EPILOGO
Elisa não suportou morar em Manhattan. Comprou um carro e resolveu circular os States. Parou num bar em Saint Louis onde se apresentava um cantor de country amador. Elisa pegou amizade com ele, se apaixonaram e ela seguia ele em suas apresentações em diversos locais. Harry era o nome dele. A carreira não deslanchou e ele foi cuidar do rancho da família, em Iowa. Elisa o acompanhou para a nova vida. Lá, nasceu Jeanine.
Enquanto Harry cuidava dos porcos e das plantações de milho, Elisa passou a ficar o dia inteiro no porão da casa. Todos os dias era a mesma coisa. Ela ficava horas por lá. Ficava calada a maior parte do tempo.
Um dia, Harry estava no campo quando ouviu um tiro. Saiu vasculhando a casa como um louco e encontrou o corpo de Elisa no chão. Na mão, um revólver. Ele não acreditava. Elisa tinha se suicidado. Jeanine estava com apenas quatro anos.
Harry cuidou sozinho da filha. Quando a menina chegou a adolescência, cavalgava o tempo todo. Tocava rebanho de ovelhas e o mais interessante é que ela amansava burros xucros. Jeanine montava em equinos brabos. Os vizinhos comentavam a precisão com que ela domava os animais. A menina também passou a levar horas cavalgando. O pai ficava preocupado quando ela demorava. Jeanine cavalgava quilômetros por dia. Tinha obsessão pela liberdade.
Harry era um sofredor. Não conheceu a mãe, era um fracasso na escola, era um cantor frustrado, e quando amou de verdade, a esposa se matou. Pra piorar, ao tentar domar um cavalo bravo, Jeanine levou uma queda, quebrou vertebras e seccionou a medula. Ficou tetraplégica.
Harry sentia uma dor imensa no coração ao ver a filha, tão cheia de vida, passar o resto da vida em cima de uma cama. Jeanine nunca mais falou. Ela apenas tinha um olhar para o nada. Quando falou, pediu para morrer.
- Kill me, daddy. I wanna die. I need to go…
Ela repetia isso toda vez que o via. Ele sentia que ela estava sofrendo muito. Demais. Esse seu pedido, o olhar triste, o deixou tão perdido, tão perdido, que ele resolveu atendê-la. Enquanto dormia, injetou um sedativo. Ficou admirado ao ver a menina sorrir e depois dar o ultimo suspiro. A curiosidade: Jeanine faleceu no dia 27 de julho de 2036. Exatamente 400 anos depois do nascimento da primeira mulher daquela geração, Manuela.
Naquela noite, Harry não conseguia dormir. Quando pegou no sono, ouviu o que parecia ser um monte de cavalos correndo. Achou estranho. Quando abriu a porta dos fundos, viu 14 cavalos fugindo em disparada. Ele tentou correr pra conter o avanço dos animais. Mais estranho ainda é que os cavalos pareciam estar sendo guiados. Ele pegou um binoculo para ver para onde aqueles cavalos iriam. Gelou. Pelas lentes, viu nuvens azuis em cima dos cavalos e o que pareciam um monte de cabelos desembaraçados ao vento. No ultimo dos animais, percebeu uma roupa que “vestia” uma áurea azul. A roupa era idêntica a que sua filha usava quando veio a óbito. Os cabelos pareciam muito como os dela. Não, não podia ser. Era uma ilusão, pensou ele. Ficou parado olhando pro chão e quando voltou a olhar, os cavalos haviam desaparecido.
Harry resolveu vender o rancho e cair fora dali. Vasculhando o porão, tropeçou numa madeira solta. Quando foi ver, foi se dar conta que era um fundo falso. Assim que abriu viu um quadro. Nele, estavam pintadas imagens de diversas mulheres. O rosto delas era muito parecido com o de sua esposa e filha. Estavam vestidas com roupas de época, montadas em cavalo, dançando ou cantando. O cenário parecia de um país tropical. Ficou intrigado. Ao tentar levantar o quadro, caiu um papel. Nele, havia uma carta de Elisa.
“Querido Harry,
Desde que mudamos pra cá, tenho sonhado toda noite a mesma coisa. Sonho com mulheres que nunca vi, lutando ou participando de diversos eventos. No fim dos sonhos, elas me olhavam e eu despertava. Sonhei isso todos os dias. Cada dia eu sonhava com cada uma delas. Até que sonhei com minha mãe. Este quadro é resultado desses sonhos. Sei que essas mulheres tem uma ligação comigo, pois todas tem o mesmo olhar, o mesmo olhar que eu vejo no espelho. No sonho desta noite, sonhei com todas elas juntas, inclusive minha mãe, me chamando para juntar-me a elas. O sonho era muito real. Eu senti a presença de cada uma delas. Justamente quando terminei de pintar o quadro ontem a noite, tive esse sonho. Portanto, falo com toda clareza: o que eu cometi, não foi suicídio. Eu não me matei. Entenda isso. Eu fugi. Atendi ao apelo. Fique tranquilo e pode ter certeza que nesse momento eu estou junto a elas”.
FIM