_Hã, oi.
_Não sabia que você já tinha voltado, me desculpe.
Ele foi saindo apressadamente. Fiquei com pena de ver ele daquela forma, então o chamei de volta. Ele ficou parado, ainda de costas, pensativo. Quando virou-se, estava chorando. Eu estava totalmente despreparado para uma situação como aquela, então fui até ele e a única coisa que consegui fazer foi dar um abraço. Levei-o para casa e o deixei no sofá, enquanto o Murilo buscava um copo d’agua.
Depois que bebeu a água, já mais calmo ele ficou olhando para baixo. O Murilo me encarou com um olhar que transmitia a situação de nós dois, a falta de noção do que fazer.
_Hã, Victor, o que aconteceu? – perguntei – seja o que for cara, pode contar com nós.
_Desculpa galera, eu não queria incomodar, mas eu já não sabia mais para onde ir. Pensei então em vir até aqui conversar com o Murilo, já que ele me falou que estaria sozinho. Como eu e você...brigamos, não queria que me visse assim.
_Bom, primeiramente, por hora vamos esquecer nosso desentendimento. Agora, me diga, o que está acontecendo com você?
_Vocês já devem estar sabendo – disse ele apontando para o olho roxo – levei uma puta surra.
_O que eu quero saber é como você irá sair dessa.
_Eu juro que tentei tudo que podia, mas eles sempre inventam que eu estou devendo mais. Já vendi minha moto, meu Mac, meu celular e nesse final de semana vendi até um relógio que eu ganhei do meu pai no ano passado. Eu tô fudido! Não tenho coragem de contar pros meus pais, e o pior de tudo é que eles querem saber o porquê de eu vender tudo isso. Eles ainda pensam que eu estou vendendo tudo para comprar alguma coisa, mas mal sabem que eu não tenho um centavo mais. Tô desesperado. Fui tentar cobrar um mauricinho de outro período e o cara me desceu a lenha. Depois a Ana fez questão de jogar na minha cara que era tudo uma armação dela. Agora, além de tudo estou com cara de idiota perante a todos na universidade.
_Cara, como é que você pôde se meter nisso tudo?!
_Eu... sou um lixo.
_Você já tinha usado antes que eu sei, mas e agora, porque voltou? Não existe explicação decente para isso, mas agora é a hora de você me contar tudo.
_Teve um dia em que eu saí com uma galera do quinto período, e fomos a uma festinha e lá os caras me convenceram a usar. Fumei alguns cigarros, e depois peguei gosto. Comprei de quem eles me recomendaram, mas eu já os conhecia. E quando eu conheci a Ana, logo não me dei bem com ela, e assim começaram os problemas. Eu quis sair e para eu me ferrar ela fez os caras aumentar e minha dívida. O resto, vocês já sabem.
_Puta merda! Seu idiota, eu deveria te dar uma surra também! Será que você não viu o que aconteceu com o Manoel? Pelo menos ele conseguiu sair, e você?! O que vai acontecer agora?
_Eu vou continuar trabalhando de cobrador pra eles, até eu pagar a dívida. Mas eles nunca dizem o valor, só mandam eu ir fazer o meu serviço.
_Você é um burro! Como assim não dizem o valor? Cara, tá louco? Eu não posso acreditar que você está numa dessas. Agora, seja sincero, você ainda está usando alguma droga? Seja sincero, nossa amizade depende disso.
_Não! Eu sei que você não tem motivo para acreditar em mim, mas eu estou limpo! Nem pensar eu quero aquelas merdas de novo! Só quero me livrar desse povo.
_Primeiro passo, você vai contar tudo pros seus pais.
_Eu não posso! Eles vão me matar!
_Se não for eles, vai acabar sendo algum dos amigos da Ana. Você irá fazer isso amanhã, depois da aula. Eu vou com você até sua casa, e lá vamos conversar e encontrar uma solução.
_Rafael, eu não posso! Vou morrer de vergonha e...
