Aqui é o autor! Desculpem-me, pessoal. Não cumpri o prazo prometido mas aqui está a parte final do quinto capítulo. Quero agradecer pelos votos e comentários. Especialmente pelas fortes palavras de alguns que até me deixam emocionado. O melhor prêmio de um autor de uma história é saber que sua criação está sendo tão apreciada.
É isso! Boa leitura.
***
OS TRÊS ESTADOS DE AGREGAÇÃO
PARTE 3: GASOSO
Chega sempre em um momento em que temos que nos tornarmos mais esquivos, menos dependentes, como moléculas em um sistema gasoso. Algumas pessoas já nascem para ser assim, mas para pessoas como eu, é necessário um superaquecimento para chegar a esse estado. Um estado onde as relações não importam mais, onde nada mais importa...
Felizmente, eu nunca havia sofrido coisa do tipo. Nunca precisei esquivar de situações. No entanto, é claro que ninguém é perfeito.
Mas naquela manhã acordei me sentindo muito bem. No dia anterior, eu havia ido para o shopping com Apolo e conversamos sobre filmes, livros, sobre a vida de cada um, mas nada muito aprofundado. Apolo ainda era muito fechado, mas era bastante compreensível. Descobri coisas como o curso que ele realmente queria, embora Augusto já houvesse me contado. Sua idade era 19 anos, ficara o ano anterior em greve de estudo após terminar o terceiro ano em revolta pela imposição do pai. Naquele ano, porém, ele não tinha mais escolha: ou se formava logo para se livrar de Aquiles ou ficaria dependente. Para esse fim, aceitou entrar no cursinho do Ômega, seu pai arranjou uma vaga na Pro (embora Apolo não fosse bom em algumas matérias) e houve um pacto: Apolo passaria em medicina e depois poderia escolher fazer o que quisesse.
De fato, aquela era uma situação complicada. E eu tinha ganhado o dever de ensinar-lhe as matérias que ele menos sabia. Eu faria tudo o que eu pudesse para que ele passasse.
Após a conversa, voltamos ao colégio, nos despedimos e cada um foi para um lugar. O que eu sentia em relação a Apolo? Nem eu sabia. O jeito desinteressado e intelectual dele me fascinava de certa forma, eu gostava de estar perto dele, saber sobre ele. Sem falar que Apolo tinha a aparência de um verdadeiro deus, com braços fortes, pele branca que brilhava ao sol, peitoral, abdomen e costas que, mesmo por cima da camiseta, eu poderia afirmar serem cuidadosamente esculpidos. O rosto com aquele maxilar perfeito e másculo, a barba mal feita...
Tudo isso belo e inalcançável.
Reuni forças para levantar e ir tomar um bom banho quente. Hoje eu daria aula na Pro. Veria ele novamente na escola.
"Esquece isso..."
Eu havia decidido não ligar para Thiago, o doutor maravilha, mas estava caindo de amor (ou pseudo-amor) por um aluno e filho do diretor mais sombrio que eu já vira. Por alguma razão, minha típica desconfiança não recaía sobre Apolo. "O que é que ele tem de especial?" eu me perguntava.
Terminei o banho, vesti uma camisa social azul levemente justa (coisa que raramente acho devido ao meu tamanho), uma calça jeans preta e um tênis casual preto e branco. Desci para a cozinha e tomei meu café da manhã em silêncio, pensando nas confusões da minha mente.
_Tá muito quieto, Kevin. Aconteceu alguma coisa? - perguntou minha mãe enquanto trazia um copo de suco para mim.
_Não, mãe... nada aconteceu.
Mas aconteceria.
***
Novo dia de trabalho. Apesar de estar pensativo, sorria para os alunos. Cheguei à sala dos professores, coloquei minhas chaves em meu armário e vesti meu jaleco. Peguei um copinho de café e adociquei-o. Alguns alunos surgiram querendo explicações de diversos exercícios, os quais resolvi com prazer.
Lembrei que tinha que falar com Aquiles sobre a proposta de emprego do Núcleo. Talvez pudesse haver mudanças de horário nas aulas de Apolo ou de meus plantões na tarde. Bati em sua porta e ouvi ele permitindo a entrada. Ao entrar, vi que Aquiles escrevia alguma coisa em alguns papéis. Coisa de diretoria, provavelmente.
