Contratados: A Rendição - Capítulo 17

Um conto erótico de M.K. Mander
Categoria: Gay
Contém 10239 palavras
Data: 22/07/2024 02:25:28
Assuntos: Amor, Festa , Gay, Homossexual, Sexo

CAPÍTULO 17

*** MARCOS VALENTE ***

— Doutor Valente? — A voz da minha secretária soa pelo vivavoz do telefone de mesa em meu escritório, desviando parte da minha atenção da petição que eu redigia.

— Sim, Bruna. — respondo ainda com os olhos fixos na tela do computador.

— Doutor, o senhor tem uma visita que não está na sua agenda.

— Por favor, Bruna, informe que eu não estou disponível e peça pra marcar uma reunião assim que a agenda permitir. — Oriento sem nem mesmo me dar ao trabalho de perguntar quem é. Quero chegar cedo em casa e uma reunião não agendada com certeza vai tornar isso impossível. Minha secretária pigarreia, deixando claro que ainda está na linha, no entanto, passa os segundos seguintes em silêncio. — Bruna?

— Hum, Doutor Valente. O visitante em questão é o excelentíssimo juiz Machado. — Paro imediatamente a leitura superficial que vinha fazendo do documento já digitado e sem que eu tenha controle sobre elas, minhas sobrancelhas se franzem.

— Desculpe, quem? — Recosto-me na cadeira, recusando-me a crer que eu tenha entendido certo. Ele não seria capaz, seria?

— O juiz Mauro Machado, doutor. Eu devo lhe dizer que marque uma reunião?

Puta que me pariu! O pai de Anthony. Esfrego as mãos no rosto e deixo que elas deslizem pelo meu cabelo. Solto uma expiração profunda e antes que eu consiga pensar sobre isso, já estou de pé, de repente, inquieto demais para me manter sentado. Puta que pariu!

— Nós temos algum caso na esfera dele, Bruna? — pergunto imaginando que antes de me ligar ela tenha checado a informação.

— Até onde pude averiguar em vinte minutos, não, Doutor.

— E ele disse a que veio?

— Assuntos pessoais, Doutor.

— Puta que me pariu! Tudo bem, Bruna. Pode autorizar a entrada.

Dou a volta em minha própria mesa e me apoio nela, me posicionando de frente para a porta. Enfio as mãos nos bolsos, preocupado em usá-las para agredir um juiz federal dependendo do que ele se atreva a me falar e respiro fundo na tentativa de me preparar para ficar diante do filho da puta.

No casamento, eu não tive a oportunidade de lidar com ele. Durante os poucos minutos em que estivemos frente a frente, eu ainda não fazia ideia do que estava acontecendo e, se naquela época, entender pelo que Anthony tinha passado me fez odiar o homem, agora, eu não tenho exatamente uma definição para o tamanho do asco que sua figura me causa.

A imbecilidade de seus pais lhe fez perder tantas coisas. A oportunidade de se formar, ou, como conversamos algumas noites atrás, aprender a dirigir. Anos dependendo da bondade de uma amiga para sobreviver. Meses precisando se matar, trabalhando e estudando ao mesmo tempo, se culpando por mal ver Isabella quando ele nunca deveria ter precisado passar por isso. Não se seus pais tivessem sido aquilo que se espera pais sejam.

É muita audácia do filho da puta aparecer na minha porta, ainda assim, aqui estamos. A maçaneta gira e a porta se abre. Bruna entra primeiro e faz um aceno com o braço para que o homem logo atrás dela faça o mesmo.

Mauro Machado Rodrigues é um homem no auge dos seus sessenta anos e quem não sabe disso, jamais será capaz de deduzir. A pele clara é bronzeada, os cabelos e barba grisalhos parecem uma escolha estética, não um reflexo do tempo, e o corpo atlético é bem cuidado, deixando claro que ele investe pelo menos um par de horas na academia diariamente.

Mas são seus olhos quem chamam minha atenção imediatamente. Castanhos e escuros exatamente como os de Anthony. No entanto, enquanto os de meu esposo são escandalosos e parecem sempre ansiosos para gritar segredos, os do homem a minha frente não possuem nada além do mais profundo vazio.

— Doutor Valente! — exclama imediatamente depois de Bruna fechar a porta e caminha na minha direção com a mão estendida. O sorriso em seu rosto me embrulha o estômago. — Ou devo dizer, meu genro?

Não estendo a mão para responder ao seu cumprimento. Permaneço parado, sério, e ele leva alguns minutos para perceber que não estou nem minimamente interessado em seu teatro amigável.

— Vejo que meu filho já pintou alguma imagem minha para você. — O sorriso que toma conta dos meus lábios é de puro escárnio. — Eu posso me sentar? — pede e eu apenas aceno em concordância. — Eu não sei o que meu filho falou pra você—

— A verdade! Anthony me contou a verdade sobre você e sua esposa, — interrompo sua fala antes que ele se atreva a dizer algo que me faça perder a porra do controle que eu estou tão duramente mantendo. Toma tudo de mim sustentar a fachada de indiferença quando apenas olhar para ele parece ter feito meu sangue circular mais rápido. — Então se você puder fazer a gentileza de cortar a merda e ir direto ao assunto, eu ficaria extremamente grato, porque meu tempo é valioso. Eu estou lhe recebendo por pura cortesia, mas não se engane Mauro. — Faço questão de lhe chamar pelo nome, e não pelo título. — Essa é a primeira e última vez. Sugiro que você aproveite a oportunidade. — O pai de Anthony ri como se eu tivesse contado um piada sem graça, mas ele quisesse me agradar.

— Ora, Marcos! Vamos lá! Eu sei que nós não nos conhecemos, mas eu já ouvi algumas coisas a seu respeito. Bem nascido, advogado brilhante, vai ser o mais jovem sócio gerente do escritório da família e é um homem conhecido por gostos excêntricos e alguns comportamentos controversos... — Deixa as palavras no ar como se esperasse que elas tivessem algum efeito sobre mim. A princípio, não entendo o que ele quer dizer, mas basta ver o sorriso sugestivo em seu rosto para que eu junte as peças. É a minha vez de rir sem humor algum.

— Muito bem, essa conversa acabou. — Me movo, caminhando em direção à porta. Meu coração esmurra meu peito e minhas mãos já deram adeus ao abrigo encontrado em meus bolsos. Elas estão mais do que prontas para a ação que eu insisto em lhes negar.

— Ora, vamos lá, meu rapaz! Sem julgamentos aqui! — Ergue as mãos em sinal de rendição. — Com uma secretária como aquela lá fora, eu também não seria capaz de resistir e imagino que as outras não fossem muito diferentes—

— Eu vou interromper você bem aí— ergo a mão em uma exigência para que ele pare de falar. — Em primeiro lugar, eu não sou seu rapaz. — O nojo em meu tom é tão evidente, que até mesmo Isabella seria capaz de percebê-lo. Com a mão na maçaneta, me viro para o filho da puta. Não preciso de um espelho para saber que há veias saltadas em minha têmpora e pescoço. — E não sei o que você ouviu a meu respeito, não sei porque achou que era o suficiente para tirar conclusões sobre mim ou que tipo de homem você acha que eu sou, mas eu acho que você ter dito o que acabou de dizer para o marido do seu filho deixa muito claro o tipo de homem que você é. — Levo o polegar ao meu lábio inferior e o deslizo ali. Balanço a cabeça em negação, e respiro fundo, buscando por um controle necessário, mas não consigo encontrá-lo. — Qual é a porra do seu problema? Como é que? — Nem mesmo consigo verbalizar o tamanho do absurdo que foi essa conversa. — Puta que pariu!

— Eu só quero conversar com o meu filho! — Toda a sua falsa cordialidade foi posta de lado e eu rio. Inacreditável.

— Conversar? E sobre o que exatamente você quer conversar com o meu marido?

