Eu estava bem, eu estava extremamente bem. Tinha vidas múltiplas, uma face e uma história para cada pessoa que eu conheço e principalmente uma para cada pessoa por quem eu tenho sentimentos, seja bons ou ruins. Era o filho perfeito para os meus pais, estava lutando contra duas doenças, uma que era realmente ruim e a outra era apenas uma “doença”, uma característica que eles queriam que não pertencesse mais a mim. Poucas pessoas sabiam dessa “doença” na minha escola, todas elas me aceitavam e até umas gostavam que eu fosse assim e isso me deixava surpreso, porém feliz, pois meus pais viviam dizendo que quando soubessem dela, ninguém me respeitaria, mas aconteceu o contrário.
Mesmo depois disso, não encontrei o meu “destino”, tudo parecia para mim que logo teria fim. Eu era um bom aluno, porém não tinha um sonho para o futuro que estava vindo. Eu sentia que nada seria como eu queria, eu esperava que a qualquer momento tudo se transformasse, às vezes eu sonhava com uma mudança repentina, dinâmica e frenética, já outras vezes, eu pressentia e temia que a qualquer hora tudo desabasse em cima de mim. Eu pensava fugir de locais que me traziam sentimentos bons, mas as pessoas que frequentava não eram verdadeiras comigo. Eu queria fugir de tudo, queria ficar sozinho, queria entrar nas histórias que lia ou via.
Então finalmente aconteceu, ontem, num dia qualquer na escola, num debate qualquer na aula de redação. Um garoto que eu já não suportava (vivia dando em cima de uma amiga minha, que foi a minha primeira paixonite infantil) falou da minha “doença”. Ele dizia com nojo que crianças não podiam ver pessoas como eu, então o pior aconteceu, um grupo na sala aplaudiu, a professora ficou irritada, eu fiquei mais irritado. Não aguentei, explodi, algumas pessoas me defenderam (esperei que a pessoa que eu amava também me defendesse), mas a maioria riu de mim pelas costas. Pronto, agora se tinham dúvidas, eu quebrei todas elas.
Tive que voltar para escola de tarde, algumas pessoas me olhavam estranhas e ainda no fim, meu único melhor amigo me alertou que todos já estavam comentando sobre mim, ele mostrou-se completamente pronto para me ajudar, mesmo ele estando um pouco de fora si naquele momento, eu acreditei nele. Voltei para casa, falei um pouco com as pessoas que eu amo e fui dormir, dividindo o meu quarto com minha mãe e meus dois sobrinhos.
Acordei hoje um pouco cedo, meus sobrinhos estavam em casa ainda, a mais velha estava dormindo, preparei meu café e fiz um sanduiche para ela. Meu irmão chegou, ele ainda não falava comigo direito, eu via decepção dele, ele sabia da minha “doença”. Minha sobrinha acordou e o seu pai esqueceu-se de dar bom dia, ninguém prestou atenção nela. Não conseguir ver a cena, preparei o leite com achocolatado dela, peguei o seu sanduiche e entreguei para ela com um sorriso. Todos saíram da casa, aproveitei e li um pouco sobre histórias de meus “semelhantes”. O tempo passou e comecei a estudar para a prova que teria no outro dia, ela seria o que decidiria meu próximo ano, eu tinha condições, mas a bolsa escolar facilitava minha vida.
Preparei meu almoço e do meu pai, pedi que ele fosse lavar o que estava sujo na pia. Fiquei no computador, estudando um pouco mais e me divertindo também. Mais tarde, vi que meu pai não tinha lavado a louça. Coloquei meus fones e ouvi pessoas mais “doentes” do que eu e as admirava, achava que elas sim eram corajosas. Quando terminei, eu estava empolgado, dançava e deixava o que estava em mim extravasar, meu pai me flagrou, porém nada falou, só pediu um favor e voltou a dormir.
Minha mãe chegou, começou a falar mal de pessoas que ela amava, pessoas “abençoadas” como ela. Ela de repente, perguntou sobre minha “doença”, perguntou se eu estava “curado”. Fiquei quieto, enquanto ela e meu pai discursavam que eu precisava me render a “luz” deles e eu ficaria “normal” e “curado”. Perguntaram se alguém já sabia dela, eu menti dizendo que não, estava com medo. Decidi continuar mentindo para eles, sorrindo fingindo que estava tudo bem. Eu não sei o que vai acontecer daqui para frente, eu só peço a “luz” que eu acredito, a “luz “ que meus pais dizem conhecer, que o meu futuro seja melhor e que finalmente a minha “doença” não seja considerada mais uma doença, pois eu sei que essa luz não me condenará por eu ser simplesmente eu...
E até hoje não condenou :) Decidi escrever o que aconteceu depois desse desabafo! Aguardem.