_Olá, Sr. Aquiles, vim falar sobre...
_Eu já sei, Kevin. O maldito do Pascal quer você na equipe dele.
Fiquei surpreso. As direções dos colégios estavam realmente conectadas.
_Sim... estou pensando em aceitar, então tenho que ver se os horários de plantões e as aulas de Apolo vão mudar. Vou organizar de modo que as aulas matinais não mudem.
Aquiles me encarava assustadoramente e parecia analisar tudo.
_Não vou dizer que gosto da ideia de dividir você com outros colégios.
Quando ele falou daquela forma, ficou parecendo que eu era um tipo de objeto. E sou, na verdade. Um professor é o mais importante investimento da escola.
_Mas não posso impedir que aceite. - ele disse - Embora possa te oferecer um acordo. Se você aceitar ser exclusivo do Ômega, poderá ter um aumento no salário e um contrato por um tempo a ser determinado.
Bom... aquilo tinha suas vantagens. Trabalhar pelo mesmo tempo por uma quantia maior e sem risco de ser despedido. Ir para o Núcleo garantiria a mim um bom salário, mas com carga horária maior. Apesar disso, trabalhar em outros colégios poderia tornar-me mais conhecido e com mais chances de conseguir mais oportunidades.
_Eu vou pensar a respeito, Sr. Aquiles.
_Certo. E aproveitarei para dizer outra coisa, Kevin.
Seu rosto naquele momento se tornou ainda mais sombrio, um certo ódio contido prestes a explodir. Ainda assim, ele manteve o tom calmo.
_Quero que saia de perto do meu filho. Não dará mais aulas particulares a ele, não conversará mais com ele. - eu ficava cada vez mais chocado a medida em que ele falava - E não irá mais em shoppings com ele.
Aquele foi o ápice. Como Aquiles poderia saber que eu Apolo havíamos ido ao shopping no dia anterior. Alguém o contara, talvez o próprio Apolo, talvez outra pessoa.
_Nós só fomos conversar, Sr. Aquiles. - tentei amenizar as coisas, e aquilo era verdade.
_Não quero saber. Não tenho problemas com homossexualidade, mas não quero meu filho sendo influenciado.
Como é que ele poderia saber sobre minha orientação?
_Acho que o senhor está sendo precipitado...
_Não, eu não estou. Está estampado na sua cara. Na forma como age, como conversa. Não tenho problemas com isso, mas meu filho não seguirá o mesmo caminho.
_Eu não quero influenciar o Apolo.
_Não estou dizendo que você quer... - Aquiles travou por um instante, como se pensasse se diria ou não alguma coisa - O Apolo passou a agir de forma... diferente, de uns tempos para cá. Depois que te conheceu, para ser mais específico. Ele estuda mais, conversa mais, e o pior, admira você.
O que senti ali foi um misto de alegria por ouvir aquilo e algo diferente. Algo mais profundo. Porém, ainda não havia me livrado da situação com Aquiles.
_Então você vai fazer o quê? Pedir para que eu simplesmente ignore seu filho daqui para frente? - eu perguntei meio revoltado, perdendo a compostura.
_Exatamente. Quero que você se torne indiferente em relação a ele. Nada melhor do que a indiferença para fazer com que ele não queira nem saber de você.
Eu estava chocado. Aquiles dizia aquilo com uma naturalidade assustadora. Que tipo de pai era aquele, tramando a vida do filho por trás das cortinas? Mas no fim das contas, eu não tinha escolha, como ele deixou bem claro a seguir:
_Kevin, esse não é um assunto profissional. É uma questão pessoal. Mas se você não cumprir as regras, eu posso acabar com a sua carreira como professor.
Aquele foi o soco que faltava para me nocautear. Não sei como estava meu rosto naquele momento, mas provavelmente era uma máscara de apatia. Não queria demonstrar nada, não podia. Não adiantaria.
Saí da sala de Aquiles mecanicamente. O sino havia acabado de tocar, eu tinha que ir para a sala Pro. Para onde Apolo estaria.
Augusto surgiu ao meu lado enquanto eu me encaminhava para a Pro.
_E aí, criança! - ele notou meu rosto robótico - Aconteceu alguma coisa?
Não havia porque dizer a ele. E nem poderia, eu acho.
_Não. Só estou cansado. - eu respondi.