— Isso é entre mim e ele.

— Eu não lamento nem por um segundo que você esteja enganado. Isso seria do meu interesse mesmo que você não estivesse na minha empresa, na porra do meu escritório, sentado no caralho do meu sofá! Então eu vou perguntar outra vez, sobre o que você quer conversar com o meu marido?

— Rapaz, eu sugiro que você modere o seu tom. Eu vim aqui amigavelmente e não vou tolerar esse nível de desrespeito. — Ao perceber que eu não tenho qualquer intenção de me dobrar à sua canalhice, o pai de Anthony assume um tom de ameaça risível. Sendo a única reação possível, rio abertamente.

— É mesmo, Mauro? E o que é que você vai fazer quanto a isso? Vai me dar voz de prisão por desacato em uma reunião não agendada no meu próprio escritório? — Inclino o pescoço para o lado e ergo uma sobrancelha. Quando silêncio é a única resposta que eu recebo, balanço a cabeça em concordância. — Eu achei mesmo que não. Vai pra puta que pariu, Mauro! Nós dois sabemos que essa ameaça não poderia ser mais vazia nem se nós a virássemos de cabeça pra baixo! — Ele se levanta, já abotoando o paletó, e a expressão enrijecida em seu rosto só não é mais intensa que a minha.

— Isso foi um erro!

— Definitivamente, foi! E vamos deixar uma coisa muito clara aqui! Se eu souber que você esteve a quinhentos metros do Amth, eu não vou pedir uma ordem de restrição contra você, eu vou conseguir uma! E se você realmente andou fazendo perguntas a meu respeito por aí, deve ter descoberto que subestimar a mim ou aos meus contatos é uma péssima ideia. Eu estou pouco me fodendo pra quem você é ou pro cargo que ocupa, fica longe da minha família! — aviso e nunca antes eu disse palavras tão verdadeiras quanto a ameaça que deixa meus lábios logo depois. — Ou eu juro por Deus que da próxima vez que nos encontrarmos, a situação vai ser muito diferente dessa! O passado está morto e enterrado, Mauro! Eu sugiro que o mantenhamos assim!

Um som de escárnio deixa sua boca antes que ele me responda.

— Vamos ver se você vai continuar defendendo-o assim quando ele começar a envergonhar você... — E com essa afirmação lastimável, vira-se e sai do meu escritório.

**********************

*** ANTHONY RODRIGUES ***

— O que você disse? — pisco, sem acreditar que realmente ouvi certo o que Marcos acabou de me dizer.

— Eu disse que recebi uma visita do seu pai hoje — fala baixo e calmamente. Levanto da minha própria cama e caminho de um lado para o outro sem conseguir acompanhar a velocidade dos meus próprios pensamentos.

Minha primeira reação ao ver Marcos chegar em casa às quatro horas da tarde foi sorrir. No entanto, bastou ver seu rosto para que eu soubesse que havia alguma coisa muito errada. Meu marido tinha uma expressão séria que já teria me deixado preocupado mesmo se não tivesse sido acompanhado das famigeradas palavras “Nós precisamos conversar”.

Precisei lidar com minha ansiedade por quase meia hora antes de finalmente podermos conversar. Porque mesmo que eu tivesse certeza de que algo sério havia acontecido, Marcos passou pelo ritual diário de boas-vindas.

Isso quer dizer Isabella tagarelando sem parar sobre tudo o que já havia acontecido em seu dia até agora, sobre a apresentação de ballet que fará na próxima semana e sobre toda e qualquer coisa que ela julgue importante. Marcos, nem por um segundo, demonstrou impaciência ou agiu diferente de como sempre age.

Apesar da ansiedade ameaçando me consumir, foi impossível que eu não fizesse também aquele que se tornou o meu ritual diário. Observá-los consciente do sorriso idiota em meu rosto, exceto que hoje passei o tempo todo dividido entre babar na cena ou me preocupar sobre o que estava por vir.

Foi Carmem quem veio ao nosso socorro quando disse à Isabella que ela precisava se arrumar para a aula de ballet. Assim que minha filha saiu de cena, Marcos sugeriu que conversássemos no seu quarto ou no meu e aqui estamos.

Sou capaz de recontar um milhão de vezes cada um dos passos que nos trouxe até aqui, mas não sou de repetir as palavras que acabaram de me ser ditas, explodindo minha cabeça em uma enxaqueca repentina e dilacerante. Por isso, outra vez, peço para que ele as repita.

— Desculpe, eu realmente acho que não entendi. — Paro de andar, dobro um braço na frente do corpo e o outro uso para levar a mão ao meu queixo. Marcos se levanta da minha cama, passa os próprios braços ao redor da minha cintura e beija meus lábios.

— Você entendeu sim... — diz suavemente com os olhos fixos nos meus. Fecho os olhos e as mãos de Marcos alcançam meu pescoço, espalmando-se ali e espalhando os dedos entre ele, a curva do maxilar e as bochechas. — Fala comigo?

— Eu odeio o que eles me fazem sentir... Até o nosso casamento, eu não fazia ideia de que era capaz de ter sentimentos tão ruins e eu odeio, eu simplesmente odeio, ser. — Sinto o calor dos lábios de Marcos nos meus, a sensação de alívio é quase imediata. É como se o seu beijo aliviasse a carga de dor e desprezo que há muito tempo me acostumei a carregar sozinho.

— Esquece isso, amor... Eu só te contei porque não acho que seria justo esconder. Mas não significa nada. Deixei claro que você não quer qualquer contato e se ele souber o que é bom pra ele, vai fazer o que eu disse.

Essas palavras me fazem querer rir e chorar ao mesmo tempo. Rir porque se há uma coisa que as pessoas que me trouxeram ao mundo sabem, é o que é bom para elas. E chorar porque a preocupação de Marcos em ser honesto comigo não apenas toca, mas aperta, sem dó ou piedade, uma ferida que vem se tornando cada vez mais dolorida em meu coração.

Eu não estou tendo a mesma cortesia com ele e se antes isso me incomodava, agora, parece estar meu causando dor. Marcos interpreta errado a rigidez que essa constatação traz ao meu corpo e me abraça forte, sussurrando palavras de conforto em meu ouvido, dizendo-me que eu não tenho com o que me preocupar.

Ele não faz ideia de que isso não é verdade. Ele não faz ideia de que a cada dia que passa, é exatamente o contrário, eu tenho mais com o que me preocupar, porque no seu lugar, eu me tornaria mais reticente do que nunca em perdoar uma omissão.

Minha garganta se fecha subitamente e eu prendo a respiração. Palavras suaves e carícias doces fazem seu trabalho, me aliviando, mesmo que tenham sido elas as causadoras de tudo. Não literalmente, mas um medo pequeno, escondido de perdê-las. Um medo que já foi muito menor, já foi insignificante, mas que vem ganhando força, caminhando um passo de cada vez para fora das profundezas de mim mesmo e chegando mais e mais perto da luz do sol.

*********************

— Quem é vivo sempre aparece, não é mesmo, senhoras e senhores? — Grazi já aparece na chamada de vídeo com uma sobrancelha arqueada e eu reviro os olhos.

— O quê? Quer que eu peça desculpas por estar transando? Sinto muito, mas entre conversar com você numa vídeo-chamada e gozar, eu escolho gozar todas as vezes que me fizerem essa pergunta!

— Pois pra quem anda gozando tanto, você está muitíssimo amargo!

— Ou talvez a amarga seja você por estar gozando de menos...

— Nhé! Definitivamente, não! Enfim, me conte. Problemas no paraíso? O que o Marcos babaca fez dessa vez? — Sua dedução de que se eu tenho um problema o nome dele é Marcos, me faz rir, mesmo que meu coração ainda esteja pesado pela notícia que meu marido me deu mais cedo.

