porque você — diz o senhor Cícero com seu ar de seriedade.
— Tudo bem, mas prefiro mesmo que o senhor me pague depois que eu terminar seu serviço — foi a solução que encontrei para ganhar tempo e pensar em uma forma melhor de sair dessa, não quero que ele pense que sou interesseiro e nem nada disso, já como e durmo na casa dele a semana toda praticamente, fora que as duas vezes em que estive no restaurante o Ciço, não me deixou pagar por nada.
— Combinado assim, mas se você mudar de ideia e precisar do dinheiro logo, só me avisar.
Termino de passar o café e sirvo uma xícara para ele, seu Cícero gosta do café puro sem um pingo de açúcar, estou preocupado de que ele não goste do meu café, mas assim que o toma abre um leve sorriso e me faz um elogio, que me deixa sem graça.
— Seu café não está perdendo em nada para o de Claudia, viu Daniel.
— Pensei que a Claudia tinha vindo trabalhar hoje quando senti esse cheiro de café — diz Pamela entrando na cozinha — bom dia, Daniel.
— Bom dia, Pamela — fico atento para não falar, senhora.
— Quem passou esse café?
— Foi nosso genro — quero que o chão se abra e me engula de tanta vergonha que estou sentindo agora.
— Olha aí, amor, ele quer ganhar os sogros, garoto esperto — Pamela brinca, aumentando ainda mais meu constrangimento.
— Vou acordar o Ciço, porque temos que sair daqui a pouco, com licença — falei com duas canecas de café nas mãos.
Entro no quarto e o cheiro do café desperta Ciço na mesma hora, ele sorri ao me ver com as canecas na mãe, em seguida se estica no chão, se espreguiçando, pega sua xícara e toma uma boa dose de café, nem precisa dizer nada, seu sorriso de satisfação fala por si só, ele gostou do meu café assim como meus sogros, estou aliviado e feliz por agradar.
— Eita, eu mereço esse mimo todo? — Pergunta ele, todo sorridente.
— Merece até mais que isso, mas agora estamos com a hora apertada.
— Que maldade me trazer café na cama e não me deixar te recompensar — Ciço faz um biquinho lindo e lhe dou um selinho.
.— Não se preocupe, vamos ter tempo para isso na viagem — brinco, sentando-me ao seu lado na cama. O calor do café em minha mão e o sorriso de Ciço me aquecem, mesmo naquele dia frio.
Ele toma mais um gole, mantendo seus olhos fixos em mim.
— Você realmente se superou com esse café, sabia? — ele diz, com uma piscadela marota, e isso faz meu coração acelerar.
— Então, vamos nos aprontar logo, que ainda temos que passar no mercado antes da viagem, e não quero que a gente se atrase — digo, levantando-me da cama e indo em direção ao banheiro para escovar os dentes.
Quando saio do banheiro, Ciço entra no banho e fico no computador esperando por ele, depois de meia hora, ele está pronto, colocamos as nossas coisas no carro, ele dá uma última olhada para ver se está esquecendo de algo, e então finalmente saímos, estranhei que seus pais não vieram se despedir e nem ele foi até o quarto deles para dar tchau, a relação de Ciço com seus pais é muito estranha para mim, mesmo meus pais não sendo perfeitos acho que tenho uma boa relação com eles.
— O que você acha de comer algo no caminho? — Ciço sugere, enquanto entra no banco do motorista.
— Isso seria ótimo! — respondo, tentando disfarçar a ansiedade que surge pela viagem.
— Já está tarde, o que acha de chamarmos o pessoal também?
— Pode ser — respondo, não quero passar mais tempo do que já vou ser obrigado com os amigos dele, porém, nosso namoro está cada vez mais certo — segundo ele — então, melhor me acostumar e tentar aprender a conviver com eles.
