O palacete na Gavea se tornou repentinamente o unico ponto luminoso de prazer, alegria e entusiasmo de minha vida. Todas as tardes, saindo do meu trabalho no escritorio ou no tribunal, para là eu me dirigia, o coraçao aos saltos, as maos frias, e uma concupiscencia urgente, nova, que me espantava.
Ele jà estava habituado comigo e me esperava no horario combinado. Envolto em seda fina, eternamente avesso aos ternos dentro de casa, ele achava-se quase sempre estendido no canape' oliva, lendo, tomando sol, ouvindo Jean ao piano ou aconchegando Bibi ao colo, a gata angorà cor de palha seca.
As horas passadas no quarto fixavam-se à minha memoria como um comprido delirio de brancura morna, de cabelo louro macio e perfumado, lençois de seda umidos, o sol dentro do quarto resplandecendo as peles brilhosas de suor, invadindo o leito de calor, tirando vapores tenues e aromaticos dos corpos juntos, na comunhao antiquissima dos braços e pernas entrelaçados, na poesia primitiva da copula entre sexos iguais.
Fleury sorria, cansado. Sua elasticidade de acrobata libertino, de amante perito na arte do amor grego, me alucinava; algumas posiçoes sexuais me escandalizavam pois nelas eu nunca sequer pensara. Ele sabia de tudo, como se praticasse hà muitos anos. Um jovem mestre da milenar pratica da sodomia.
- Voce nao e' um homem feliz, Julio _ disse ele certa vez, olhando para um vaso chines repleto de crisantemos vermelhos sobre um aparador; remexeu-se na cama, bulindo na ponta da colcha adamascada que nos cobria da friagem de final de tarde _ E talvez eu proprio tambem nao seja.
Minha infelicidade, que antes vivia disfarçada de tedio e irritaçao, conhecia seu àpice em minha angustiada relaçao com Georgiana. Desde que passei a ver Fleury todas as tardes, cessando assim as visitas à minha noiva, ela se encontrava apoderada de uma irritaçao desconfiada. Aos domingos de visitas aos meus sogros, ela agarrava-se a mim com obstinaçao, querendo saber o que eu andava fazendo, porque nao vinha ve-la frequentemente, se já nao a amava. De todas essas perguntas eu me esquivava com repugnancia, nao escapando, porem, de muitas cenas de làgrimas, ameaças de doença, e de noivado desfeito.
- Ainda vou cair doente por sua causa! _ exclamava ela, tremendo de nervoso e ira _ Voce esta me escondendo qualquer coisa, sim, jà nao e' o mesmo de antes... Seja o que for eu descubro, Julio, eu descubro!
Como meu trabalho e progresso dependiam de meu noivado, eu tinha receio de um termino, por isso andava mais cauteloso. Fiquei dois dias sem ver Fleury e fui jantar com meus futuros sogros nessas noites. Nos dias seguintes, voltando ao palacete num principio de noite chuvosa, encontrei Emanuel com seu garoto e Fleury muito bem acompanhado dum tipo esguio, de bigode castanho, jeito de pachola: Richard, um engenheiro ingles, "amigo" de longa data do loiro, e que estava no Rio a trabalho. Sim, ele me substituira muito facilmente, como quem deixa de lado um jornal de ontem. Emanuel, que ultimamente andava me olhando de cara feia a cada vez que me via ali, dessa vez esboçou um amplo sorriso zombeteiro ante meu espanto e ciume.
Claro que nao dormi là, furioso que estava com aquele devasso barato que abria as pernas para o primeiro que aparecesse. Nao suportei ver Richard conversando com ele um tanto perto demais, com uma das maos em seu quadril sobre o roupao de veludo azul safira; sai dali irritado, voltando, entretanto, na noite seguinte, de orgulho ferido e desejo incontrolavel. Fleury agiu como antes comigo, me dando atençao e carinhos na frente de Emanuel, do Antinoo mirim e do pàlido Richard que nos fitava com um olhar de suave malicia. Falou algo ao ouvido de Fleury que, me transmitindo a mensagem, recebeu de mim uma recusa exasperada: estar com ele e outro ao mesmo tempo, nao. Era provavel que eu nao dominasse minha colera nesse momento.
Porem, ainda havia algumas reunioes aos domingos altas horas da noite, no palacete. Vinham uns homens obscuros, rapazes sem origem, estudantes de vida dupla, alguns com noiva, como eu, e ali podiam ser, por uma noite, aquilo que escondiam de todos. Emanuel arranjou garotos para os que gostavam de carne fresca, pois no seu Antinoo ninguem tocava. Apos a ceia, em meio à embriaguez da madrugada fria, risadas e sussurros de luxuria se faziam ouvir, cortando o silencio da "Pequena Sodoma", como Fleury chamava a propria casa. Jean tocava um pouco de piano, apagava depois os castiçais, deixando apenas a luminosidade do lustre, e enquanto alguns pares (ou trios) de homens subiam para os quartos, outros começavam a se arranjar pelos sofàs e canapes, e dentro de minutos, sons umidos de estalar de peles, de làbios, de sucçao, se faziam ouvir na penumbra.
- Hoje nao, Julio _ sussurrava Fleury no meu ouvido, de olho num estudante moreno, jeito de guerreiro turco, e que o devorava com os olhos desde que chegou _ Quero aquele ali...
Nao pedia autorizaçao, apenas comunicava. Subiu com o sujeito para o quarto e Emanuel, tendo o seu membro duro acariciado por dentro da calça pelas maos habeis do Antinozinho, sorriu me olhando dum modo fixo.
- Và se acostumando que ele e' assim _ disse, e em voz mais baixa _ Por isso sou o unico homem que o tolera, e quem ele nunca substituirá.
Encarou-me com uma mescla de odio e desafio, em seguida chamando o garoto e sem pressa subindo a escada. Gemidos, sussurros e arquejos enchiam a sala. Quando sai, um minuto depois, deixando aquela esbornia toda para tras, tive um gesto de colera, chutando a porta de cedro brilhoso do palacete.
- Desgraçados _ sussurrei, com vontade de chorar.
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Thanks, pessoal!
Opinem à vontade, sugestoes, criticas, observaçoes, etc. Ok?