Com parte do corpo deitado na cama, as pernas penduradas além da borda e um dos braços esticados para que a câmera pegue bem meu rosto, respiro fundo e balanço a cabeça.

— Marcos não fez nada, Grazi! Você não acha que talvez esteja na hora de admitir que ele não é nenhum monstro do lago ness? — sugiro e minha amiga estala a língua antes de dispensar meu comentário com a mão.

— Não acho não. Mas se não foi ele, quem foi? Porque alguma coisa com certeza aconteceu! Eu conheço sua cara de bunda de frente pra trás e de trás pra frente, Nel! — Suspiro e passo a mão pelos cabelos.

— Meu pai procurou Marcos hoje. Na Valente.

— O quê? — Grazi, que estava deitada, senta-se no susto. O coque que prendia seus cabelos se desfaz, espalhando uma cortina escura na frente do seu rosto antes de ela afastar os fios com a mão livre. Além disso, na pressa para se levantar, Graziella quase se desequilibra e cai da cama. Rio do seu desespero mesmo que sua motivação não seja nada engraçada.

— É exatamente isso. Meu pai foi até Marcos tentar convencê-lo a me convencer a falar com ele. Um grandessíssimo filho da puta, não é? — A cabeça castanha nega, balançando-se de um lado para o outro antes de minha amiga chiar e revirar os olhos.

— Quando eu acho que eles não podem ser mais baixos... E que fim teve essa história?

— Marcos disse que o expulsou depois de deixar claro que uma conversa entre nós não vai acontecer. Eu fiquei tão irritado! Puta que pariu! Tão irritado!

— Eu espero que dessa vez ele entenda o recado...

— O pior de tudo é que eu acho que ele vai entender. Meu pai sempre foi o tipo lamentável de homem que só escuta quando outro homem fala. — A primeira resposta que recebo é um aceno de cabeça, só depois, palavras.

— Oremos... Mas se não é isso, o que é que está tirando sua paz? — Desvio os olhos com um sorriso triste. Grazi realmente me conhece de trás para frente e de frente para trás. Foi justamente por isso que telefonei para ela. Ainda assim, é difícil colocar em palavras algo que, até agora, eu vinha discutindo só comigo mesmo.

— Marcos chegou cedo hoje. — Suspiro, organizando as palavras em uma sequência coerente que possa ser dita. — Saiu da Valente assim que meu pai foi embora e veio direto pra casa. Ele disse que preferia não me dizer o que aconteceu, mas que não achou justo esconder isso de mim. Essa percepção me deixou na merda... Você pode não gostar dele, amiga. Mas até você tem que reconhecer que desde o início ele não foi nada além de honesto comigo, enquanto eu pareço estar sempre escondendo alguma coisa dele. — Fecho os olhos e esfrego as mãos no rosto. Cansado. Muito cansado e emocionalmente exausto. — E, ainda assim, ele continua me dando votos e mais votos de confiança que eu continuo quebrando de novo e de novo. — Abro os olhos, vejo a testa de Grazi se franzir e ela passar a língua sobre os lábios.

— Você não acha que está sendo um pouco duro consigo mesmo? Quer dizer, não é como se você realmente devesse alguma coisa ao cara só porque você casou com ele. Não é um casamento de verdade, não existe obrigação de reciprocidade em nada, nem na honestidade. Cada um dá o que quer.

— E você não acha que tá sendo muito flexível só porque não gosta dele? — pergunto já sabendo a resposta. Mas já que Grazi parece não saber, preciso colocá-la para pensar. — Se fosse outra pessoa, sua opinião ainda seria a mesma? — Ela leva algum tempo para me responder.

— Não sei. Realmente não sei.

— Pois é.

— E o que você vai fazer? — Rio, desgostoso.

— Eu não faço ideia.

— Bem, quando você descobrir, eu vou estar bem aqui...

— Eu sei que sim. — Sorrio, dessa vez, apesar de fraca, honestamente. Grazi pisca um único olho para mim antes de perguntar.

— E minha afilhada, como está? — Agora meu sorriso é largo.

— Perfeita, como sempre. Não para de falar da bendita apresentação que vai fazer na academia!

— Promete fazer chamada de vídeo pra eu ver tudo?

— Você não vai estar trabalhando?

— Eu me tranco no banheiro!

**************************

*** MARCOS VALENTE ***

— Olá! — Apoio os cotovelos sobre o balcão da recepção e saúdo a mulher com um rabo de cavalo apertado e óculos quadrados. Ela ergue os olhos para mim e pisca algumas vezes, tão afetada quanto planejei que ela ficasse quando abri meu melhor sorriso. — Boa noite! — Levo os olhos até a pequena placa de metal presa ao seu top esportivo e leio seu nome. — Jéssica! Tudo bem?

A academia frequentada por Anthony e Isabella fica na vizinhança e eu levei apenas trinta minutos da Valente até aqui. Embora eu conhecesse o local de vista, é a primeira vez que entro e estou muito satisfeito com o que vejo.

O lugar é bem localizado, tem segurança adequada e oferece vários serviços convenientes como massagens, acompanhamento fisioterapêutico e nutricional, além do ambiente diferenciado.

Não me espanta que esse seja o tipo de lugar que eu frequentaria se não tivesse montado minha própria academia na cobertura. Anthony não teve dificuldades para se adaptar ao meu padrão de vida. Afinal, ele também já havia sido o seu. .

O pensamento traz à minha memória o embate que tive com seu pai dias atrás. Filho da puta inacreditável. Não tive quaisquer notícias suas nos dias que se seguiram e até onde sei ele está de volta ao Rio de janeiro. Para o seu próprio bem, eu espero que continue lá.

— Boa noite! Tudo bem! E o senhor? Como posso ajudá-lo? — Jéssica parece se lembrar de que precisa falar depois de alguns segundos além do que seria aceitável em silêncio e responde não apenas às minhas palavras. Mas ao meu sorriso também.

— Eu estou bem, Jéssica. Obrigado por perguntar. Estou aqui para a apresentação de ballet da turma infantil.

— Ah, claro! — concorda, mas não disfarça muito bem a surpresa com o motivo de eu estar ali. — O senhor é convidado de qual das alunas?

— Isabella Rodrigues. Eu não acho que exista um convite registrado em meu nome. Estou fazendo uma surpresa. — Curvo a cabeça levemente para o lado e deixo que meu sorriso escorra para o canto dos lábios. É um sorriso sedutor cujo único objetivo é tronar a mulher incapaz de me dizer não.

Me orgulho disso? Talvez um pouco, embora eu saiba que não deveria e que é pura hipocrisia da minha parte ter exaltado o esquema de segurança do lugar dez segundos atrás apenas para tentar burlá-lo agora. Mas eu estou tentando fazer uma criança feliz aqui, isso deve valer alguma coisa, certo?

Jéssica pisca, levemente desnorteada, e eu sei que meu objetivo foi alcançado. Como é que Anthony fala? Insuportavelmente lindo quando sorrio, certo?

— Entendo, senhor. E qual é o seu grau de parentesco ou afinidade com a aluna? — pergunta com olhos atentos.

— Eu sou o padrasto.

— O padrasto, certo. — Tecla algumas palavras em seu computador e clica no mouse outras tantas vezes antes de levantar o rosto em minha direção de novo.

Não economizo nem um pouco no segundo sorriso que lhe dou e Jéssica puxa uma inspiração profunda, aparentemente, esquecendo-se do que estava prestes a dizer. Ergo uma sobrancelha, ela morde o lábio inferior levemente e logo depois solta um suspiro discreto.

— Tudo bem, senhor. Esse não é o nosso procedimento padrão, mas eu vou autorizar a sua entrada porque a mãe da aluna Isabella já está lá dentro. Mas será necessário que ao encontrá-la o senhor peça que ela ligue aqui para a recepção autorizando sua permanência na área de apresentação. Caso o senhor não retorne e eu não receba a ligação dentro dos próximos vinte minutos, vou precisar solicitar a intervenção da segurança. Tudo bem?