_Olhe para você mesmo no espelho! A vergonha é continuar sendo submisso de pessoas que deveriam estar atrás das grades.
Depois de muita conversa e novas revelações, o convenci a contar para os pais dele no próximo dia. Depois que ele saiu, peguei as chaves do carro.
_Onde você vai?
_Murilo, eu vou até o beco.
_Bebeu? Não, lá você não vai! Tá louco, eles vão te arrebentar!
_Eu sei que isso é possível, mas eu não posso dormir hoje sabendo que aquele idiota está correndo risco a cada segundo.
_Mas o que você vai fazer? Dar uma surra nos caras ou pedir por favor? Fala sério!
_Eu vou pagar essa dívida.
_Hã? Perdeu o juízo? Deve ser um bom dinheiro! Como você vai pagar?
_Eu tenho um dinheiro guardado. Meu pai tem aumentado a minha mesada, eu estava economizando para qualquer coisa que eu quisesse fazer, mas vou ter que gastar esse dinheiro. Não tenho escolha!
_Se é assim eu vou ter que ajudar também. Tenho algum dinheiro guardado também.
_Sendo assim, vamos.
No caminho fomos discutindo a melhor forma de negociar a situação com eles. As possibilidades eram assustadoras, mas...
Chegando lá, entramos no bar que eles costumavam ficar. Ao perceberem nossa presença, quem estava sentado levantou-se, e os que assim já estavam cruzaram os braços com uma cara carrancuda.
O cara que havia socado o Murilo na festa abriu caminho em nossa direção. A cada passo que ele dava meu medo aumentava, mas agora era tarde. Estávamos a mercê de todos aqueles delinquentes.
_Ora! O que temos aqui? O casal gay mais fofinho que já vimos! E aí bichas, o que querem? Um baseado para transarem a noite toda como vadias loucas? Sejam bem vindos!
_Estamos aqui para tratar sobre a dívida do nosso amigo, o Victor.
_Ummm, ele nos deve um dinheiro mesmo. Fiquei sabendo da surra que o babaca levou. Mas vão tratar sobre o que? Pagar?
_Exatamente.
_Interessante. Vou chamar o chefe. Pessoal, de olho nesses dois – disse ele saindo – ah, e antes que eu me esqueça, um conselho: não banquem os idiotas com o cara. Tiveram sorte que ele está de bom humor hoje.
Tivemos que esperar longos minutos em silêncio sendo observados por olhares raivosos. Quando o “simpático” atendente chegou com o chefe, apenas estalou os dedos e todos os outros saíram da sala, inclusive ele mesmo.
O chefão estava diante de nós, aparentando estar entediado. Nos encarou, e após apagar um cigarro e jogá-lo no chão, sinalizou para que nos sentássemos em uma mesa próxima. Obedecemos, e em seguida ele se sentou à nossa frente.
_Então querem quitar o débito do amigo de vocês? Adoro fazer negócios.
_Bom, primeiramente gostaríamos de saber de quanto se trata.
_Valores são coisas muito exatas meu chapa, isso é complicado.
_Mas então como fazemos?
Ele pensou um pouco, então mandou uma mensagem pelo celular. Depois nos encarou de novo.
_Já que estão dispostos, que seja. Dez mil.
Quase tive um infarto.
_O quê? Mas isso é muita coisa!
_Você sabe, os juros são altos nesse nosso ramo. Além do mais, ele não tem feito um bom serviço cobrando os outros drogadinhos de lá da universidade. Isso me faz perder a paciência. E tem mais, a conhecida de vocês, a Aninha, avisou que era para tirar tudo dele. Como eu sei que ele já não tem nada.... aceito o dinheiro de vocês.
_E se nós pagarmos essa quantia, quais as garantias de que vocês não irão importuná-lo novamente?
_Negócio é negócio. Eu só quero dinheiro. Nada mais. Se vocês mês pagarem, eu deixo o cara em paz. Pode crer.