_Hum... bom, trate de se animar. Seus alunos provavelmente não vão gostar de te ver assim.
Era verdade. Mas não conseguiria agir normalmente. Ainda mais na Pro.
_Certo. Valeu, Augusto. - eu disse.
Ele passou a mão em minhas costas, como se me confortasse, e fomos para caminhos diferentes. Augusto era um bom amigo.
Cheguei à sala mais importante do colégio. Respirei fundo antes entrar, aquilo mais parecia com a primeira vez que eu ali dera aula. Ao abrir a porta, a primeira coisa que vi foi Apolo no seu lugar na frente, bem na fileira central. Ele me viu e abriu um sorriso. Não retribui, continuei com o rosto morto.
Subi no tablado e olhei para a turma tentando tirar Apolo de meu campo de visão.
_Bom dia. Vamos ver condutores esféricos e capacitância hoje. Já mandei uma lista de exercícios e aula que vem resolveremos ela, então se preparem.
Alguns alunos olhavam-me com uma cara estranha. Mas a mais preocupada era Apolo. E não era para menos. Eu não costumava agir daquela maneira. Eu estava sempre com um sorriso e com animação ao dar aulas. Será que eu não conseguiria voltar ao que era antes? Não... eu não podia sucumbir àquilo.
Não havia nada a fazer, então a única coisa que me restava era continuar sendo quem eu sempre fui para manter minha carreira.
***
O recreio demorou o que parecia três séculos para chegar, mas após três aulas, eu finalmente me via livre por trinta minutos. Eu queria comer algo açucarado desesperadamente. Chocolate, balas, biscoitos, qualquer coisa.
Na cantina, felizmente, eles vendiam KitKat. Comprei três. Pode até parecer, mas não sou gordo. Só como doces dessa forma quando estou abalado.
_Ei, professor!
Era a voz de Apolo. Estagnei no mesmo momento. Ele estava atrás de mim. Talvez alguns poucos metros. O que eu faria?
_Sim? - perguntei ao me virar, com o rosto mais indiferente que pude fazer.
_Você está bem? - perguntou ele.
_Normal.
Apolo olhou para mim com um olhar desconfiado.
_Não parece.
Fiquei em silêncio. Apolo estava lindo como sempre, com os cabelos negros curtinhos bagunçados, uniforme e calças jeans que ficavam perfeitas nele.
_Bom... eu queria te chamar para assistir uns filmes. Você disse que não gosta dos mesmos diretores, então alguém tem que te mostrar o que é qualidade. - ele disse com um sorriso zombeteiro.
Eu estava na pior situação de toda a minha vida. Descobri naquele momento o quanto queria me aproximar de Apolo. Amizade? Namoro? Talvez eu estivesse sendo muito precipitado. Eu só queria conversar com ele, ficar mais próximo dele.
_Desculpe, Apolo.
Não consegui conter a dor em mim. Meu rosto provavelmente a transpareceu, porque Apolo ficou assustado.
_Professor, o que foi? - ele perguntou preocupado e se aproximando.
Dei alguns passos para trás. Eu tinha que fugir, eu queria chorar. Depois de tanto tempo sem derramar uma lágrima sequer, eu me via em uma situação em que a única solução parecia ser sentar em um canto e cair em prantos.
_Tenho que ir. - eu disse procurando sair dali.
Virei-me sem esperar resposta. Andei em marcha rápida, até sentir um aperto em meu ombro.
_Espera, Kevin! - disse Apolo virando-me para ele - O que aconteceu?
_Não aconteceu nada. Só estou com pressa.
Apolo poderia me segurar ali ou me carregar com sua força, mas ele afrouxou o aperto, do qual me desvencilei. Deixei-o parado ali, enquanto quase corria para a sala dos professores.
Tudo estava entrando em ebulição. Eu não conseguia pensar direito, só em Apolo. A imagem dele parado e confuso se distanciando ficou em minha mente.
Entrei na sala dos professores e fui direto para o banheiro. Lá, as lágrimas saíram como se há muito ansiassem por isso. Meu rosto ficou vermelho, meu nariz começou a escorrer e o gosto de lágrimas invadiu minha boca. Encurvei-me sobre a pia com a mão na boca para abafar o som dos suspiros. Meus olhos ficariam um pouco inchados, certamente, e meu nariz sempre fica avermelhado por um tempo depois de chorar.