— Tudo ótimo! — Dou uma piscadinha e a pele da mulher fica um tom mais próximo da cor de seus cabelos que são ruivos.

— Ok. Só vou precisar de um documento de identificação com foto. — pede sorrindo e concordo com isso também, oferecendo a ela minha carteira de habilitação. Cinco minutos depois passo pela roleta de acesso ao interior da academia com um crachá onde se lê “visitante” preso ao meu paletó.

Seguindo as orientações dadas pela recepcionista, em cinco minutos alcanço a porta de vidro da área de apresentação que não é nada menos que um pequeno auditório. Um teatro em miniatura.

Há muitas mulheres e alguns poucos homens dentro da sala, mas isso não dificulta em nada que eu encontre Anthony. Na verdade, meus olhos são atraídos para sua figura vestida em roupasmalhar praticamente no momento em que passo pela porta.

Próxima ao palco, Ella está de pé, ao lado da primeira fileira de poltronas, conversando com um homem alto e uniformizado. A porta por onde entrei fica na parte traseira do teatro e à medida que venço a distância que me separa da parte frontal do espaço, franzo o cenho ao reparar na maneira como os olhos do funcionário, que eu imagino ser um dos treinadores da academia, se distraem constantemente pelos lábios de meu esposo. Ah, caralho!

Apresso os passos imediatamente e estou pronto para envolver Anthony em meus braços sem nem mesmo anunciar minha presença antes, quando ele se vira na minha direção com aquele sorriso fodido de tão lindo. É impossível não sorrir também porque o mundo inteiro ficou esquecido. Não há nada além de Anthony a minha frente e ele merece meus melhores sorrisos.

— O que você está fazendo aqui? — a surpresa em sua voz é evidente, mas a satisfação também.

— Você não achou que eu perderia a apresentação oficial depois de ter tido um milhão de ensaios privados, achou? — Anthony gargalha e me abraça quando eu o alcanço, já envolvendo meus braços ao redor de sua cintura e beijando sua testa antes de deixar um beijo suave em seus lábios.

Não resisto e colo minha testa na sua, aproveitando sua presença.

— Marcos! São duas horas da tarde!

— Ser o chefe precisa ter suas vantagens! — sorrio antes de deixar outro beijo em sua boca.

— Eu não acredito que você... — Seus olhos se fecham e um minha visão periférica vejo o homem com quem ele conversava se mover, desconfortável. Gosto. Gosto muito.

— É falta de educação deixar as pessoas falando sozinhas, amor. — digo e os olhos de Anthony se arregalam. Ele se vira imediatamente em meus braços.

— Desculpe! Carlos, me desculpe! Ai que horror! Carlos, esse é Marcos, meu marido. — Apresenta e, parado atrás de Anthony, volto a envolver um dos meus braços em sua cintura e a outra eu estendo para o babaca que praticamente devorava seus lábios com os olhos instantes atrás.

— É prazer! — digo com os lábios, mas não impeço que meu olhar lhe diga muitas outras coisas, a começar por “Nem nos seus sonhos, filho da puta!”

*** ANTHONY RODRIGUES ***

— Você não pode estar falando sério! Faltam três dias! Três dias pro aniversário, você NÃO PODE simplesmente me dizer que não vai dar! — Estou praticamente aos gritos no telefone quando o apito do elevador soa anunciando a chegada de Marcos.

Isabella está na rua com Grazi, que já chegou para o seu aniversário, no próximo fim de semana, e aproveitou para levá-la a um passeio. Elas foram comprar o presente de aniversário e eu estava ótimo, realmente muito tranquilo. Tudo o que dependia de mim para o aniversário já havia sido feito.

Ou melhor, já havia sido contratado. São as vantagens do dinheiro, certo? Errado! Enquanto eu me divertia/me desesperava pensando que tipo de absurdo Graziella me aprontaria em seu presente de aniversário para a minha filha, meu telefone tocou e tudo desmoronou em um piscar de olhos.

— Eu não acho que a senhora esteja entendendo a gravidade da situação. Eu tenho convites na rua, eu tenho quarenta crianças prontas para uma festa, eu tenho um buffet, animação, decoração e personagens animados contratados para estar no seu espaço às nove horas da manhã do próximo sábado e, o mais importante, eu tenho uma criança de três anos ansiosa, esperando por esse dia como se ele fosse o mais importante da vida dela!

Ouço a resposta mecânica que a mulher me dá e raiva e desespero competem dentro de mim para saber quem cresce com mais intensidade. Deus! Respiro fundo, me esforçando para racionalizar a situação, para buscar uma solução, porque, nesse momento, é disso que eu preciso, de uma solução.

Provar a esta mulher a sua incompetência não vai colocar um sorriso no rosto da minha filha.

— Dona Helena, graças à sua incompetência, eu não tenho tempo pra perder te explicando a sua falta de profissionalismo. Eu vou apenas lembrá-la de que nós temos um contrato cujo prazo de penalidade já está em vigor. Aguarde o contato do meu advogado! Boa noite! — Desligo o telefone, abaixo a cabeça e levo as mãos ao rosto. Deus, o que eu vou fazer? O que eu vou fazer?

Seu cheiro me atinge antes de qualquer coisa e eu apoio a testa em seu peito, já diante de mim. Marcos envolve os braços ao meu redor e beija meus cabelos. Eu puxo uma respiração profunda, mas ainda não estou pronto para falar. Não, ainda não.

O último mês foi... Deus... Eu nem sei dizer o que foi. Definitivamente, não o que eu esperava quando disse sim à proposta de “promoção” de Marcos.

Sem questionar, sem duvidar, sem procurar segundas intenções em cada uma de suas ações, é impossível não me sentir admirado por elas. Todas as minhas noites tem sido suas e eu não consigo evitar que, durante o dia, meus pensamentos também sejam.

É difícil refreá-los quando seu cheiro, seu toque, seu sorriso e suas piadas bestas se recusam a serem esquecidos. Não houve uma noite em que nós não tenhamos estado juntos e, a cada uma delas, eu me sinto mais ansioso pela próxima.

O sexo é incrível, fantástico, o melhor, mas o que assalta meus pensamentos a cada segundo livre que tenho, o que faz meu coração bater acelerado todas as vezes que acontece, o que me divide ao meio entre me sentir mais apavorado do que nunca e apenas me entregar ao presente sem me preocupar com o futuro é isso aqui.

O que ele está me dando nesse instante é o que me faz ansiar pelo momento de estar em seus braços. Intimidade. Eu nunca soube como era bom não estar sozinho, até não estar mais. Não desse jeito. Não como Marcos faz eu me sentir, ainda que eu saiba que não deveria.

— Senti falta de almoçar com você hoje... — É ele quem quebra o silêncio e me faz sorrir com o que diz. Eu também senti, mesmo que tenha tido um almoço bem agitado.

Depois que liguei pela primeira vez, nossas chamadas de vídeo durante o horário de almoço se tornaram uma rotina diária. Quando não é distraída por um passeio em potencial, Bella costuma dormir depois de comer, um hábito dos tempos de creche que eu não fiz qualquer questão de podar porque é bom para nós dois.

Ela ganha um momento de calmaria e eu também. Até aquele dia há pouco mais de três semanas, eu usava esse tempo para almoçar sozinho. Agora, ele é um momento dividido com Marcos. Nós conversamos, ou nos provocamos, ou acabamos os dois suados e totalmente lambuzados de gozo. Não importa o que aconteça, é sempre gostoso demais, íntimo demais, e assim como às noites, cada vez que acaba, eu já estou ansiando pelo próximo.

— Também senti, mas Graziella almoçou aqui e Isabella está muito ansiosa pro aniversário, o almoço foi uma loucura. — Lábios beijam minha testa e eu aperto meus braços ainda mais ao redor do corpo musculoso.