No caso do César, ele apenas é chato mesmo, já com o Raylan ele claramente não gosta de mim, desde o colégio esse cara tem implicado comigo, o que só foi piorando até o dia em que Rick saiu no braço com ele, quando meu amigo percebeu o quanto as brincadeiras dele me faziam mal ele resolveu tomar uma providência, Não que Rick já não tivesse pedido várias vezes para que ele parasse com o bullying.
Nunca presenciei uma briga até aquele dia, Rick bateu tanto nele que os outros garotos tiveram que separar a briga, Rick estava com muito bravo e tudo que Raylan conseguiu fazer foi tentar se defender, quando a briga acabou, seu nariz havia quebrado e sangrava bastante, ninguém quis revelar o motivo da briga para o diretor, mas no fim Rick pegou uma suspensão de uma semana e só não foi expulso porque seus pais pagaram medido e remédios do Raylan e o fizeram se desculpar.
Conversando comigo em outro momento, Rick admitiu ter se arrependido de ter dado a surra nele, ele não se arrependeu de me defender, só que poderia ter tentado por outro caminho, de qualquer forma, Raylan passou a me ignorar, até voltou a ser amigos do Rick, porém a amizade deles ficou estremecida e quando Rick foi embora sem falar nada com ninguém acabei me distanciando de todos pelo resto do ano sendo completamente esquecido pelo Raylan e os demais colegas da sala.
— Pega meu telefone e manda mensagem para o César avisando que estamos chegando para ele ir descendo logo — a voz de Ciço me puxa de volta para a realidade.
Pego o celular e digito a mensagem para o César, enquanto a lembrança da briga entre Rick e Raylan ainda roda na minha cabeça. É incrível como algumas situações simplesmente marcam a gente, não é? Fico pensando em como as amizades podem se construir e se desfazer em um piscar de olhos. Rick realmente se importava, mas, ao mesmo tempo, parecia ter despertado algo ainda mais profundo no Raylan — uma aversão que nem sei se algum dia vai embora.
— Pronto — digo.
— Valeu, estou morrendo de fome.
César já está no hall do seu prédio, até que foi uma boa ideia mandar a mensagem para ele, ele colocou sua mochila no porta-malas com as nossas, depois entrou no carro sentando atrás do Ciço, César é um cara bonito, desse que não precisa se esforçar muito, claro Ciço é o homem mais bonito do mundo, mas seu amigo tem seus atributos, ele está usando uma bermuda jeans clara e uma camisa de manga comprida branca, tem uma corrente de ouro no pescoço e um óculos escuro que esconde as olheiras de quem deve ter dormido pouco.
— Bom dia, flor do dia — Ciço tira sarro do amigo que provavelmente está de ressaca.
— Vai se foder, Ciço, bom dia, Dan — ele fala com uma voz rouca de quem acabou de acordar.
— Bom dia, Cesar — respondo com um sorriso, quero mesmo ficar numa boa com ele, afinal é o melhor amigo do Ciço.
— Danny boy, coloca o endereço do Raylan aí no GPS, por favor — faço o que Ciço me pede, mas para falar a verdade nem preciso do GPS, porque sei onde Raylan mora, já fui lá algumas vezes com Rick.
— Liga o rádio aí, vou conectar meu celular — César pede.
— Vai para lá com tuas músicas de viado — Ciço fala brincando com ele, mesmo assim o repreendo de forma discreta com um olhar afiado.
Assim que a música da Marina Sena começa, um sorriso se abre em meu rosto, ela é maravilhosa, tenho um apreço pela forma como ela canta, para mim ela é uma intérprete de tanta expressão e sentimento, a música é Mande um sinal que ela gravou acústica e ficou ainda melhor do que da versão oficial, César tem um gosto musical interessante, estou tão na vibe da música que tomo um susto quando Ciço segura minha mãe e começa a cantar o refrão com a Marina.
— Tá apaixonado, né? — César o provocou.
— Estou, sim, amigo —Ciço respondeu, algo nesse curto diálogo me deixou com uma sensação de que mais coisa estava sendo dita.