Com o tempo, fui me acalmando. Felizmente, ninguém quisera vir ao banheiro, que era individual. Lavei meu rosto. Algo novo estava surgindo dentro de mim. Algo quente.
Algo que parecia ódio.
"Aquiles vai me pagar..." pensei. Eu não sou vingativo ou violento, mas as coisas estavam realmente difíceis e Aquiles tinha feito uma bagunça em minha vida.
Aquele novo "fogo" fornecia energia suficiente para me tornar um verdadeiro vapor quente. Evasivo e destrutivo.
Tornar-se gasoso pode ser bom em algumas ocasiões. Em outras, porém, tornamo-nos assim por simples instinto e pressão do meio. Meu caso era um misto das duas causas. Aquiles não controlaria tudo, não dessa vez.
Saí do banheiro e fui até a sala do diretor. Entrei sem bater.
_Onde está a educação, professor Kevin? - disse ele sem tirar os olhos da tela do seu notebook.
_Olá novamente, senhor Aquiles. Vim dizer que aceitarei a proposta de Pascal e serei professor do Núcleo.
Aquiles era algo engraçado. As duas coisas que mais pareciam importar para ele era aquele colégio e seu filho. Seus olhos se moveram da tela para mim, ele parecia interessado agora. Mas, infelizmente para ele, eu era gás, sem forma definida, sem maneiras de segurar. Começou a dizer:
_Por que não discutimos um contrato de exclusividade e...
_Eu trarei informações sobre meus novos horários para possíveis adaptações. - eu o interrompi.
Aquiles provavelmente não gostava de ser contestado e muito menos interrompido. Seu rosto se fechou mais que o normal. Finalmente ele sentia o ardor de ser queimado.
_É só isso. Tenha um bom dia. - eu disse indiferente.
_Você está misturando negócios e vida pessoal, Sr. Kevin.
_Estou? - fiz uma cara de surpresa irônica.
_Não se faça de idiota, garoto. Só por causa da questão com Apolo, você... - ele parecia realmente raivoso agora.
_Espere, Sr. Aquiles. Eu não conheço nenhum Apolo. Tenho muitos alunos, talvez eu ainda não tenha gravado o nome deste. - eu disse inocentemente com um sorrisinho falso.
Aquiles deve ter percebido que a conversa não levaria a lugar algum, assim como tentar agarrar a atmosfera com as mãos. Eu estava sendo corajoso ao brincar com sua cara, e ele certamente não gostava daquilo. Mas eu simplesmente não poderia deixá-lo sair totalmente livre daquela situação.
_Tenho que ir.
Saí e fechei a porta. Sentei no sofá e peguei um Kit Kat no bolso do meu jaleco. Abri-o e dei uma mordida. Peguei o celular para ver mensagens quando lembrei-me de Thiago.
Gases participam de reações com mais facilidade, permitindo-se interagir mais livremente com a matéria. Talvez eu devesse tentar também. Pelo menos uma vez me permitir viver algo novo.
Fui até os contatos e decidi mandar uma mensagem para Thiago:
"Estranho. Seu número surgiu de repente no meu celular."
Alguns minutos depois a resposta chegou:
"Já estava achando que você iria me ignorar."
Dei outra mordida no Kit Kat. Era bom Thiago agir rápido antes que eu pensasse melhor. Antes que eu resfriasse e voltasse ao meu estado anterior.
E foi o que ele fez:
"Quer sair sábado à noite?"
Sorri. Mais uma mordida no chocolate.
Pensei no quanto seria bom poder controlar meus estados. Ser frio e duro como gelo, arrasador e esquivo como água líquida, destrutivo e furtivo como vapor quente. Quanto tempo levaria até que eu pudesse ter total controle sobre meus sentimentos?
Suspirei. O que é que eu estava pensando? Tornar-me um robô, algo programado, sistemático? Não... Eu continuaria sendo o mesmo Kevin de sempre.
Claro que a partir dali algumas novidades surgiriam. As pessoas não teriam o que elas querem de mim tão facilmente quanto antes. Eu não seria tão submisso quanto era.
Mas talvez o mais importante fosse permitir-me um relacionamento. Isso caso Thiago quisesse e se ele fosse uma pessoa aceitável.
Mais uma mordida. Digitei a resposta e a enviei:
"Claro. Sábado à noite, então."
-Continua-