— Eu imaginei... Só queria que você soubesse, eu senti falta. — Sorrindo, levanto a cabeça e beijo sua boca levemente. Meu coração sofre, a já familiar taquicardia apenas em olhar para ele, e eu aspiro seu cheiro com força, deixando que ele me inunde e traga junto consigo um pouco de calma.

Seu polegar roça minha bochecha em uma carícia lenta e eu fecho os olhos, aproveitando.

— Era sobre o aniversário que você estava falando no telefone? — pergunta.

— Unhum...

— E o que há de errado?

— O parque de diversões não vai abrir. Parece que o gerador de energia deles pifou e eles simplesmente não têm outro... — Abro os olhos e revelo, finalmente. A mão que estava em minha cintura sobe pelo meu corpo, juntando-se à outra em meu rosto e as duas se espalmam em minhas bochechas.

— Você fez um contrato, certo?

— É claro que eu fiz um contrato, Marcos! — Estreito os olhos e ele sorri, se divertindo com meu desafio silencioso.

— Causa ganha! — Beija meus lábios com suavidade, — Não se preocupe. Eu vou resolver, tudo bem?

— Como, Marcos? Faltam três dias pra festa! — Volto a abaixar minha cabeça, choramingando. — O problema não é o espaço, isso eu sei que encontro, mas um parque de diversões que aceite reserva para quarenta crianças e toda a logística de uma festa infantil? Um lugar que seja bom tanto para as crianças da antiga creche de Isabella quanto para as do ballet? Isso é impossível, Marcos! Impossível!

O sorriso tranquilo continuo preso ao seu rosto quando ele me pergunta.

— Confia em mim? — Não sei se é um pedido ou uma pergunta, mas a resposta quase instintiva que sai pelos meus lábios me assusta com violência.

— Confio! — E eu não tenho qualquer motivo para não confiar, tenho? Não! Desde que tudo isso começou Marcos não fez nada além de tudo, o que quer que eu precisasse. Não deveria ser tão fácil. Ainda assim, foi, e eu confio. Sem nenhum receio, eu confio. Ironicamente, a pessoa não confiável dessa relação sempre fui eu. E continua sendo...

— Onde está Isabella? — Arranca-me dos meus próprios pensamentos acusadores.

— Saiu com a Grazi. — Marcos revira os olhos só de ouvir o nome e eu tenho vontade de rir, mas não faço, — Foram comprar o presente de aniversário. — Ele balança a cabeça, confirmando.

— Tudo bem, vou te dizer o que nós vamos fazer... — Presto atenção, ansiosa. — Amanhã você vai passar pra minha secretária toda a lista de convidados, de fornecedores e o contrato com o parque de diversões.

— Ok, e o que mais? — Pisco várias vezes em expectativa e contrariando a todas elas, a primeira resposta de Marcos é um sorriso tão safado que meu corpo inteiro reage.

— E, agora, nós vamos subir e você vai me recompensar pelo meu trabalho duro. — Estreito os olhos. Quero me manter sério, afinal, estamos a três dias do aniversário e essa é uma situação muito desesperadora, mas bastou a insinuação de desejo em sua voz para despertar o meu. Seus olhos praticamente soltam faíscas e todo o meu corpo já está arrepiado, ansioso.

Pigarreio, ganhando tempo para organizar os pensamentos que ele bagunçou. Não dá nem para fingir que essa não é minha reação natural a Marcos. Sua proximidade sempre foi o suficiente para dar ideias ao meu corpo. O seu toque, para me incendiar. E a mistura de tudo isso com intenções explícitas por palavras? Puta merda. Eu não tenho qualquer chance... Simples assim.

— Que trabalho? Você ainda não fez nada! De onde eu venho, primeiro as pessoas trabalham, depois elas recebem! — argumento e os dedos de Marcos se infiltram pelos meus cabelos. Ele estala a língua e nega com a cabeça.

— Ah, lindo... A minha agenda é muito concorrida... Pra entrar nela, precisa pagar primeiro...

— Você está cobrando Isabella? É isso? Uma criança de três anos? — Minha boca diz palavras de resistência, mas tudo o que meu corpo quer é dizer, “Sim, por favor! Eu pago! Pago dobrado, se você quiser!”.

— Não... — seus lábios alcançam minha orelha, o calor do seu hálito é só mais uma provocação em minha pele sensível, — Nossa menina vai ter a festa que ela quer, exatamente do jeito que quer... Eu estou cobrando meus honorários de gerenciador de crises pra você... Isabella não tem nada a ver com isso.

O que começou como uma provocação me atordoa. Quando Marcos termina de falar minha respiração ainda está presa. Eu ouvi suas palavras, entendi cada uma delas, mas me pergunto se entendi mesmo. Ele disse nossa menina? Nossa? Por que nossa? E por que raios isso apertou meu coração, o chicoteou e o fez correr alucinado, tudo ao mesmo tempo? É só uma palavra Anthony, só semântica, não significa nada... Absolutamente nada...

— O que você disse? — pergunto antes de poder me impedir.

— Que meus honorários são pela sua paz, nada além disso... — soa tranquilo como se não tivesse dito qualquer outra coisa digna de atenção. Me pergunto se estou enlouquecendo e começando a ouvir coisas que não foram ditas ou se ele sequer percebeu o que falou.

Solto o ar quando sua ausência me obriga e qualquer pensamento racional que eu quisesse continuar a ter é roubado pela língua de Marcos se enfiando em minha boca.

— Agora você vende paz, é? — A pergunta me deixa quando o beijo acaba, minhas preocupações anteriores sufocadas pelo gosto de Marcos ainda em minha língua. Deus, ele assalta meu juízo! Sua boca desce para o meu pescoço. Ele está beijando, lambendo, e eu gemendo.

— Só a sua...

— Tudo bem..., emissário... Eu pago... — sussurro em sua orelha pouco antes de lambê-la, — Mas se você não resolver o problema, vou querer restituição com juros e todo tipo de correção existente, — Sua mão aperta minha bunda com força em resposta, deixando claro o tipo de correção que ele está disposto a me dar e eu gemo, mas não desisto. — Além disso, você vai ter que me aturar louco de raiva e a uma Isabella muito chorosa e decepcionada também! — sorri.

— Nós não queremos nada disso, certo? — A voz rouca e a expressão em seu rosto me dizem que a hora da conversa acabou.

— Não queremos... — confirmo, — E como eu sou um excelente pagador, por que você não sobe enquanto eu escolho um vinho? — O beijo que ele deixa em meus lábios faz um milhão de promessas.

— Uma excelente pagador, é? Gosto de como isso soa...

***********

Marcos está na varanda, debruçado sobre o guarda-corpo, olhando para o horizonte, e eu me dou um minuto para só olhar para ele.

Parado na porta do quarto, é ridículo, e eu jamais diria isso em voz alta, mas o conjunto todo poderia ser uma pintura.

As persianas sendo levemente balançadas pelo vento, o homem grande, forte, com nada além de uma toalha enrolada na cintura, de costas para o artista e cercado por um cenário incrível que inclui um milhão de pontos de luz, prédios sem fim, vidro e aço por todo lado. Eu chamaria o quadro de gostosão admira vista.

Rio da minha própria besteira e isso chama a atenção de Marcos. Ele vira o rosto para mim e acompanha minha caminhada até ele com um olhar que arrepia cada parte do meu corpo que já havia esfriado. Assim, num piscar de olhos, todas elas voltam a parecer estarem pegando fogo.

— Você demorou...

— Talvez eu tenha ligado pra Grazi e feito uma criança ingrata muito feliz por poder dormir com a madrinha...

— Talvez, é? — reviro os olhos.

— Tudo bem, eu liguei...

