Ele ficou parado de frente pra mim e começou a retirar o cinto que usava na calça.
Guilherme - eu falei que mais uma que você aprontasse eu iria lhe dar uma surra.
Felipe - Você vai me bater? (falei sem acreditar naquilo)
Guilherme - É apenas um corretivo, que eu tenho certeza que seus pais nunca lhe deram. (falou ele ja com o cinto em mãos).
Aquilo só poderia ser brincadeira.
*___________________________*
Sr Nicolau - Tu acha que esse menino vai da conta, Francisco?
Vô Francisco - Da sim, sr Nicolau, o senhor tem minha palavra que ele vai render.
Sr Nicolau - E cadê os pais dele?
Vô Francisco fez uma pausa, e tirou o chapéu de palha da cabeça.
Eu acompanhava todo o dialogo agarrado as pernas do meu avô.
Vô Francisco - Acidente de carro.
Sr Nicolau - Morreram?
Vô Francisco - partiram dessa pra melhor.
Sr Nicolau - Minhas condolências, Francisco!
Vô Francisco - Não entendi, sr Nicolau.
Sr Nicolau - Quis dizer que sinto muito por sua perda.
Vô Francisco - a sim, obrigado! - E o meu neto sr Nicolau... Vai poder ficar?
Sr Nicolau pensou, um pouco.
Sr Nicolau - O moleque fica, mas se tiver dando trabalho, vai ter que procurar outro lugar pra ficar.
Vô Francisco - garanto que ele vai se comportar e vai trabalhar como gente grande. (falava meu avô com empolgação).
Sr Nicolau - Assim espero. E tem mais, se os homem aparecerem, você da um jeito de esconder esse garoto hen! Não quero confusão pro meu lado.
Vô Francisco - Vou ficar sempre de olho nele, não vamos lhe dar problemas.
Sr Nicolau - Ok, então por enquanto, o moleque fica. (Disse isso e se retirou, galopando em seu cavalo).
Vô Francisco - Ta ouvindo neh!? não vá aprontar. Pra nossa sorte o sr Nicolau tem um bom coração.
Meu avô colocou o chapéu de palha na cabeça, cobrindo parte de seus cabelos brancos, e me levou para o meio do milharal.
*_______________________________*
Felipe - Você não pode me bater. Eu já tenho 18 anos. (falei me afastando ate encostar no carro).
Guilherme - Foda-se, poderia ser ate 30.
Felipe - Isso é por causa que eu fiquei ate mais tarde no trabalho?
Guilherme deu uma respirada funda.
Guilherme - Felipe, eu gosto demais de você. É como se você fosse um filho meu, mas você tem noção do quanto eu fico preocupado quando você some?
Felipe - Eu não faço mais, irmão, eu juro.
Guilherme - Você já jurou antes, e não cumpriu. Acho que você não tem o menor respeito por mim.
Felipe - Não vai mais acontecer, eu juro, Guilherme, dessa vez eu juro pra valer. ( estávamos dando voltas ao redor do carro. Eu não estava com medo de levar umas cintadas, eu estava com medo era daquele Guilherme que estava na minha frente).
Guilherme - Já te falei uma vez e repito, na minha casa eu faço as regras, e se você quiser continuar morando comigo tem que segui-las.
Felipe - Mas você não é ninguém pra me bater, você não é nada meu.
Guilherme - o que disse?
Felipe - Que você não pode me bater. Eu não sou teu filho, se for assim eu prefiro ir embora da tua casa.
Guilherme - Tu tem certeza disso, Felipe?
Felipe - sim. (falei tentando enxugar as lágrimas).
Guilherme - vou insistir na pergunta, tu tem certeza que prefere a rua à minha casa?
Felipe - tenho, tu ta ficando um porre cara, ta muito complicando conviver com tuas cobranças. Na rua eu pelo menos era livre.
Guilherme ficou em silencio apenas olhando pra mim. Seu olhar não era de de raiva, e nem era de ira, era um olhar que eu não conseguia definir. Ele começou a colocar novamente o cinto, tomou um ar e só então me dirigiu a palavra.