_E como nós acertamos o pagamento da quantia? De que forma nós vamos te pagar.
_Dinheiro vivo. Eu garanto a vocês, que se ficarem de boca fechada me derem o dinheiro, eu deixo todos em paz. Meu lance é grana, se me derem isso, podem cuidar da vida de vocês do jeito que quiserem.
_Certo. Mas se hipoteticamente, a Ana intervir na situação, o que acontece?
_Nada. Ela é só uma vadia que eu como de vez em quando. Como a quantia é alta, ela não tem nada que se meter na história. Então, temos um acordo?
_Esse valor, não pode ser menos?
_Não, sem descontos.
_Sendo assim, retornaremos amanhã com o dinheiro.
_Vou esperar.
Assim fomos para casa. Dez mil reais era muito dinheiro, um pouco mais do que nós tínhamos juntando todas as nossas economias. Tive que ligar para o meu pai e mentir que eu iria fazer uma viagem, e que portanto precisaria de mais dinheiro. O Murilo fez o mesmo, e dessa forma, no outro dia fomos até o banco retirar a “grana” de nossas contas. O atendente do caixa não queria liberar o dinheiro, por questões de segurança e tal, então tivemos que mentir no banco que iríamos comprar uma moto naquele dia, e que portanto necessitávamos do dinheiro. O Gerente ainda argumentou, mas conseguimos. Após a aula, prometi ao Victor que iria passar em sua casa após as 20 horas. Dessa forma, o Murilo e eu teríamos tempo para pagar a dívida dele. Quando ele descobrisse seriam mais problemas...
Ao chegar no bar, logo fomos recebidos pelo chefão, que contou o dinheiro e reafirmou que não iria mais perseguir o Victor. Caso ele fosse fiel a suas palavras, seria um problema grande a menos.
Deixei o Murilo em casa porque que precisava estudar para um trabalho de um evento e parti rumo à casa do Victor.
Chegando lá fui recebido pela mãe dele, sempre sorridente e pelo seu pai que me tratava como um filho.
Quando o Victor contou a eles, a mãe dele chorou muito, o pai dele repetia diversas vezes que não conseguia acreditar. Por fim, com a ajuda de um calmante, a mãe dele dormiu. Depois que o pai do Victor deu um sermão nele, veio falar comigo.
_Rafael, o que eu vou fazer agora? Eu nunca imaginei que o meu filho estivesse envolvido em uma coisa dessas. Eu sabia que tinha algo errado, já que ele vendeu algumas coisas que ele gostava sem dar nenhuma satisfação, mas nunca iria imaginar...
_Eu sei. Também foi difícil para todos nós que somos amigos dele. Mesmo sendo algo duro, impus a eles que tudo deveria ser contado a vocês.
_E eu agradeço muito. Peso também que você me forneça o endereço desses marginais.
_Para que?
_Bom, eu vou ter que pagar essa dívida.
_Hã... quanto a isso, não será necessário.
_Porque? Não me diga que vocês...
_Sim, ontem nós pagamos tudo.
_Ah meu Deus que vergonha. É claro que vou ressarcir a todos, não importa a quantia.
_Depois vemos isso. Agora, acho que o senhor deveria ficar ao lado dele. Ele deve estar precisando.
_Claro, vou até o quarto dele. Mas quero agradecer a você e a todos que tiveram o interessem em ajudar. Muito obrigado mesmo.
Depois de sair de lá, me senti mais humano por poder ajudar uma pessoa importante para mim. Contei tudo ao Murilo, que quase não me deu atenção por ter que estudar. Dessa forma, fui ler um livro na varanda.
Já quase no horário de mim ir dormir, fui tomar banho. O Murilo já repousava tranquilamente. Foi quando bateram na porta. Da sala perguntei quem era, e a voz irritante da Ana soou como uma sirene.
_Abra a porta!!
.....
Pessoal, qualquer coisa enviem e-mail para
Até a próxima!