— Parabéns ao casal — pode até ser coisa da minha cabeça, mas acho que César não curtiu a novidade, mas ele colocou um sorriso e disfarçou qualquer desconforto que possa estar sentindo.
Já imaginava que ele nutria algum sentimento pelo Ciço, já estive nessa situação uma par de vezes, é ruim gostar de alguém e não ser correspondido, talvez se eu tivesse tomado conhecimento desse amor do César nem teria me interessado pelo Ciço, mas agora é tarde para isso, com diz Johnny Hooker que está cantando no rádio agora, estou extremamente e definitivamente na do Ciço.
Pelo menos o clima no carro segue leve, mas como o universo gosta de torturar os corações apaixonados, a próxima música que começa no rádio depois do Jonny é uma da Urias chamada Foi mau, que basicamente é um fora que a cantora está dando em alguém, César pensou o mesmo que eu e passou a música antes que chegasse no refrão para outra menos sugestiva e assim seguimos o resto do caminho tranquilos até a casa do Raylan e mais uma vez Ciço me pediu para pegar seu celular e mandar mensagem para o Raylan avisando que estamos chegando.
— O soldado está ferido mesmo, já até deu a senha do celular — César provoca o amigo mais uma vez.
— Claro, a digital do Dan já está cadastrada desde antes de a gente começar a ficar — ele relembra da vez em que me pediu para ver algo no celular dele, mas eu não tinha como fazer por não saber a senha, um tempo depois, ele me fez cadastrar minha digital.
Raylan assim como César, já está na calçada de casa nos esperando, sua mãe está com ele para se despedir, isso me fez lembrar que apesar do filho dela sendo um ser humano péssimo ela é um anjo de pessoa, sempre gentil com todos, uma mulher que teve que cuidar do filho sozinha, foi Rick quem disse que o pai dele traiu sua mãe dele e saído de casa para viver com a amante.
— Daniel, quanto tempo, você já está um homem feito — diz ela com um sorriso ao me ver.
— Como a senhora está? Dona Marta?
— Estou bem — pelo menos agora estou menos preocupada de que o Raylan vai estar com você nessa viagem.
Raylan não gosta do comentário da mãe, ele guarda sua mochila no porta-malas, abraça sua mãe mais uma vez e depois entra no carro, é até um pouco difícil de acreditar que esse escroto seja um bom filho, só que é isso pode ser que em casa ele seja menos escroto, vai saber? Agora só falta passar no mercado para comer algo de café da manhã e comprar nossa parte dos suprimentos acordados pela turma no grupo da viagem, isso inclui claro os milhares de litros de cachaça que Ciço e César querem comprar.
Raylan não parece ter ideia de que estou ficando com Ciço, César parou com os comentários a respeito disso depois que Raylan entrou no carro, ficamos falando sobre as músicas que tocam no rádio até chegarmos ao mercado, estou com tanta fome que vou direto para a padaria sem me importar se estão me seguindo ou não, só quando chego no balcão e peço uma coxinha gigante é que vejo Ciço do meu lado.
— Acho que vou comer um bolo com café — Ciço diz ao meu lado.
— Estou com muita fome e você normalmente come muito, tem certeza de que só esse bolo vai te encher? — Falei.
— É, tem razão — Ciço pede mais uma coxinha para ele também.
Peço um suco de laranja e ele um café preto, César acabou indo de coxinha também, Raylan não pediu nada, mas percebo que ele ficou de olho nos salgados da vitrine, imagino que sua mãe ainda não lhe transferiu o dinheiro, ele assim como eu não trabalho por conta da faculdade e sua mãe também não é rica, isso me faz lembras das vezes em que tinha que aturá-lo nos rolês porque Rick o convidava, parando para pensar agora sobre isso, por muitas vezes Rick pagava lanches não só para mim, mas para o Raylan também, os dois eram muito amigos, isso até a briga pelo menos.
Me aproximo do balcão para pegar meu suco e aproveito para falar com Raylan sem que os meninos escutem, ele já está quase saindo com a desculpa de ir pegando logo o que temos que comprar para ganhar tempo, então o chamo.