Guilherme - Voce não precisa ir embora, não quero ver você dormindo na rua.
Felipe - e como eu vou continuar morando contigo assim com esse clima?
Guilherme - Não se preocupa, eu não vou mais pegar no seu pé, eu não vou mais tentar te controlar, eu desisto de você, Felipe. (disse isto entrando em seu carro).
Entra - disse ele já no banco do motorista.
Já na estrada voltando pra casa, reinava um silencio assustador, por um momento eu pensei que o Guilherme fosse chorar, mas ele não soltou uma lágrima sequer.
xXX
Assim que entramos no apartamento, eu quebrei o silencio.
Felipe - quer comer alguma coisa? (falei tentando puxar assunto, tentando fazer com que as coisas voltassem ao normal).
Guilherme - já jantei, vou só tomar um banho e dormir. (falou ele saindo da cozinha e entrando em seu quarto).
Naquela noite eu também não consegui jantar, tomei um banho no banheiro social e dormi no sofá mesmo.
xXX
Acordei no dia seguinte disposto a fazer as coisas diferentes, pra começar eu ia aproveitar que era feriado e iria fazer um café especial pro Guilherme. Acho que eu devia pedir desculpas. Lavei meu rosto, escovei os dentes, peguei parte da grana que ainda havia ganho na lanchonete, peguei o molho de chaves que estava na fechadura e fui pra rua a procura de uma padaria.
xXX
Bom dia - falei para o porteiro.
Bom dia, Felipe neh, o seu nome? (perguntou o porteiro).
Felipe - Isso.
E o trabalho, começou já?
Felipe - ontem mesmo, mas não sei se vai da certo não.
Porteiro - Não gostou?
Felipe - Até gostei, mas aconteceu uns imprevistos, vou aproveitar esse feriado pra ver como vai ficar por la.
Porteiro - Ta certo, mas pense com cautela. Ta tão difícil arrumar emprego, atualmente. (falou ele passando um pano no mármore da recepção).
Felipe - Pois é, eu vou pensar direitinho sim. - Tu sabe aonde tem uma padaria aqui por perto?
Porteiro - Sei sim, no final do lago a esquerda tem uma, só não me lembro do nome.
Felipe - eu encontro. Vlw parça.
Porteiro - por nada. (falou ele me cumprimentando).
Quando ia atravessando a rua, alguém me chamou.
E ae leke, blza?
Felipe - Fala camila, blza sim e você? (perguntei rindo).
Camila? (perguntou ele sem entender).
Felipe - Zuando. é que não sei teu nome, mas sei que tua mina, ou ex mina, sei la, se chama Camila.(conversávamos e andávamos na mesma direção).
kkkkkkkkkkk, Podes crer.(disse ele aos risos).
Danilo, prazer! (disse ele me estendendo a mão).
Felipe, prazer é meu. (falei o cumprimentando).
E esse dog ae? (perguntei)
Danilo - Vou levar ele pra dar umas voltas no lago, e aproveitar, colocar ele pra fazer suas necessidades.
Felipe - saquei. Mas ele mora com vocês?
Danilo - enquanto nenhum outro morador, reclamar, sim. (Danilo me olhou torto)
Felipe - me olha assim não pô, tenho nada haver com isso. Eu ate curto bichos.
Danilo - Infelizmente nem todos pensam assim, tem uns manés que são contra criar animais em prédios grandes.
Felipe - Entendo, mas é como você mesmo disse, enquanto ninguém embasa...
Danilo - ele fica. (completou Danilo rindo).
E tu esta indo pra onde?
Felipe - Vou ate a padaria.
Danilo - Então vou ti dar uma carona ate la.(rs)
Felipe - Blza.
A conversa foi agradável. Danilo me deixou na padaria e seguiu com seu cão.
