"Querido, não vai ser despedir da sua mãe não?", então era ela, com sua voz sutil, indo embora mais uma vez. Detestava quando minha mãe tinha que viajar, mal nos via, desde que eu lembre era assim, fui criado pelo meu irmão, e eu o criei. Mas não havia tempo para pensar em ressentimento, enxuguei meu rosto, fiz de tudo para disfarçar a cara de choro e abri a porta. Abracei minha mãe, não queria que ela fosse, não agora, me deixando sozinho com Rafael, quem eu mal consigo olhar nos olhos.
"Já estou atrasada, tenho que ir, mas logo volto, vou passar o Natal e o Ano Novo com vocês, seu pai também vem dessa vez, prometo!", "Tá certo, boa viagem mãe", "Te amo meu filho, cuida bem do Rafael", "Também, pode deixar", como se fosse possível eu cuidar bem dele, depois de tudo o que eu fiz. Voltei para o quarto, não para chorar, mas para ter um momento só para mim, evitar meu irmão e pensar no que eu fiz e no que devo fazer.
Já era horário de almoço quando Rafael bateu na porta do quarto, pela voz eu sabia que ele estava sentado do outro lado da porta, "Te procurei por toda a casa, por que você está trancado aí?", "Só gosto de ficar sozinho às vezes Rafa, só isso", "Eu sei que não é isso, mas eu respeito, não precisa me falar nada, mas vem comer". Abri a porta e lá estava ele, me estendendo a mão para que eu o levantasse, o que eu fiz e dei um abraço nele, fomos para a cozinha de mãos dadas. "Eu te amo", ele me disse, me dando um beijo na bochecha enquanto arrumava meu prato, o que foi bom, não tinha vontade de fazer nada, nem de comer. Rafael precisou insistir muito para que eu comesse metade do prato, depois desistiu, fui para minha cama, dormir, esquecer de tudo, deitei e senti Rafa abraçando minhas costas, seu corpo se colando no meu, ele me abraçava como se quisesse me consolar, sabia que eu estava muito mal. Deixei sua respiração me levar para o sono.
No dia seguinte teria aula e eu fui acordado por Rafael, que não parava de me olhar desconfiado, cumpriu o que disse, não perguntou nada. Aquilo realmente estava me matando, mas como eu falaria para ele? Impossível. Me arrumei e fui com Rafael para o colégio, minha perna já estava um pouco melhor e aguentei ir andando sem nenhum problema, chegando lá encontramos Lúcio, ver aquele homem ainda mexia comigo, as minhas memórias, minha vontade de estar novamente em seus braços e completar tudo, deixar ele me penetrar completamente. Porém isso tudo me lembrava Rafael, como isso me fez me sentir mal, resolvi então evitar meu professor, falando somente o necessário.
Dois meses já haviam se passado nisso, minha tristeza cada vez maior, era de partir o coração as reações de Lúcio toda vez que me afastava dele e me quebrava mais ainda estar tão perto do meu irmão e viver uma mentira, não sabia mais o que fazer, não tinha como fugir disso e também não tinha como melhorar. Passava dias escondendo o choro de Rafael, fugindo dele na casa, às vezes ficando o dia inteiro no colégio só para não estar ao seu lado. Por mais que eu fugisse, todos os dias meu irmão dormia comigo, tentando me fazer sentir melhor, mas nesse tempo inteiro não conseguiu, não me lembro de ter sorrido um dia sequer, isso estava desesperando meu irmão e eu só me arrependia cada vez mais, do que eu fiz com Lúcio, do que estava fazendo com Rafael, de estar perto dele.
