Aqui é o autor! Esse saiu mais rápido, tive bastante tempo nesse domingo. A última parte (e a mais legal) será postada, provavelmente, na terça. Quero, é claro, agradecer aos leitores pelos votos e comentários.
Lucas.rj, não pensei que minhas analogias seriam úteis para alguém. Fico feliz que tenham sido. Boa sorte com sua relação!
É isso, pessoal. Boa leitura!
***
OS TRÊS ESTADOS DE AGREGAÇÃO
PARTE 2: LÍQUIDO
Havia muitas razões para eu não entrar em contato com Thiago, por mais que eu soubesse o quão pequena era a chance de um outro futuro médico loiro, maravilhoso e atlético dar bola para mim novamente. A primeira delas é a possível decepção de meus pais. A relação que eu tinha com eles era tão sólida e, naturalmente, a mais bem estruturada que eu teria em toda a minha vida. Exibir meus anseios homossexuais seria como jogar a relação em água quente.
A segunda razão é o meu medo do desconhecido. Entendam, eu nunca havia tido um envolvimento maior do que amizade com garotos. Não que eu fosse feio ou algo do tipo, até que eu era arrumado, com meus cabelos castanhos, olhos verdes e um corpo magro normal, mas vários fatores atrapalhavam. São eles: minha inteligência, minha aparência extremamente juvenil, minha timidez. Durante a faculdade eu até tive chances com alguns garotos, mas eu nunca conseguia levar para frente. Um estranho sentimento de culpa e medo se apoderava de mim e fazia eu repelir o "pretendente".
A terceira razão, e a mais amarga, era a desconfiança. Apesar de eu ser uma pessoa de bem com a vida, condescendente e aparentemente amável, eu era um poço de desconfiança. Sempre pensei e penso em todas as possibilidades, e por alguma razão, as piores parecem sempre as mais prováveis de acontecer. Naquele caso, não entrava em minha cabeça a razão de um cara tão perfeito quanto Thiago se sentir interessado por mim. Poderia ser um tipo de brincadeira? Talvez ele tenha percebido que eu o admirei no hospital e decidiu se divertir com isso. Ou talvez ele fosse um serial killer.
É... minha mente fértil não contribui em muita coisa para minha inexistente vida amorosa.
_Ei, filho, que história é aquela sobre você ajudar num caso no hospital? - meu pai perguntou quando terminou de almoçar.
Acordei de meus devaneios. Estávamos meu pai e eu em casa e eu havia preparado o almoço. Minha mãe, como eu disse anteriormente, havia saído com o carro. Meu pai disse durante o almoço que ela fora visitar sua mãe, ou seja, minha avó materna, que morava em Trindade.
_Um cara do campo chegou com uma mulher segurando ele. O corpo dele tava mole, uma pálpebra estava caída, então fui até eles e chequei se ele tinha visão dupla. - comecei a contar.
_Sei, e aí? - disse meu pai parecendo interessado.
_Ele estava com visão dupla, então achei que poderia ser uma picada de cascavel. É bem comum por aqui, não é?
_É sim. Mas você foi bem rápido. Sempre soube que você poderia ser um bom médico. - disse meu pai com um tom orgulhoso.
Sorri com o elogio.
_É... mas isso foi o que eu lembrei de aulas de biologia do ensino médio. Qualquer médico teria feito aquilo.
_Não é bem assim, Kevin. Nem todos os médicos são bons. O homem teve sorte. Se você não estivesse lá, Thiago estaria, e aquele garoto tem talento.
Meu coração até deu uma acelerada quando meu pai citou Thiago.
_Ele já está fazendo residência? - perguntei.
_Sim. E está indo muito bem. Vai ser um dos melhores, com certeza.
Ok, agora Thiago, além de lindo, era habilidoso no que fazia. Aquilo era muita perfeição para uma só pessoa... mas normalmente é esse tipo que guarda os maiores segredos.