— Tem certeza de que não vai querer comer nada, o Ciço falou que são pouco mais de duas horas de viagem, melhor comer alguma coisa logo — falei.
— É que só tenho o dinheiro da inteira do mercado agora, mas até o almoço minha mãe já tem me dado o dinheiro aí vai dar certo — ele acaba admitindo muito sem jeito.
— Esquenta com isso não, pede aí o que você quiser e aí no almoço a gente se acerta — falei e ele me encara surpreso.
— Pode deixar que até o almoço já tem dado certo — ele reforça.
— Tranquilo, cara, esquenta com isso não.
Prometi que faria o possível para tentar gostar dessa viagem, então o que puder fazer para ficar tudo bem, farei, isso inclui tentar ficar de boas com Raylan e César, por mais difícil que isso possa parecer, quero mesmo que essa seja uma viagem tranquila, até porque é minha primeira viagem com Ciço, ele me prometeu que se algo me incomodar voltamos para casa na mesma hora, então não custa nada me esforçar um pouco para fazer dar certo.
Depois de comer, fomos para as compras, até que não demorou muito, então depois das compras pegamos a estrada, já são oito da manhã, vamos chegar antes do almoço. Bianca, que é a dona da casa, passou o endereço no grupo e é por ele que nos guiaremos. Ao todo, somos doze pessoas. Espero que a casa realmente caiba essa gente toda. Ficar numa casa pequena com outras onze pessoas é um verdadeiro pesadelo para uma pessoa antissocial como eu.
— Vou criar uma playlist compartilhada, assim vocês podem colocar músicas para a gente ouvir também — César fala.
— Não uso esse aplicativo — falei.
— Você pode colocar pelo meu celular? — Ciço me oferece seu celular — por que você não usa? É o melhor que tem, eu não vivo sem o meu.
— Ele é pago e sou pobre, não sei se você lembra — respondi rindo.
— Nem por isso sou pobre e ainda sim uso também — Raylan entra na conversa.
— Eu não tenho dinheiro para gastar com isso, vinte reais já são minha semana de passagens para a faculdade — argumentei.
Tenho um gosto musical muito parecido com o do Ciço, então muitas das músicas que ele vai me pedindo para colocar — já que ele está dirigindo, ele não pode usar o celular — não sinto muito a necessidade de escolher nenhuma para compor nossa playlist de viagem, não sei se é por causa do feriado, mas todos estão bem animados dentro do carro, nem César e nem Raylan pegam no meu pé, até parece que eles se deram bem de cara, estão bem amigos compartilhando histórias, Ciço está feliz como pinto no lixo, já percebi que ele gosta muito de estar entre os amigos, diferente de mim, meu quase namorado é muito sociável.
Após uns quarenta minutos dirigindo direto, avistamos a entrada de Cascavel e Ciço resolve parar em um posto para comprar um energético e para os meninos irem ao banheiro. Então, no primeiro posto que julgamos confiável, ele para. César vai logo para o banheiro com presa, deve estar apertado já que por conta da ressaca acabou bebendo muita água. Raylan aproveita que o celular está com sinal e liga para sua mãe, provavelmente para conversar sobre o Pix que ela disse que mandaria. Ciço vai à conveniência comprar seu Red Bull.
— Vem comigo — ele me chama.
Pensei em ficar no carro, já que sou o único que não tem nada para fazer aqui, mas como ele me chamou e não estou fazendo nada, o acompanho descendo do carro de novo. Ele dá a volta no carro, passa o braço pelo meu ombro e seguimos juntos para a conveniência. Estou muito vermelho com a demonstração de afeto em público, mas vou mentir se disser que não gosto, só tenho um pouco de vergonha por ser muito tímido. Com a outra mão, ele está fazendo algo no celular.
— Pega um Red Bull para mim, Dan, e alguma coisa para você, vou pegar algo para a gente ir martigando, prefere salgado ou doce?
— Tanto faz — falei.
