Tinha um professor na faculdade que eu simplesmente odiava, chamado Lorenzo. Ele era arrogante e provavelmente o único professor de história conservador do Brasil. E como todo bom velho de direita, a parte mais importante de suas aulas era criticar Marx.
Para ele, a abordagem marxista da história era uma aberração. Ele argumentava que essa abordagem tentava reduzir a complexidade do mundo a um simples jogo de causa e efeito, como se cada evento tivesse um resultado único e inevitável.
Lorenzo acreditava que a história era permeada pelo caos, e tentar transformá-la em uma ciência exata era um erro. "A história não é matemática," ele dizia, "não é uma equação com uma única solução." Em suas aulas, ele constantemente desafiava as ideias que formavam a base do nosso currículo, criticando o que chamava de "determinismo marxista." Na cabeça dele, bastava uma pequena mudança em qualquer evento, e o mundo seria totalmente diferente do que conhecemos hoje.
Caos era exatamente como estava minha cabeça depois dos eventos daquela manhã. Eu havia sido atacada, apenas mais uma mulher para as estatísticas. Jorge em nenhum momento se preocupou com como eu estava me sentindo, nem pediu permissão para fazer o que queria comigo.
Mas, eu havia permitido que aquilo acontecesse? Essa parte não era clara para mim. Eu odiava aquele homem e tudo que ele representava, ainda assim, não o expulsei do meu quarto. Pelo jeito que agi, ele com certeza tentaria mais alguma coisa naquele final de semana.
Eu, jovem, bonita e inteligente, estava deixando que um velho, gordo e casado tivesse um enorme poder sobre mim. Nada fazia sentido. Tinha decidido que durante o resto daquele final de semana eu ficaria vigilante, e não deixaria outro erro como aquele do quarto acontecer. Bastava manter minha distância e estaria segura.
Eu havia combinado com minhas amigas mais um dia no bar. Achei que meu pai fosse reclamar já que eu havia chegado tão tarde na noite anterior, mas acredito que ele considerou minha saída de casa uma benção, já que ele pararia de passar vergonha diante dos amigos por minha causa.
O bar que frequentávamos era um boteco do lado de uma faculdade. Todos os dias fazia chuva ou fazia sol, ele estava sempre lotado de estudantes. A única semelhança entre aquele ambiente e o churrasco do meu pai era a enorme quantidade consumida de cerveja, pois de resto, tudo era diferente.
Enquanto os amigos do meu pai gostavam de falar de futebol e mulheres, as pessoas ao meu redor discutiam filosofia e política, o que me fazia esquecer a desgraça que havia acontecido mais cedo. Estar entre pessoas que pensavam como eu, me acalmava e me fazia acreditar que o mundo tinha salvação.
Eu estava conversando com minhas amigas sobre o papel dos Estados Unidos na implementação das ditaduras militares latino-americanas quando um rapaz se aproximou e se juntou à conversa. Seu nome era Roberto, mas ele insistiu para que o chamássemos de Bob. Ele era um pouco mais baixo do que eu, usava óculos e tinha um corpo magricela, o que lhe dava uma aparência de intelectual, lembrando-me um pouco o Harry Potter quando ainda era criança.
Estava bem entretida no papo, tanto é que nem percebi que pouco a pouco, minhas amigas abandonavam a conversa, até o momento que eu estava sozinha com o Bob, conversando sobre os crimes do CIA na Nicarágua.
Acho que é nesse momento que a teoria do caos do professor Lorenzo entra na minha história. Se fosse qualquer outro dia, eu conversaria com Bob até esgotar o tema, terminaria meu drinque e voltaria para minhas amigas. Mas tinha algo naquele dia que estava me incomodando muito, e eu precisava me sentir no controle da minha vida novamente. Diferente de Jorge, Bob parecia seguro, uma criatura inofensiva e indefesa. E eu queria tê-lo.
Chamei ele para continuar a conversa fora do bar. Acendi um cigarro, enquanto ele deu uma tragada no vape de um amigo dele que estava ali. Continuamos conversando sobre América Latina e tudo que ela poderia ter sido caso o comunismo tivesse triunfado, embora confesso que estava mais interessada em fazer Bob invadir a minha “Baía dos Porcos” do que no assunto em si.
Queria que ele notasse meu interesse, e acabei usando os mais baratos dos artifícios femininos, ultrapassados até mesmo para serem publicados na Revista “Capricho”. Toquei no braço dele, mexi no meu cabelo e ri de tudo o que ele falava. Eu me sentia ridícula por ter que recorrer a esses estereótipos bizarros para deixar claro meu interesse e ficava frustrada com o tempo que aquele palerma estava levando para entender o recado.
Eu estava quase desistindo quando ele disse: “Posso beijá-la?”
Juro para vocês, foi exatamente dessa forma que ele pediu permissão para se aproximar, usando uma ênclise, como se estivéssemos num romance do século XIX. Meu lado feminista achava ótimo que ele pedia permissão e entendia a importância do consentimento verbal. Porém, dentro de mim, havia um ser mais selvagem, que gostaria que Bob me agarrasse, me jogasse na parede e começasse a me possuir ali mesmo, sem a necessidade de tantas palavras.
Assenti com a cabeça e segurei a mão dele. Deixando seu corpo afastado, e apenas se aproximando com a cabeça, ele me deu um selinho. Considerando tudo que eu tinha passado com Jorge naquele dia, aquilo não era nem um aperitivo do que eu precisava. Então, eu tomei a iniciativa, colando meu corpo no dele, tentando tornar nosso contato mais quente e acolhedor, mas era como se houvesse uma barreira invisível entre nós.
Eu já me perguntava se Bob era incapaz ou se eu, na verdade, era lésbica, o que seria bem estranho considerando o quanto tinha me excitado com o amigo do meu pai. Em uma atitude desesperada, coloquei minha mão na calça dele e perguntei se ele queria continuar nossa brincadeira no banheiro.
“Acho melhor não, Lara. Você está muito bêbada para consentir.”
Finalmente, a teoria do professor Lorenzo fazia completo sentido para mim. Eu conseguia visualizar as peças do dominó se tocando, derrubando uma a outra, até me atingir. Um nerdola decidiu criar um site na internet que se tornou a empresa mais valiosa do mundo. Mulheres em Hollywood usaram esse site para denunciar que precisaram se prostituir para conseguir contratos multimilionários durante anos. Uma histeria começa nas faculdades americanas, mudando todas as regras de como homens e mulheres devem interagir. Todo esse processo caótico culmina no pior dia da minha vida, quando fui chamada de bêbada e rejeitada por um garotinho que beija mal para caralho.
Minha vontade era enfiar minha cara na terra e nunca mais sair dali, aquele deveria ser o dia mais humilhante de toda minha vida. Bob tentou voltar para o nosso beijo, mas sem falar nada eu virei de costas e saí dali. O momento havia sido decapitado na guilhotina das palavras dele.
<Continua>
Capítulo 4 já está no meu blog quem quiser ver!
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