— Criança ingrata? — Ele ri, mas eu não acho graça alguma. Bufo e deixo taças e a garrafa de vinho sobre o tatame. Os braços de Marcos já estão esticados para mim e eu me encaixo neles. Seu nariz procura meu pescoço imediatamente, logo depois, aspira meu cheiro.

— Isabella simplesmente não se importa mais em dormir longe de mim... Parece que ela mal pode esperar por qualquer oportunidade, na verdade. — resmungo e ele ri alto.

— Você não acha que pode estar sendo um pouco dramático?

— Mas é claro que eu estou sendo dramático! Mas eu sou pai, todos os que prestam são! — Marcos balança a cabeça, concordando, com um sorriso imenso no rosto.

— Mas deixando o seu direito ao drama um pouquinho de lado, só um pouquinho... — media, — Isso quer dizer que nós temos a noite toda e uma boa parte da manhã? — É a minha vez de sorrir.

— A noite toda... E nada de saídas furtivas pelo corredor de manhã cedo... Eu disse que eu era um bom pagador... — Sorrindo, aproxima minha boca da sua, empurrando minha cabeça em sua direção. Sua língua começa uma exploração lenta, provocante e nós nos olhamos o tempo inteiro enquanto calor e saliva são espalhados e compartilhados sem qualquer contato mais profundo.

— Você está vestido demais... — diz em minha orelha, a voz gostosa escorre tesão e eu sou obrigado a concordar. Acho que estou vestido demais, porque, de repente, ficou quente, muito, muito quente. A ponta do nariz de Marcos é um fósforo riscando a pele da minha orelha, do meu maxilar, do meu pescoço.

— Tá se sentindo exibicionista hoje, é? — Estamos bem no meio da varanda e ele está falando em me deixar nu. Tudo bem, estamos na cobertura do prédio, mas não é como se não existissem outras coberturas ao nosso redor ou outros tantos prédios tão altos quanto, onde um desavisado pode decidir olhar pela janela.

Os dedos de Marcos em meus cabelos se fecham, puxando-os, e ele traz os olhos para os meus.

— E se eu estiver? — Imagens de nós dois, nus, na varanda, fazendo muito mais do que conversar invadem minha mente e eu gosto, — E se eu quiser te deixar nu e te chupar bem ali, no meio daquele tatame, Anthony? — Arfo. Ah, as palavras sujas. Eu adoro as palavras sujas. Lambo os lábios, nem preciso pensar para decidir, para saber exatamente o que quero responder.

— Depende... Você vai joelhar?

Sua boca assaltando a minha é a única resposta que recebo e não me faço de rogado, com um único puxão, desfaço o nó em sua toalha e ela cai no chão, deixando Marcos completamente nu. Há alguma coisa em tê-lo assim, exposto em nudez e situação, completamente a minha mercê que me faz querer ainda mais desse jogo que acabamos de começar.

Afasto-me alguns passos e deixo que meus olhos passeiem pela pele bronzeada, pelos músculos saltados e abdômen definido. Seu olhar responde ao meu fixando-se em seus próprios pontos de interesse e, de alguma maneira, minha roupa simples passa a queimar minha pele. Ergo o olhar, focado no dele, alcanço a barra da minha própria roupa e começo a erguê-la devagar.

Marcos geme e ensaia um passo para frente. Balanço a cabeça para um lado e para o outro, uma expiração forte deixa suas narinas e ele morde o próprio lábio.

Mais um pedaço de tecido se acumula em minhas mãos quando minha barriga é revelada e meu marido parece prestes a ter uma síncope com algo tão simples quanto a minha nudez. Algo que ele tem visto com exaustão nos últimos dias. Mesmo que se eu quisesse, não seria capaz de me impedir de sorrir.

— O que você quer, Marcos? — Se os meus olhos são escandalosos, os de Marcos são incendiários.

— Eu quero você nu...

— E o que mais? — Agora já estou chegando aos mamilos e Marcos lambe os lábios ao vê-los completamente expostos.

— Eu quero lamber você inteiro...

— E o que mais? — Começo a perder o controle sobre a minha própria voz, ela sai muito mais baixa do que eu gostaria.

— E comprovar outra vez o quão bom pagador essa sua boca esperta é...

— E como é que você vai fazer isso, Marcos? — A expiração forte de Marcos me faz sentir inveja do nada, porque ele recebeu seu calor e minha pele não. Os lábios do meu marido se esticam em um sorriso que revela os dentes perfeitos antes de ele me responder.

— Te colocando pra mamar, lindo! — Sorrio também. Caminho de costas, andando na direção do tatame atrás de mim. Subo os degraus, sinto as almofadas macias sob meus pés.

— E o que mais, Marcos? — ele ri baixinho, desvia o olhar de mim apenas por tempo o suficiente para reconhecer a existência do horizonte atrás de si. Sua mão alisa o guarda corpo com uma reverência despropositada antes de seus olhos voltarem a se fixar em meu corpo quase nu.

— E, depois, Anthony... Depois, eu quero te empinar bem aqui. — Dá batidinhas no ferro em que segura. — E foder essa boca e esse rabo deliciosos que você tem até você gritar pra São Paulo inteira ouvir! — As palavras chicoteiam meu pau com uma intensidade que nem mesmo um chicote seria capaz de ter a essa altura. Minha cueca é um pedaço de pano pesado, melado e inútil.

— Muito bem, Marcos... — elogio e lentamente passo a língua sobre os lábios, — Você é um excelente roteirista... Muito bom mesmo... Escreveu um roteiro incrível, agora só falta executar...

Uma risada enrouquecida. Um aceno afirmativo.

Seu caminhar é lento, sensual como o inferno. O pau duro, ereto, aponta orgulhoso para cima enquanto as coxas musculosas se movimentam, ele é todo uma delícia. Marcos chega a minha frente e sem que troquemos qualquer palavra, ajoelha. As mãos acompanham o movimento de descida pelo meu corpo, raspando em minha pele vagarosamente.

Olho para baixo para vê-lo aproximar o nariz da parte da frente da minha cueca e aspirar profundamente meu cheiro. Seus dentes pinçam o tecido e uma porção dos meus lábios, fazendo um gemido baixo deixar minha garganta.

Ele finalmente alcança as laterais da cueca e depois de me impor uma expectativa torturante, abaixa o tecido tão lentamente quanto o alcançou. Me remexo, querendo assim, pelo menos, um pouco mais de contato com o nariz e lábios que continuam enterrados entre as minhas pernas

Ao que parece uma eternidade depois, ele me deixa nu. Seu olhar se levanta, procurando o meu, e sem se desviar dele, Marcos ergue uma de minhas pernas e a apoia em seu ombro, deixando-me completamente arreganhado diante de seu rosto. Me apoio em seu ombro livre, mantendo o equilíbrio, e solto o ar pela boca.

Meus mamilos estão sensíveis, minha pele arrepiada e eu desesperado pelo toque. Como se soubesse que estou por um fio, ele estica a língua e, devagar, a arrasta pela cabeça babando do meu pau. Sob seu olhar atento, gemo alto e isso parece lhe servir de combustível.

A mão de Marcos apoiada em minha bunda se espalma, agarrando-a com uma firmeza deliciosa enquanto escorrega mais para baixo. Meus olhos se fecham, minha cabeça é derrubada para trás sem que eu tenha controle sobre isso, e eu não vejo o que acontece até que meu corpo esteja deitado sobre o futon. Não consigo decidir se o vento gelado é uma benção ou uma maldição sobre a minha pele quente.

A boca de Marcos faz um estrago impossível de descrever. Ofego, me remexo, gemo. E no momento em que sua boca finalmente alcança a base fo meu pau já inchado, desesperado, seus lábios o chupam e eu grito. Grito, enlouquecido por tanto prazer. Meu coração corre no peito, junto com o sangue em minhas veias que parece decidido a ir embora e nunca mais voltar.