O meu celular tocou. Quase tive um ataque cardíaco (que bom que meu pai é cardiologista) ao pensar na possibilidade de ser Thiago. Atendi na frente do meu pai mesmo.
_Alô?
_Boa tarde. Eu gostaria de falar com o Sr. Kevin. - disse uma voz feminina que, definitivamente, não era a voz grave de Thiago.
_Sou eu mesmo. - eu disse.
_Olá, Sr. Kevin. Sou secretária do colégio Núcleo. O diretor Pascal o convidou para uma conversa.
_Hum... certo. E do que se trata? - perguntei.
_O diretor não disponibilizou essa informação. Ele disse que o senhor pode marcar o horário que quiser e ele estará disponível.
"Nossa, quanto privilégio...". Era muito estranho uma ligação de um colégio já no meio do semestre letivo. Aquela formalidade toda, com "senhor Kevin" e tal.
_Eu posso ir vê-lo hoje antes das duas da tarde. Tenho que dar uma aula nesse horário.
_Aguarde um instante, Sr. Kevin.
_Tudo bem.
A ligação ficou muda. Provavelmente ela estaria falando com o diretor. Em menos de um minuto, ela falou:
_O diretor Pascal estará aqui às treze horas. Esse horário está bom? - ela perguntou.
_Está ótimo. - olhei para o relógio que marcava meio-dia e vinte - Estarei aí.
_Tudo bem. Tenha uma boa tarde, Sr.
_Você também. - eu disse antes de finalizar a chamada.
Meu pai olhava para mim com curiosidade.
_O diretor do Núcleo quer falar comigo. Estranho, né?
Todo mundo conhecia o Colégio Núcleo. Era mais ou tão famoso quanto o Colégio Ômega. Tinha uma história mais longa na cidade.
_Acho que você vai ser contratado novamente. - disse meu pai.
_Hum... isso seria interessante. - eu disse pensativo.
_Não sei, Kevin. Você é muito novo, e trabalhando tanto assim...
_Minha carga horária no Ômega é bem leve, pai. Eu conseguiria encaixar facilmente mais duas escolas na minha semana.
Meu pai fez uma cara preocupada.
_Não é como se você precisasse trabalhar tanto. Você está morando conosco, não tem gastos altos.
Ele tinha razão. Mas para se tornar um professor conhecido, eu teria que mostrar o que eu sei em outras escolas.
_Normalmente seria difícil para um professor novato chegar até onde eu cheguei, pai. Além disso, eu não posso depender de vocês para sempre. No futuro vou precisar desses empregos.
Meu pai ficou em silêncio, pensando em alguma coisa. Finalmente, ele disse:
_Por que você não tenta medicina?
Eu ri. Meu pai sempre quisera que eu fizesse medicina. Quando passei para Física na USP, com quatorze anos, também havia passado na UFG para medicina. Meus pais deixaram a escolha em minhas mãos, embora eu soubesse que meu pai queria é que eu pegasse a vaga para medicina. Minha paixão, porém, sempre fora a física, e quando a escolhi, minha mãe ficou preocupada em deixar que eu fosse para São Paulo, e meu pai ficou um pouco decepcionado. No fim das contas, fui morar com uma tia que morava relativamente (e convenientemente) próximo ao campus. Com dezesseis anos, meus pais alugaram um apartamento para mim e eu passei a morar sozinho.
_Qual é a graça, Kevin? Você é novo e tem mais do que a inteligência necessária para passar pelo vestibular de novo. Entraria para medicina mais novo do que a maioria entra e ainda como um segundo curso superior.
Meu pai até que tinha razão. Eu sempre fui craque em biologia, química e matemática. Com minha formação em física, seriam pouquíssimos os exercícios que eu não conseguiria fazer. Talvez eu precisasse de umas aulinhas para relembrar umas regrinhas de português, umas revisões e história e geografia.
Mas eu não queria fazer medicina...