Perto do último dia de aulas Renan falou com Rafael, queria chamar a gente para a festa que ele daria em sua casa, disse em que condomínio ficava e que seria no salão de festas do edifício. Meu irmão me disse, falou que Renan também me chamou e que confirmou que iríamos, "Não sei porque você fez isso Rafa, eu não vou", "Vai sim Lu, não aguento mais te ver assim, toda hora triste, nada que aconteça te deixa melhor", isso já estava me matando, ver meu irmão sempre tentando me animar e eu nunca conseguindo, "Olha, você vai estar lá comigo Lu, se você não gostar prometo que voltamos para casa, mas por favor, vamos", notei que Rafa estava com voz de choro e isso eu não conseguia suportar, aceitei nessas condições. Ele me abraçou tão forte, acho que nunca tinha sentido isso, retribuí e isso me deixou feliz, eu estava finalmente sorrindo, ao perceber, meu irmão me soltou olhou para mim, quase gargalhando de felicidade, não aguentei e comecei a rir também.
Depois dessa sessão de felicidade, de deixar meu irmão como ele merece, feliz, se sentindo bem, fui para a sala dos professores tirar minhas dúvidas em biologia como o usual, mas ao chegar lá encontrei uma sala vazia. Estranhei, mas mesmo assim continuei na sala, me sentei numa cadeira esperando alguém chegar, passou-se 10 minutos e a porta fez um barulho, alguém estava entrando e esse alguém tomou um susto, pois era nítido o súbito parar de respirar. Meus olhos demoraram um pouco para encontrar quem era que entrava na sala. Era o professor de matemática, Lúcio, me olhando, um tanto quanto temeroso. "Oi Lucas, como você está? Sua perna está melhor?", "Está sim", respondi friamente, tentando evitar olhar nos seus olhos. Senti Lúcio chegar perto de mim, segurando meu rosto e me fazendo olhar no seu, ele passou alguns segundo nisso, até que me levantou, me levou até a parede, me beijando.
Seu beijo era forte, cheio de vontade, me envolvia em seus braços e eu não conseguia resistir, o abracei, sentindo todo seu corpo colando no meu, sua respiração ofegante. Ele me levou para a mesa, me deitando nela, beijando meu pescoço e tirando minha camisa, correu para a porta e a trancou, beijava meu corpo, me fazendo não pensar em mais nada, sua barba em contato com minha barriga me arrepiando. Lúcio já havia tirado sua camisa quando meu pensamento voltava ao normal, eu não podia fazer aquilo, era errado, não só porque eu achava que era errado estar assim com um homem, mas porque não era ele quem eu realmente amava. Na verdade, não sabia quem eu amava de fato, nunca tinha sentido algo assim. Afastei a cabeça de Lúcio do meu corpo, retomando minha mente, "Não dá Lúcio, me desculpe, não tenho nem pensado nisso, tenho fugido de você, não consigo, não acho isso certo", "O que? Mas por que não seria? Você quer, eu sei que quer, eu também quero, te quero muito", ele falou tentando me beijar de novo, mas eu recuei.
"Eu não entendo isso tudo Lúcio, é demais para mim, não consigo lidar, me desculpa", "Ok Lucas, não vou te forçar a nada, mas não quero que se afaste de mim do modo que fez, e também não quero mais ver você daquele jeito que veio agindo, você se tornou um dos meus melhores amigos e simplesmente sumiu. Eu te a... Esquece, mas vamos começar de novo, nossa amizade, quero que você tenha certeza de tudo, de quem você é e do que gosta, quero te ajudar no que for preciso. Toma sua camisa, vamos sair antes que chegue alguém, seria bem estranha essa situação mesmo haha", ver ele sorrir depois de tudo que disse foi animador, ele apertou minha mão fortemente, como bons amigos fazem, vestiu sua camisa, abriu a porta e deu dois tapas no meu ombro, indicando que era a hora para a gente sair.
Voltei para casa com meu irmão, que estava sorrindo como nunca, me contando sobre as pessoas do colégio, como elas agiam de forma engraçada, as críticas dele só me faziam rir, às vezes muito alto. Quando isso acontecia ele parava de caminhar e ficava me encarando, rindo, "Sabe, dá até para fazer comédia com a sua risada, feia demais hahaha", "Seu idiota, minha risada é melhor que a sua haha", "Seu sonho Lu, você às vezes ri como porco", e começou a imitar minha risada, a gente não parava de rir.