— MARCOS! — Seu nome sai da minha boca em um grito, — MARCOS! DEUS, MARCOS! — Não consigo me impedir de dizer de novo quando ele enfia dois dedos de uma vez em meu cuzinho sem que sua boca jamais pare o bom trabalho, o maravilhoso trabalho que está fazendo. É delicioso, é incrível, é perfeito! E, já conhecendo meu corpo como ninguém jamais conheceu, Marcos me dá o empurrão final para o precipício quando arrasta minha excitação até meu cu e enfia mais um dedo.

Eu me estilhaço. Eu estive inteiro, mas, agora, sou um zilhão de pedaços espalhados pela almofada macia. A língua perita não me dá paz, prolongando meu orgasmo até que ele pareça infinito, até que pareça que eu jamais sairei desse estado glorioso de afetação e por mim está tudo bem. Eu não preciso, não preciso voltar.

Mas eu volto. Devagar, com a respiração ofegante e o peito acelerado. Com a visão embaçada e a garganta arranhada pelo esforço. Com a testa suada e as pernas trêmulas, eu volto. Marcos está deitado em cima de mim, o nariz tocando o meu, a boca a milímetros da minha e eu sinto meu cheiro em seu rosto.

O beijo, roubando-lhe também o meu gosto. Arfo, ainda sem ar e sua boca me deixa só para ir até minha orelha.

— Nós vamos fazer uma pequena adaptação no nosso roteiro, Thony... — sussurra e tudo o que faço em resposta é murmurar, ainda não sou capaz de mais do que isso, — Eu ainda vou te lamber todinho, só que depois... Eu ainda vou te colocar pra mamar bem gostoso, do jeito que você gosta, só que depois... Agora, Thony... Agora eu preciso estar dentro de você, ou eu juro que vou explodir!

O calor do seu corpo me abandona quando ele se coloca de pé e sua mão é estendida para mim. Sentindo-me ainda um pouco zonzo, mas menos do que antes, seguro-a e Marcos me puxa, colocando-me de pé e me agarrando imediatamente para me estabilizar. Ele anda de costas, o tempo todo beijando minha boca, apertando-me contra si, escorregando as mãos pelos meus peitos, cintura, costas, bunda, nada escapa ao seu toque.

Assim que alcançamos o guarda corpo, ele inverte nossas posições, depois, me vira, deixando-me de frente para São Paulo, para o horizonte, e de costas para ele. Seus dedos dedilham meu cu e naturalmente eu me empino. Ouço o rasgar da embalagem que estava sobre a espreguiçadeira e a mão de Marcos sobe pela minha espinha até alcançar meu pescoço.

— Segura, Thony! E não solta! — Não tenho tempo de responder antes senti-lo me penetrar de uma vez, como sempre, deliciosamente indelicado. O gemido que me deixa é alto, arrastado e seguido por um grito quando um tapa forte desce sobre a minha bunda.

— Rebola, Anthony! Rebola que eu quero ver meu pau ser engolido por esse teu cu gostoso, porra! — E eu rebolo. Devagar no início e mais rápido quando Marcos puxa meus cabelos. Empurro para trás, engolindo a pica gostosa até o fundo antes de movimentar as pernas alternadamente. Marcos enlouquece e é da boca dele que sai um grito enquanto eu gemo e me esforço para continuar concentrado do que estou fazendo apesar do prazer que me atravessa.

— Puta que pariu, Anthony! — Suas mãos seguram meus quadris, afundando dedos fortes em minha pele e Marcos me fode. Do seu jeito, do nosso jeito, de um jeito perfeito. Sem parar. Com força. Rápido. Todo o controle que em algum momento eu tive é lançado vinte e três andares abaixo pela noite de São Paulo junto com meus gritos.

— Isso, Thony! Grita pra porra do mundo ouvir o quanto você gosta do meu pau te fodendo com força! — Suas palavras são duras, cada uma pontuada por uma arremetida, meu corpo é lançado para frente com uma força cada vez maior e minhas mãos começam a escorregar no guarda-corpo. Não tenho tempo sequer para me preparar para o orgasmo que me atinge como um raio na noite gelada.

Marcos para de se mover, curva-se sobre o meu corpo e lambe da base da minha coluna até o meu pescoço enquanto eu respiro ofegante e espasmo contra vidro e aço. Seus quadris se afastam com delicadeza, mas suas mãos ficam firmes em minhas laterais e me ajudam a ficar de pé. Deito a cabeça em seu ombro e deixo meus olhos fechados.

— Lembra qual é a próxima parte do nosso roteiro, Thony? — Sorrio, balanço a cabeça e murmuro um “Unhum”. Suas mãos descem e sobem, espalhando ainda mais o suor por minha pele. Exausto, mas ansioso pelo cumprimento da promessa, rebolo, empino a bunda, esfrego-me no pau duro atrás de mim e ouço a risada de Marcos.

— Gostoso! -morde minha orelha e seus braços me deixam. Nem um minuto se passa antes que eu volte a sentir o toque se suas mãos. De novo, me dobra sobre o guarda corpo, empinando-me, e quando Marcos fode meu cu, São Paulo me escuta outra vez.

***************

Olho ao meu redor, ainda sem acreditar que ele realmente tenha feito isso.

— Eu não acredito... — Minha voz sai em um sussurro enquanto as luzes coloridas piscam de novo, de novo e de novo.

— Anthony... Essa era a escolha lógica e eu realmente não entendo como é que você não fez isso...

— Marcos, você fechou um parque de diversões. Você entende isso, certo? O parque da Mônica, você alugou o maldito parque da turma da Mônica inteiro por um dia inteiro pra que quarenta crianças fiquem aqui por algumas horas.

Dizer as palavras não as torna mais críveis para mim. O parque da Turma da Mônica inteiro. Brinquedos, personagens animados, teatro, animadores, até mesmo a loja de souvenires está à disposição do aniversário de Isabella e eu quero chorar e rir, tudo ao mesmo tempo. Em um canto estratégico, a mesa de bolo e doces está posicionada, cercada por bailarinas e objetos que remetem ao ballet de todos os tamanhos possíveis.

— Pra que ninguém precise se preocupar com adultos estranhos andando entre essas quarenta crianças, pra que Isabella possa ir no brinquedo que quiser, quantas vezes quiser, sem precisar enfrentar uma fila... E, definitivamente, pra que nenhum problema logístico, como falta de luz, — finge me repreender, — pudesse ser um empecilho, já que ele fica dentro de um shopping...Era o óbvio! — E aí está, outra vez, a sensação de estrangulamento no meu peito.

Aquela para qual o adjetivo familiar já está se tornando insuficiente, de tão frequente. Se antes meu coração dava um solavanco ao vê-lo, desde que realmente temos dividido a cama, além de todas as outras partes das nossas vidas, que apesar das nossas intenções, se mostraram impossíveis de mantermos separadas, ele parece ter decidido praticar exercícios físicos a cada vez que Marcos faz alguma coisa inesperadamente gentil por Isabella, o que acontece o tempo todo.

Ou então, quando ele faz algo inesperadamente gentil por mim, o que também não tem sido exatamente raro. Ou simplesmente quando ele sorri para mim.

Ainda não encontrei uma palavra capaz de definir a relação que Marcos e eu temos desenvolvido ou como me sinto com ela. Já para a forma que me comportei nos dias que a antecederam, encontrei inúmeras. Bobo, idiota, estúpido, e a lista continua. A cada dia a sensação de que eu estava perdendo tempo todas as vezes que me negava a olhar para Marcos sem enxergar nele os meus próprios conceitos, cresce.

O homem ao meu lado nem de longe é o mesmo que por muito tempo habitou minha certeza sobre o nome que carrega. Ele ainda é um ordinário? Sem dúvidas! Mas é um ordinário que, até hoje, só vestiu essa camisa na minha companhia quando estamos na cama. O Marcos com quem me casei nunca fez nada além de respeitar minhas vontades, mesmo quando elas eram sustentadas por puro fingimento.