Comprei algumas variedades de pães, bolos, queijo, presunto e geleia, passei na banca de revistas e comprei um jornal, o Guilherme era advogado, então acho que ele gostava de ler jornais.
xXX
Voltei ao apartamento, abri a porta, coloquei o molho de chaves novamente na fechadura e fui pra cozinha. A cozinha estava limpa, sinal que o Guilherme não havia tomado café ainda.
Mãos a obra. (pensei comigo mesmo)
Fiz um café, esquentei leite, fiz suco de laranja, torrei pão, cortei uma fatia de bolo e coloquei tudo em uma bandeja juntamente com o jornal.
- Agora eu espero ele acordar ou acordo ele? (estava em duvidas).
Voltei pra sala e ja tinham se passado quase 45 minutos, e nada de o Guilherme acordar. Resolvi esquentar o café e o leite, criei coragem e bati na porta do quarto do Guilherme.
Ele não respondia, a fechadura não estava na chave, e eu resolvi abrir a porta.
Guilherme? Eu perguntei.
Nada dele responder, o quarto estava no escuro e depois de chamar mais uma vez, resolvi ligar a lampada.
Pra minha surpresa o Guilherme não estava mais no quarto, sua cama estava arrumada como se ele nem tivesse dormido ali. Passei as mãos pelos lençóis e eles não estavam quentes, fui ate o quarto de hospedes e também não o encontrei.
Será que ele foi trabalhar no feriado? - pensei.
resolvi dar uma pulada no apartamento do Miguel pra confirmar.
xXX
Pois não? a Wanessa veio atender a porta apenas com uma camisa do Miguel.
Felipe - oi Wanessa, bom dia!
Wanessa - Oi, o que você quer? (falava ela impaciente).
Felipe - queria falar com o Miguel, ele ta por ae?
Wanessa - esta dormindo, volta outra hora. (falou ela tentando trancar a porta).
Já acordei - (falou Miguel aparecendo na sala apenas com um short)
Felipe - Miguel, queria falar contigo cara.
Miguel - entra, Felipe.
Wanessa - Mas amor, agente ainda estávamos dormindo. (falou ela inconformada)
Miguel - Se o Felipe veio aqui a essa hora deve ser importante. Pode entrar Felipe.
Felipe - Obrigado. (falei entrando).
A Wanessa saiu soltando fogo pelas narinas.
Miguel - Senta ae. O que houve?
Felipe - O Guilherme...
Miguel - O que tem ele?
Felipe - acho que ele não dormiu em casa.
Miguel - e qual o problema nisso Felipe? Hoje é feriado, ele deve ter saído com alguém.
Felipe - Mas sem avisar nada?
Miguel - e qual o problema nisso?
Felipe - Tu não fica preocupado com teu irmão?
Miguel começou a rir no sofá.
Miguel - Felipe, o Guilherme ja tem 28 anos, é solteiro, independente. Eu ficaria preocupado se ele não saísse. Isso é a coisa mais normal do mundo, meu garoto.
Felipe - Não acho anormal, só tou preocupado porque ele não disse nada pra mim.
Miguel - E o casamento acabou? (perguntou Miguel com sarcasmo)
Felipe - Tou falando serio, Miguel.
Miguel - E eu perguntei serio também.
Felipe - Ele ta chateado comigo, desde ontem não estamos nos falando direito.
Miguel - eu te avisei, ele deve ter descoberto que tu é viado. (falou ele apontando pra minha cara).
Felipe - A cara, você leva tudo na brincadeira.
Miguel - Então você quer que eu fale serio?
Felipe - claro. Tou aqui pra isso.
Miguel - Então ouve serio o que eu vou falar. Você esta parecendo um adolescente apaixonado, e está com muita expectativa em cima do Guilherme, mas você vai quebrar a cara. Ele não curte dessas coisas.
Felipe - Nada haver cara. Tou só retribuindo a preocupação que ele tem comigo.
Miguel - Não tenta me enganar, Felipe. Eu estou falando pro teu bem cara. O Guilherme esta tratando você assim, porque quer consertar a burrada que ele fez no passado.
Felipe - qual burrada? (perguntei curioso).
Miguel - Isso eu não posso falar, é coisa pessoal dele.