Chegou a hora da festa, nos arrumamos e eu ainda estava bem animado, nos dançamos em casa, ensaiando o que faríamos lá, Rafael tentava me ajudar, eu danço terrivelmente mal, enquanto ele dança muito bem. Até que começou a tocar uma música lenta e depois de uns minutos dançando senti ele ficar sério e parou a música, "Vamos, senão a gente vai se atrasar Lu", "Tudo bem, vamos". Chegando lá cumprimentamos todo mundo e fomos nos divertir, dançamos muito com nossos amigos, Rafael começou a beber um pouco, então fui fazer o mesmo, pela primeira vez senti o gosto amargo da cerveja, detestei e não consegui engolir tudo, meus amigos começaram a rir de mim, o que eu também fiz. Rafael apareceu do meu lado com duas taças de vinho, "Aqui Lu, experimenta isso, vai gostar", ele me entregou uma taça e fez a gente brindar, "À nós, e à festa, é claro haha", brindamos e eu bebi, um gosto forte, descendo pela minha garganta e esquentando tudo, parecendo um fogo dentro de mim, queimando de uma forma boa minha barriga. Mais um goles disso e eu já estava sem me concentrar direito, perdendo o foco das coisas e rindo sem motivo. Achei um tanto quanto desagradável, mas com meus amigos por perto, me senti confortável. Fui para a cozinha ajudar Renan a arrumar mais comidas, ele estava bem mais bêbado do que eu, tropeçava bastante e não parava de rir, falando das meninas da sala e me confessou que Marcela, uma garota linda, gostava de mim. Gostei dessa informação, foi como uma injeção de autoestima, não sei, a imagem dela na minha cabeça me fez sorrir e eu não consegui disfarçar meu interesse, talvez pelo efeito do vinho. "Sabia que você ia gostar, quando ela chegar falo que você também está interessado nela haha", fiquei vermelho, senti meu rosto quente e minhas mãos suarem, "Não Renan, não fala nada, se for para falar, eu que falo!", "Deve entender de cantada mesmo né Lucas? Senhor das mulheres hahaha", ficamos rindo enquanto arrumávamos o resto e logo voltei para a festa, me deparei com Amanda chegando na porta, Marcela na portaria, meu coração acelerando, de raiva e ansiedade, procurei meu irmão e o encontrei beijando uma garota, que nem eu nem ele conhecíamos.
Ele não beijava de um jeito normal, ele a beijava como se não houvesse mais ninguém ao redor, puxava seu vestido para cima, passando a mão em suas pernas, com a outra mão em sua nuca, segurando forte os cabelos. As mãos dela passeavam pelo seu corpo, apertavam sua bunda, colando sua cintura na dele. Senti vergonha disso, devia ser a quantidade de álcool que ele havia consumido, e junto com a vergonha veio a raiva e o ciúmes. "Seu irmão nunca me enganou com aquela cara de santo, aliás, nenhum de vocês. Mas ridícula essa visão, não acha que eles deviam conseguir um quarto não? Vou falar com Renan, já que ele chamou a maior cachorra da cidade, devia disponibilizar um quarto para todos que vão transar com ela na festa.", era Amanda falando no meu ouvido, com um sorriso cínico no rosto. Como ela conseguia ser tão odiosa? Mas por mais irritante que isso fosse, era verdade o que ela dizia, estava ridícula a cena. Marcela já estava subindo e encontrar com ela era a última coisa que eu queria, não nesse momento, com essa raiva e com meu irmão me fazendo passar tanta vergonha. Meus pensamentos estavam confusos e minha língua travando, Entrei no elevador, me despedindo de Amanda, "Você está certa.", só pude ver sua cara de surpresa com a porta do elevador fechando.