Na frente de Isabella, continuamos agindo exatamente como sempre, embora, vez ou outra, nossos olhares tomem caminhos indevidos e, se estivéssemos falando de um adulto, ele, provavelmente, já teria percebido o que está acontecendo, mas, se tratando de uma criança, não. Ela não faz nem ideia.

Todos os dias, muito mais vezes do que eu gostaria de admitir, me pego pensando sobre o que é que eu estou fazendo. Os filmes de Hollywood estão repletos de histórias como a nossa. Acordos de sexo casual, de amizades coloridas, o fim de todos é sempre o mesmo.

Mas isso é apenas na frente das câmeras, digo para mim mesmo. A vida real é muito mais complicada do que isso. Na vida real, os casais existem além do sexo maravilhoso que fazem e o além nunca é tão maravilhoso quanto o sexo. E não é mesmo. Ou, pelo menos, não deveria ser.

Então, Marcos faz uma coisa dessas, fecha um parque de diversões para o aniversário da minha filha, ou, então, senta ao seu lado enquanto ela fala desesperadamente e sem parar sobre como foi sua primeira, a segunda, a terceira, a quarta, a décima terceira aulas de ballet.

Ou, então, simplesmente me abraça enquanto eu durmo, enquanto acha que eu não sei o que ele está fazendo, e meu coração decide que esses momentos, sim, esses momentos são excelentes para fazer supinos e para me lembrar de que apesar de tudo isso, eu ainda não estou sendo completamente honesto com ele. Decide que esses momentos são excelentes também para me torturar por isso.

Olho para os lados furtivamente, confirmando que não há ninguém por perto. Não há. Deixo um beijo em sua boca. É um beijo simples, estalado, não tem nada além de carinho e gratidão nele, mas o sorriso que Marcos me dá em resposta poderia servir como fonte de energia para cada uma das luzes acesas ao nosso redor.

Ele me puxa para seus braços, cola o peito as minhas costas e afunda o nariz em meu pescoço. Fecho os olhos, me permitindo aproveitar a sensação. Agora não é hora para lidar com as minhas culpas. Mesmo que a cada dia eu tenha a impressão de que, eventualmente, as palavras vão fugir pela minha boca. Exaustas por estarem sendo guardadas há tempo demais.

— Obrigado... — digo com os olhos fechados e ele me vira, obrigando-me a abandonar a escuridão e deixando nossos olhares presos um ao outro. Sua mão acaricia minha bochecha e qualquer um que passasse por nós, acharia que estamos brincando de quem é que passa mais tempo sem piscar, mas não é isso. Há uma conversa silenciosa acontecendo aqui, eu não tenho a menor ideia de como interpretar as palavras que estão sendo ditas, mas meu coração parece realmente muito feliz com elas.

— Você não precisa me agradecer por coisas como essa, Thony... Nunca... — Solto a respiração pela boca. Por que, Marcos? Por que não preciso? Quero perguntar, na verdade, decido que vou. É só uma pergunta inocente, certo? Não tem nada demais nela. Não é?

Perco minha chance quando nosso momento é interrompido por uma vozinha infantil.

— Papai! — Isabella corre em nossa direção e eu me desvencilho dos braços do meu marido mais rápido do que o próprio flash teria sido capaz.

Seu cenho se franze e eu quero lhe pedir desculpas por isso. São raras as ocasiões em que algo assim acontece, em que Isabella chega perto quando estamos tão próximos, em todas elas, eu me afasto, porque é a melhor opção, mas, a cada dia, também parece mais errado.

Sobre isso eu tenho certeza que não posso confiar no meu próprio julgamento, Isabella precisa continuar vendo as coisas exatamente como vê. Ela não precisa de mais uma mudança brusca agora só para ter outra daqui a meses, mesmo que um par de dezenas deles.

Mas isso não significa que eu goste da expressão quase dolorida evidente no rosto de Marcos a cada vez que esse afastamento brusco acontece. Não gosto. Queria poder evitá-la.

Me limito a um pedido de desculpas sem som antes de me virar, em vão, na direção de Isabella, já que são os braços de Marcos que ela procura, não os meus. Ao mesmo tempo em que essa aproximação enche meu peito, também me deixa mais confiante de que estou fazendo a escolha certa. Não posso impedir que Isabella se apegue a Marcos em algum nível, afinal, isso já está acontecendo.

Mas posso impedir que ela tenha ideias erradas sobre ele assumir um papel que não lhe cabe, que ele não quer, nunca quis. Observo a troca de sorrisos entre os dois e pisco, expulsando meus pensamentos para longe. A sobrancelha arqueada de Grazi, quem trouxe Bella até nós, me diz que ela sabe para onde meus pensamentos foram.

— Marcos! Você viu meu bolo de bailarina? — Isabella pergunta, animada, feliz, muito feliz e eu sorrio. Esforço-me para manter a ardência em meus olhos sob controle.

— Ainda não! Me mostra? — responde, como sempre, atencioso com ela.

— Claro! — Ele pisca para mim, se limita a um aceno de cabeça para Grazi e afasta-se com Isabella no colo.

Observo os dois alcançarem a mesa da decoração e Isabella se entreter em mostrar não apenas o bolo, como cada doce e enfeite que está sobre ela.

— O que você está fazendo? — Minha amiga pergunta sem rodeios ao se colocar bem ao meu lado. Giro somente o pescoço e olho para ela. Mordo o lábio e admito.

— Eu não sei...

— An...

— Eu só... — solto o ar pela boca e levo meus olhos até Marcos e Isabella apenas por dois segundos antes de voltar a olhar para Graziella. — É errado querer aproveitar isso, Grazi? — pergunto, outra vez, focando na imagem que faz meu coração querer sair do peito, correr vinte metros e se juntar às gargalhadas que ecoam por todo o salão. Nego com a cabeça antes de negar com as palavras, — Eu sei o que você vai dizer, Grazi...

— Sabe mesmo, An? — A interrogação em seu olhar me deixa em dúvida, — Tudo bem... Ele é gostoso, fode bem, claramente adora Isabella, aparentemente, aposentou o título emérito de babaca quando o assunto é você... Vai lá! Transa com ele! Nem eu sou capaz de continuar te julgando por isso, mas esse olhar? An... Esse olhar no seu rosto... Eu nunca o vi aí e não sei se é uma boa ideia ele decidir aparecer justamente agora...

— Que olhar? De felicidade? — Franzo a testa e Grazi inclina a cabeça.

— Não se faça de estúpido, porque você não é!

— Eu não estou me fazendo de nada, Grazi! Mas você tá exagerando! — Rio, nervoso, — Que olhar é esse que você está enxergando? Pelo amor de Deus! — Pisco, levemente atordoado.

Grazi ergue uma sobrancelha.

— Você—

— Papai! — Isabella fala por cima dela, interrompendo a madrinha e chamando a atenção de nós duas.

— Vem tirar foto com a gente, papai! — chama e eu levo alguns instantes para processar o pedido e perceber que Marcos tem o celular na mão, provavelmente, com a câmera aberta.

Engulo em seco e sacudo a cabeça, mandando para longe as ideias despropositadas de Graziella. Com um aceno indico o que vou fazer e a deixo sozinha com suas sugestões sem pé ou cabeça.


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Comentários

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Posso estar louco, mas pela maneira de escrever, alguma coisa me diz que vc KA Mander é o autor M.J. Mander. Por favor, pq vc não terminou as histórias Meu preço e Take me? Termine essas histórias, por favor!!!!

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Apaixonado por esse conto só lamento a demora que faz aumentar cada vez mais a nossa ansiedade em querer saber cada vez mais onde isso vai acabar. Uma coisa é certa o amor está no ar e falta muito pouco para que a menina chame os dois de papai.

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