Estava esperando na sala, meus dedos denunciavam meu nervosismo explicito, enquanto se batiam contra minha calça jeans, aquela imagem me lembrava um pai esperando seu filho recém nascido na sala de espera de um hospital, mas eu não estava esperando meu filho e nem estava em um hospital. Estava esperando o filho do vizinho dar a ordem de que eu poderia entrar no quarto. Para que tanto mistério se eu tenho que entrar lá de um jeito ou de outro?
O garoto se machucou hoje. Caiu no banho e ferrou a perna toda. Minha mãe disse que o vidro do box se desencachou e quebrou sobre o corpo do garoto.
O pai dele foi viajar. O que deu na cabeça daquele velho? deixou uma criança sozinha em seu apartamento, deveria prever que algo trágico aconteceria.
A maçaneta se abriu e minha mãe saiu da escuridão do quarto.
-Vou ligar para a ambulância, ele está sangrando muito!- murmurou minha mãe, saindo do quarto e fechando a porta atrás dela.
-Eles vão demorar muito, acho melhor eu estancar o ferimento- me levantei e fui em direção ao misterioso aposento onde todo o circo dos horrores se apresentava -Se tem uma coisa que aprendi nesses três anos de medicina é que não podemos deixar o ferimentos abertos -disse abrindo a porta, iria analisar a situação do garoto antes de fazer qualquer coisa.
Havia muita pouca luz no cômodo, apenas um abajur ligado ao lado da cama. Eu achei que não conseguiria, ver um cadáver na sala de aula é normal, mas ver um rosto conhecido sofrendo é totalmente diferente.
Ele estava deitado na cama, seu rosto pálido se contorcia, seus cabelos grudavam com o suor na testa e o lençol branco se tingira de vermelho em um grande borrão próximo à sua perna. O som de seus gemidos me lembraram o borbulhar de uma ave.
- mãe, vai lá no nosso apartamento e pega o pote de emergência.
Ele virou o rosto para mim e disse:
-Não me olha assim- respirou fundo, tentando pegar mais fôlego- eu estou sangrando, estou ridículo.
É terrível como alguém tão bonito se importe com esse tipo de coisa.
-Não precisa se preocupar com isso. Eu vim aqui só ver como você está, ok?
Me sentei na cama. Os olhos do loiro me fitavam com medo. Seus lábios trocaram a cor vermelho sangue por um branco gelo. O azul de seus olhos se dissipou, pintando suas córneas de preto.
-Posso ver como está sua perna?- perguntei.
Ele assentiu com a cabeça.
Tirei o lençol de suas perna branca. O cheiro ferroso invadiu minhas narinas. Sua pele foi cortada na altura da coxa. A pele parecia a mais cara seda branca, suja de vermelho e rasgada!
-Vê se consegue mexer os dedos do pé?- perguntei.
O garoto contraiu a testa quase chorando, os dedos se batiam com inocência por de baixo do lençol branco.
-Ótimo. Isso é um ótimo sinal!- disse.
-Jô, você vai cuidar de mim?- perguntou pegando minha mão e a puxando até sua face. Esfregou-a em seu rosto como um felino. Suas mãos estavam quentes e febris. Seu rosto molhado pelo mais doce suor que poderia existir.
Ele não era um garoto normal, definitivamente não era. Ele despertava um desejo e luxuria que até o próprio Lúcifer abominaria. Seus olhos azuis me convidavam para uma valsa à luz pálida do luar. Julio nunca foi um menino normal, imagino que ele seja o tipo de garoto galanteador do colégio, daquele tipo que faz as menininhas correrem atrás dele, enquanto ele usa e depois joga elas fora.
Ele é tão branco, tão pálido que chega a ser sexy.
Meu membro se encheu, ficou mais duro que a madeira da cama. Ele sabia como me seduzir.
-Vai cuidar do seu amigo, não é?- ele disse beijando a palma de minha mão, sem perder o contato de seus olhos com os meus- você vai ser meu médico?
O loiro trouxe uma atmosfera de prazer que escorria pelas paredes brancas do quarto.
Ele não poderia escolher uma frase melhor que "vai cuidar de mim, não é?". Eu quase explodi, juro que quase explodi. E eu iria explodir e come-lo ali mesmo, com todo o sangue escorrendo por seus poros.
Minha mãe entrou no quarto segurando o pote vermelho na frente do seios. Sentou ao meu lado e disse:
-Eu já liguei para a ambulância- me deu o pote e observou o garoto. Passou as mãos sobre sua testa, limpando o suor que molhou o travesseiro.
Eu tentei o tratar com o devido respeito, o respeito que eu definitivamente não podia faze-lo ter por mim. O garoto me puxava para ele com toda sua glória. Ele me fazia sentir como um macaco tarado. Eu voltei a trata-lo como lixo. O loiro borrava a linha do meu consciente misturando-o ao subconsciente.
-Vou limpar o ferimento- falei, voltando a triste realidade.
Peguei o pote de medicamentos e tirei o spray antisséptico. Apertei contra o corte, fazendo-o gemer, seus olhos viraram e seus lábios se mordiam. Fiz tudo com a ferocidade de um animal, sem dar importância a dor que ele sentia. Era uma forma de me vingar dele, de faze-lo ter medo de mim, porque é assim que tem que ser! eu não sou homossexual, nem bissexual, não posso me apaixonar por um garoto.
Faze-lo temer a mim era a unica coisa que me separava dele.
Minha ex-namorada, Amanda, costumava dizer que eu tinha alma de rinoceronte, que sempre que alguma ameaça era captada eu corria para mata-la, que eu era um assassino de possibilidades. E com Julio não é muito diferente.
O ferimento era superficial, não precisava estancar, só um pouco de gaze resolveria isso.