— Certo, vou pegar chocolate então, tem preferência pelo preto ou branco?
— Comer chocolate branco é um sinal grave de psicopatia, Ciço, o que vem a seguir é uma coca zero — brinco com ele.
— Eu prefiro chocolate preto e meio amargo, mas a Coca-Cola Zero não é tão ruim — ele diz.
— Não acredito que me apaixonei por um amante de coca zero — digo, fingindo uma cara de tristeza.
— Quer dizer que você me ama? — Seus olhos se iluminam.
— Amor não, talvez um forte apreço — digo.
Ciço me puxa pela cintura, deixando seu rosto muito perto do meu. Seu sorriso de malícia me ganha fácil, não posso resistir a ele, cada parte do meu ser reage a seu corpo. Quando estou com Ciço, nada mais importa, mas o sentimento de medo me assombra, o receio de que isso possa acabar está à espreita. Queria não gostar tanto assim dele, porém, como posso não me apaixonar por ele? Ciço é um cara lindo, até seus defeitos me cativam, posso até estar cego pelo amor, só que ele virou meu mundo de cabeça para baixo, estou viajando com pessoas de quem nem gosto para curtir — entre muitas aspas — o carnaval, coisa que nunca fiz, nem com Rick.
— O que foi, Dan? — Ciço me enxerga de verdade e isso é um pouco assustador e assustador, pois não consigo lê-lo também.
— Estou gostando muito de você — não quero mentir, mas tenho medo dele me achar pirado ou dramático.
— E eu de você, então por que você está com esse olhar distante e preocupado? O que te preocupa?
Antes que possamos abrir o jogo, escutamos César e Raylan conversando lá fora e vindo para dentro da conveniência também. Me saio de seu abraço e vou pegar as nossas bebidas, pego uma Coca-Cola para mim e um Red Bull para ele. Ciço vai querer continuar essa conversa depois, tenho certeza, então melhor pensar bem no que vou dizer a ele. Quero ser honesto como tenho sido desde o começo, mas sem perdê-lo. Ainda penso na reação que tive quando me abri completamente para o Rick, não vou suportar passar por isso de novo.
Assim que pego as bebidas, sinto o coração disparar. A conversa que estava prestes a ter com Ciço ficou suspensa, mas a tensão no ar é palpável. Ele me observa enquanto me aproximo do caixa, seu olhar é curioso, mas também cheio de compreensão. Um misto de insegurança e expectativa me invade, e eu me pergunto se ele sente o mesmo.
— Pronto? — pergunto, tentando disfarçar a ansiedade.
— Pronto, vamos lá! — Ele sorri, mas noto uma sombra de preocupação em seu olhar.
Saímos da conveniência e voltamos para o carro. César e Raylan já estão acomodados e parecem ter se divertido com alguma piada interna. O clima está leve, mas a minha mente continua a girar em torno do que Ciço e eu estávamos prestes a discutir.
— O que vocês compraram? — pergunta Raylan, olhando para as bebidas.
— Um Red Bull, uma Coca e chocolate — respondo, tentando manter a conversa leve.
— Coca normal, sério? — César faz uma cara de desdém. — Você poderia ter escolhido a zero, que é muito melhor, Dan.
— Cada um com suas preferências, né? — digo, tentando rir da situação.
Ciço me lança um olhar cúmplice, como se soubesse exatamente o que estou pensando. Ele se inclina para mim, e o cheiro do seu perfume doce me envolve.
— Você ainda está preocupado com o que eu disse? — Ele pergunta em um tom suave, quase um sussurro.
— Um pouco — admito, sem conseguir desviar o olhar — é só que... às vezes eu me pergunto se estou sendo dramático demais.
— Dramático? — Ele ri, mas é um riso gentil. — Dan, você não é dramático. Você é sincero, e isso é raro.
Sinto meu rosto esquentar com suas palavras. O jeito como ele fala me faz sentir especial, como se eu realmente importasse. Eu quero acreditar que isso é verdade, que o que temos é real e não apenas uma fase passageira.
