Letícia desceu do ônibus alguns pontos antes de chegar em casa. Ela trabalhava como secretária em um consultório médico e saía às 18 horas. Apesar de já ser tarde, e ela estar cansada e doida pra chegar em casa, naquele dia ela tinha um compromisso muito especial.
Era o primeiro aniversário de falecimento de sua avó materna, com quem tivera uma forte ligação, e ela iria ao cemitério levar algumas flores.
Não poderia encerrar o dia sem fazer isso.
Letícia seguia andando pela calçada cheia de gente e lembrando de sua querida avó. As vitrines refletiam o mulherão que ela era. Uma gata de 22 anos, alta, corpo cheio de curvas acentuadas pelo vestido colante de malha preta. Sobre o vestido, um casaco aberto que flutuava em volta dela. As botas pretas de cano longo e saltos finos completavam o visual. Alguns caras a secaram, mas Letícia, lembrando do passado nem percebeu. Nem estava a fim de relacionamentos, saíra recentemente de um namoro de 2 anos porque o cara era muito ciumento.
Sacudiu para trás os longos cabelos com luzes platinadas e cruzou o portão do cemitério onde sua avó estava sepultada. Era um dos maiores da cidade e nas capelas se realizavam numerosos velorios.
Naquele final de tarde não era diferente. Letícia percebeu muito movimento nas capelas. Cheiro de cigarro, de flor, de sebo de vela, perfume, tudo misturado. Ela entrou na floricultura mais próxima, comprou um buquê de flores do campo e se dirigiu ao túmulo da avó.
Chegando lá, algumas flores frescas mostravam que a avó já recebera visitas naquele dia . Talvez de sua mãe.
Letícia colocou as flores que comprara na floreira de granito e ficou algum tempo contemplando a lápide. Não era muito religiosa, mas acreditava que nem tudo se acabava com a morte do corpo. Pressentia um mistério... Algo que talvez ela só descobrisse quando morresse também.
- Tchau, vó. - disse ela e seguiu pelo corredor de capelas. Um convite de enterro, numa das portas de vidro, chamou sua atenção...
Na verdade, foi a foto que deixou Letícia sem chão...
Ele havia morrido aos 21 anos, e era o cara mais bonito que ela já vira. A foto o retratava em uma praia num dia de sol, tendo o mar ao fundo. Ele sorria, os dentes de um branco reluzente, os cabelos castanho claros flutuando ao redor do rosto. Os olhos eram da mesma cor do mar e o tórax forte, bronzeado. Tudo nele respirava vida, juventude, sol, sensualidade...
Mas ele estava morto.
David o seu nome.
Letícia sentiu um estranho calafrio, um misto de tesão e horror.
Entrou na capela...