Botei o elevador para subir para o último andar, precisava de tempo para pensar, me sentia fraco e sentei no chão. Como Rafael podia ser tão idiota? Parecia que ele estava fazendo sexo na frente de todo mundo, sentia tanta vergonha, minha cabeça doía e eu começava a sentir as primeiras lágrimas caindo dos meus olhos. Lembrei do que Lúcio estava para dizer, do que ele não conseguiu terminar por medo de me fazer mal. Agora eu tinha o amor de um homem na minha consciência, pesando muito. E a raiva do meu irmão, que agora eu admitia que eram ciúmes.
Lembrei de Marcela subindo, da vontade que eu tinha de estar com ela, de como ela sempre foi gentil comigo e da oportunidade que eu estava perdendo preso naquele elevador. Pensei na raiva que tive ao admitir que Amanda estava certa.
Culpa, ciúmes, nervosismo e raiva, coisas demais para se sentir no efeito de álcool, quando o elevador abriu eu já estava soluçando. Saí rapidamente, como se estivesse fugindo de lá, como se tudo de ruim estivesse no elevador. Corri para a escada que levava para o teto do prédio, felizmente não era uma cobertura e a porta estava aberta. Ao chegar lá senti o frio e o vento secarem minhas lágrimas. A lua estava imensa lá em cima, entendi porque as pessoas adoram prédios, é tão mais silencioso, mais bonito, mais assustador. Ouvir meus pensamentos era aterrorizador, estava tão confuso, tantas imagens na minha cabeça, Lúcio quase dizendo que me ama, Marcela segurando minha mão para me levar para o teste de física, meu irmão me acordando e então beijando uma menina de forma ridícula, fui apenas andando para frente, chegando no parapeito do prédio.
Olhei para baixo, era extremamente alto, as pessoas e carros pareciam brinquedos minúsculos, ou formigas, era bonito isso. Subi no parapeito, isso me deu uma sensação de liberdade enorme, então podia ser aquela a fuga de tudo isso, do sofrimento, de ver meu irmão preocupado, de vê-lo se transformar em um idiota, de fazer mal à Lúcio e depois à Marcela, de sentir falta dos meus pais, de ter que admitir que Amanda era a única que pensava como eu. Dei mais um passo adiante, sentindo metade do meu pé já no ar. Chorava, mas não era mais de medo, era de nunca mais ver quem eu amava, de não saber o que seria do meu futuro depois disso. Novamente se formava uma voz atrás de mim, gritando desesperadamente, chorando, pedindo para parar, mas eu não queria parar, meu outro pé já se mexia só quando uma mão me alcançou, eu sempre soube quem era.
Rafael me puxou com força, caímos no chão, ele estava chorando, desesperado, não conseguia mais falar nada, me abraçava e me batia enquanto eu não fazia nada a não ser olhar assustado para ele. Levou mais de uma hora para o choro dele diminuir um pouco, mas ele não parou de chorar até eu o abraçar com força, passamos algumas horas assim, sem falar nada. Ele começou a cair no sono quando eu o acordei.
"Por que você fez isso? Como soube onde me achar?", "Eu não seria capaz de viver sem você, você é a única pessoa que eu tenho, é como se nossas almas fossem uma só, se você não estiver aqui, também não estarei. Eu te entendo mais do que você pode, quando não te vi mais na festa de alguma forma sabia que você estaria aqui, só precisei subir para ter certeza.", ele parou de falar e voltou a chorar, "seu idiota, nunca mias faça isso" e me bateu de novo, mas logo me abraçou e me beijou na bochecha.
Só consegui pedir desculpas e falei que achava o céu incrível quando visto de perto, ele concordou e ficamos abraçados ali até começar a chegar o dia. "Vem, vamos para casa. Já está na hora, e eu já fiz besteira demais nessa festa, me desculpe por ter agido assim", ele me falou enquanto me levantava. "Te amo", falei enquanto o abraçava, queria dizer que o amava mais que tudo, que também não viveria sem ele, mas não conseguia, minha língua travava, descemos e nos despedimos de quem ainda estava na festa, vi Marcela ajudando a arrumar os restos, mas não conseguiria falar com ela. Voltei para casa com meu melhor amigo, a única pessoa que não viveria sem mim, meu irmão.