— Obrigado — murmuro, e o silêncio se instala por um momento, confortável e cheio de possibilidades.
César liga o rádio e uma música animada preenche o carro. Todos começam a cantar junto, e eu me deixo levar pela energia do momento, mesmo que a conversa que tive com Ciço ainda esteja na minha mente. Ele se junta a nós, rindo e cantando, mas eu percebo que ele também está me observando de vez em quando, como se quisesse ter certeza de que estou bem.
— Ah,Ah, coloca seu e-mail aqui — Ciço me entrega o celular. Uma página do seu aplicativo de música — preencha aí com seus dados.
— O que é isso?
— Estou te colocando no meu plano para você poder usar o aplicativo — diz ele casualmente.
— Não sabia que esse aplicativo era que nem streming,streming, que tem mais uma tela — falei surpreso, mas César não fica calado e me esclarece o que Ciço está fazendo.
— Não é o duo, que é um plano para duas pessoas e é mais caro.
— Espera, você não vai gastar com isso, Ciço — falei.
— A diferença nem é grande e eu sei que você gosta de ouvir música tanto quanto eu, deixa de ser orgulhoso.
— Se quiser pagar para mim também, eu aceito — disse Raylan, ainda alheio ao meu relacionamento com Ciço.
— Só nos teus sonhos, Raylan — Ciço responde, rindo da audácia do amigo.
— Só paga para o Dan — Raylan tenta provocá-lo.
— Claro, ele é meu boy — estou muito corado agora, mas Raylan está rindo, pensando se tratar de uma piada, só assim me sinto um pouco mais aliviado.
— Olha, não precisa ficar assim, Dan — Ciço diz, percebendo meu rosto em chamas. — É só uma assinatura, não é nada demais.
— Eu sei, mas... — hesito, tentando encontrar as palavras certas. — Não quero que você gaste o que não precisa só por causa de mim.
— Ah, para com isso! — ele ri de novo, mas agora é um riso mais suave, quase carinhoso. — Eu quero que você tenha o que gosta, e se isso significa pagar um pouquinho a mais, então que seja. Além disso, você vai me ajudar a descobrir novas músicas, e isso é um investimento que vale a pena.
— Certo, certo — respondo, rendendo-me à sua lógica. — Mas só se você prometer que não vai me deixar de fora das suas playlists.
— Prometido! — ele diz, estendendo a mão para mim, como se estivesse fazendo um pacto. Eu dou um leve toque na palma da mão dele, e a conexão entre nós parece elétrica.
— Então, Dan, o que você acha do carnaval? — César pergunta. — É a sua primeira vez, certo?
— É, sim — respondo, tentando parecer mais entusiasmado do que realmente estou — nunca fui muito fã de festas grandes, mas... quem sabe não me divirta?
— Você vai se divertir, sim! — Raylan intervém, piscando para mim — com esse grupo, é impossível não se divertir. E se você não gostar, sempre pode ficar no canto e observar.
— Ou pode dançar com a gente! — Ciço sugere, e seu sorriso é contagiante — vamos fazer você entrar no clima, Danny boy.
— Não sei dançar — confesso, um pouco envergonhado. — Sou mais do tipo que fica na linha de frente da festa, longe da pista.
— Então você vai aprender — Ciço afirma, com um brilho desafiador nos olhos — vou te ensinar alguns passos, e você vai ver como é divertido.
— Isso vai ser interessante — digo, rindo nervosamente — espero que você não se decepcione com meu talento ou falta dele.
— Deixa disso! — ele exclama, rindo — o que importa é se divertir, e eu vou estar lá para te apoiar.
A conversa flui naturalmente, e a ansiedade que eu sentia começa a se dissipar. Estamos todos rindo e compartilhando histórias, e eu percebo que, apesar de ser um pouco antissocial, estar com essas pessoas não é tão ruim assim. A energia é boa, e a companhia de Ciço torna tudo mais leve.