Enrolei a faixa de gaze pela sua perna. Ele quase chorava. Fazia um bico de pato quando eu apertava a faixa contra seu ferimento. As lagrimas escorriam de seu rosto misturando-se ao suor.
Eu trato meus grandes amores tão mal! Vocês não sabem o quão desesperador é para mim, amar. Eu poderia tentar explica-los, mas não dá para explicar para quem já teve amor -seja amor Eros, Philos, Storgé ou Ágape- não dá para explicar para quem já foi amado, para quem já teve um ombro para escorar e chorar, para lavar a sujeira da alma e solta-las em forma de lagrimas.
Meu medo, era que chegássemos a um ponto que nem um oceano poderia nos separar.
A ambulância chegou, minha mãe entrou com o garoto. Eu insisti em não ir. Vi ele sendo levado por macas e as portas da viatura sendo fechadas, e se distanciando cada vez mais até virar em uma esquina e sumir totalmente de minha visão.
Voltei ao apartamento. Meu celular vibrou assim que entrei no elevador. Era minha ex-namorada e melhor amiga, Amanda. Ela queria me ver hoje. Marcamos no pátio do meu apartamento.
Saí de casa quando o sol se punha. Peguei meu livro e desci para o pátio. O céu estava vermelho, tão vermelho quanto o sangue que corria em minhas veias. As crianças corriam no playground do prédio, os adolescentes rindo consonantes enquanto fumavam cigarros baratos. Eu caí no banco, me joguei cansado e comecei a ler o livro.
Eu costumo descer aqui para ler. Eu odeio a barulheira que a casa faz quando estou lá em cima, seja por telefones ou pelos gritos dos meus pais.
Os pássaros cantavam e as pessoas conversavam. As andorinhas desfilavam no céu, batendo suas asas em total harmonia.
Um rosto familiar surgiu por entre os prédios do condomínio. Andava em passos rápidos e cabelos avoaçantes. A garota era minha melhor amiga desde a infância, quando corríamos pelo quintal de casa à procura de alguma aventura imaginaria. Talvez aquela tenha sido a unica amiga que já tive na minha vida.
-Lendo? Você só sabe fazer isso?- perguntou enquanto sentava ao meu lado.
-Leitura é o mel do entretenimento.
-Mentira- ela pegou o livro das minhas mãos interrompendo minha leitura, passou as mãos na capa e no verso, folheou o livro e o devolveu.
-Tô te sentindo muito distante- ela continuou- você não era assim no colégio...
-Amanda, estou cursando o terceiro ano de Medicina na USP. Tudo que eu tenho que fazer é estudar, LER E INTERPRETAR!
-Você vai ser um péssimo médico, aliás.
-Por que?
-Porque médicos tem que trazer alegria e coisa e tal. No seu caso, só vejo tristeza retorcida em cada feição do seu rosto.
-Eu não ligo muito para alegria. Prefiro livros, eles que me trazem alegria.
-Eu já sei...- ela se levantou e começou a nadar em círculos, agia como se estivesse descoberto os números da mega-sena da virada- você esta apaixonado!
Estava tão obvio assim? tão exposto na minha cara?
-Não.
-MENTIRA! EU SEI QUE ESTA AMANDO ALGUÉM.- ela sorriu e me cutucou- QUEM É, EIN?
-Não estou amando ninguém, estou apenas chateado por ter que estudar tanto. E hoje o vizinho se machucou e eu tive que ir ajuda-lo. Aquele garoto rasgou a perna na porta no banheiro, enquanto tomava banho, senti muita dó.
-Ele estava nu?- ela perguntou.
Eu sabia onde ela queria chegar. Amanda faz psicologia e sabe como extrair informações de alguém.
-Ele nu seria bem mais triste que ele vestido! convenhamos- ela continuou- Estou vendo na faculdade que o amor vem mais rápido quando sentimos dó de alguém.
-Amor? por que está falando disso? eu não amo ninguém!
-Estou falando do amor Philos!
Amor Philos é o amor que temos por um amigo ou familiares.
-Por que você achou que era um amor Eros?- ela peguntou se aproximando de minha orelha e passou a sussurrar em meus ouvidos - está apaixonado pelo vizinho adolescente?
-Cala boca- me levantei com ódio escorrendo pelos poros- aquele moleque me dá nos nervos, eu tenho vontade de matá-lo!
-Por que quer matar ele? o que ele te fez?
-Nasceu! depois que ele chegou no apartamento ao lado me sinto inútil! Ele conseguiu roubar a atenção até da minha mãe e meu pai. Parece até que ele que é o filho deles. Tenho certeza que ele caiu de proposito, o vidro se estilhaçou sobre somente a perna. Como alguém é banhado por vidro e só machuca a perna!?
-Acho que todo esse ódio seu é na verdade amor escondido.
Me levantei eufórico, cheguei próximo ao seu rosto e esmurrei a parede de concreto, formando um buraco que se rachava em forma de um circulo. Ela se assustou com o barulho e caiu no chão, se espremeu contra a parede e me olhou com os olhos esbugalhados. Parecia temer a mim.
-Chega de falar desse garoto!- falei, tirando a mão afundada no concreto.
-Meu deus- ela estava atônita- Você fez um buraco no concreto, sua mão deve ter quebrado em mil pedaços! O que está acontecendo? por que age como se estivesse com raiva?
-Eu nunca consegui segurar meus instintos naturais, quando sinto alguma coisa vou logo liberando. Foi você quem disse eu tenho alma de rinoceronte!
...
Eu cometi alguns erros no ultimo conto, variava a idade de Julio, ele tem 16 anos, para quem ainda esta em duvida.
Espero que estejam gostando. Beijos e abraços.
Hermes Oliveira.