Felipe - Mas foi algo grave que ele fez?
Miguel- depende do ponto de vista. E agora você apareceu e ele quer fazer algo diferente, quer se redimir. Sacou?
Felipe - Não.
Miguel - É só o que eu posso te falar.
Me despedi do Miguel e voltei com aquilo martelando em minha cabeça.
- Qual foi essa grande burrada que o Miguel fez?
xXX
Passei a manhã sozinho no apartamento, o Guilherme não apareceu nenhum momento sequer. Eu queria ir buscar minha mochila na oficina do Diogo, mas só iria depois que eu pedisse ao Guilherme.
Deitei no sofá pra assistir e acabei adormecendo. Acordei com a campainha tocando.
xXX
Guilherme passou por mim sem nem disser nada.
Felipe - Oi Guilherme.
Guilherme - Oi, Felipe. (falou ele entrando na cozinha).
Felipe - ja almoçou? passou o dia fora?
Guilherme - já sim.
Felipe - quer jantar? (falei chegando próximo a ele).
Guilherme - estou sem fome, vou dormir que eu estou cansado.
Felipe - mas já? ta cedo ainda! se tu quiser eu esquento a comida do almoço.
Guilherme - Vlw, mas não carece se incomodar não. (falou ele me desviando e indo em direção a seu quarto).
Eu peguei o jornal e o acompanhei.
Felipe- Guilherme?
Oi - respondeu ele antes de chegar no quarto.
Felipe - Toh, comprei pra ti. Tu tem maior cara de intelectual, deve gostar de ler essas coisas. (falei sorrindo).
Guilherme pegou o jornal das minhas mãos e deu uma folheada rápida.
Guilherme - Gosto sim, vou dar uma olhada antes de dormir.
Felipe - Amanhã de manha eu queria ir la do Diogo buscar minha mochila, e queria saber se tu concorda em eu continuar trabalhando la ou se tu acha melhor eu pedir as contas.
Guilherme - Faz como você achar melhor. (disse ele entrando no quarto, e fechando a porta).
Eu escorei minha cabeça na porta do quarto e senti uma forte dor no peito. Voltei a sala e me sentei no sofá, estava passando algum filme na tv, mas eu não conseguia prestar atenção em nada.
Deitei, mas não tinha sono. Fiquei esperando o Guilherme vir falar comigo, ele ia vir, eu sei que aquilo era coisa de momento. Levantava-me constantemente com a intenção de me esbarrar com o Guilherme, mas nem uma vez isso aconteceu. Sentei-me no sofá e fiz uma analise das pessoas que passaram por minha vida, as mais importantes ja haviam partido, nesse momento Guilherme era a pessoa mais importante pra mim, e eu não podia perder o carinho dele. Quando eu pensei nessa possibilidade, comecei a chorar, automaticamente.
Fui ate a porta do quarto do Guilherme e forcei a maçaneta lentamente, a porta se abriu e estava tudo escuro. Dessa vez eu tinha certeza que o Guilherme estava no quarto, eu conseguia ouvir o ronco baixo que ele soltava, e naquele momento eu tive a confirmação de que aquilo não era um defeito, mas sim uma qualidade.
Felipe - Guilherme? (eu falei baixo)
Guilherme? (tornei a chama-lo).
Ele não acordou e eu aumentei o volume da voz.
Guilherme - hã? Felipe? O que foi? - (Guilherme acordou no susto e ligou o abajur que ficava no criado mudo ao lado da sua cama).
Felipe - Guilherme...(eu tentava falar chorando).
Guilherme - O que foi cara? O que aconteceu?
Felipe - pode me bater cara, pode me surrar, pode me aplicar quantos corretivos você quiser... Mas não desiste de mim, por favor cara, eu agora só tenho você. Não desiste de mim! (falava soluçando)
Fui ate o Guilherme que estava sentado com as costas na cabeceira da cama. Dei-lhe um abraço e de inicio ele recusou, mas acabou cedendo. Correspondeu o abraço e fez um cafuné em minha cabeça.
Continua...