_Eu gosto do que eu faço, pai. Antes eu poderia dizer que não tinha certeza, mas agora eu vejo que fui feito para dar aula. - eu disse com um sorriso triste.
Meu pai sorriu para mim. Ele era um ótimo pai. Sempre deixou que eu tomasse minhas decisões e sempre apoiou. "Será que você apoiaria minha orientação sexual?" pensei comigo mesmo.
_Às vezes eu me esqueço do quanto você é adulto, Kevin. Desde os seus quatorze anos, você sempre foi adulto.
_Talvez seja por isso que sou tão baixinho. - eu disse.
Nós rimos.
Fui tomar um banho e me vestir. Pensei em Apolo, que sofria com a imposição de Aquiles para se tornar médico. Considerei-me sortudo por ter o pai que tenho. Isso só fortalecia minha convicção para não levar em frente o caso "Thiago". Talvez eu me permitiria algo no futuro. Mas não agora. Eu não precisei de namoro, beijos ou sexo para ser feliz até aquele momento.
"Desculpe, Thiago..."
***
Eram 12:57. Deparei-me com a magnífica estrutura do colégio Núcleo. Prédios brancos com formatos de paralelepípedos perfeitos com janelas escurecidas davam um certo ar futurista. Na entrada do estacionamento do colégio, parei e identifiquei-me, sendo liberada a entrada segundos depois. Estacionei e saí do carro, indo em direção à grande porta automática que dava acesso à recepção. Ao entrar, senti que estava em outro lugar: as paredes tinham uma cor salmão agradável, o piso era de madeira polida e brilhante. As cadeiras tinham um design rústico, também de madeira e acolchoadas. Um balcão separava as cinco secretárias, todas lindas, com coques bem feitos, maquiagem impecável, terninhos justos. Fui até uma delas.
_Olá. Sou o Kevin, vim falar com o diretor Pascal.
Eu esperava que a mulher se sentisse desconfiada, perguntando-se se eu era realmente um adulto. Mas isso não aconteceu, ela olhou para mim com um sorriso e disse:
_Só um instante, senhor Kevin.
Elas realmente eram bem preparadas. Ela falou no telefone, algumas confirmações foram feitas e logo a secretária se levantou e conduziu-me à sala do diretor.
Entrei na sala e deparei-me com uma exposição de história. Havia esculturas, pinturas, réplicas, estantes com livros. Um lustre exuberante pendia no teto, mas a iluminação vinha da grande janela atrás da cadeira do diretor, por onde podia-se ver o pátio do colégio. Alguns alunos estavam sentados em grupos, outros liam livros sozinhos sobre um gramado podado e limpo. Era tudo perfeito.
_Boa tarde, Kevin. - disse Pascal, o qual eu não havia notado ao entrar.
Ele tinha cabelos grisalhos num corte bem definido, poligonal, do tipo militar veterano. Era magro, vestia uma camisa social listrada, calças jeans e sapatênis. Tinha algo entre 50 e 60 anos, presumi. Eu esperava um homem todo vestido a caráter, dando um ar imponente à sua aparência. Ao invés disso, era um homem quase idoso, embora bem cuidado, que vestia roupas comuns e tinha um sorriso carismático, o que por sua vez não combinava com seu cabelo militar. Pascal era, portanto, uma verdadeira bagunça.
_Espero que não se importe se eu dispensar as formalidades. - ele disse se levantando e me cumprimentando.
_Sem problemas, Sr. Pascal. - eu disse.
_Só Pascal, Kevin.
_Certo... você tem uma bela sala.
_Obrigado. É a minha fantasia de historiador.
_Ah... achei que você fosse matemático. - dei um risinho.
Pascal sorriu confuso para mim. Eu tinha feito uma piada com o nome dele, mas o diretor parecia não ter notado.
_Acho que não entendi.
Tirei o sorriso da cara e corei.
_Ah... deixa pra lá.
Às vezes me surpreendo com minha própria idiotice.
_Certo... bom, Kevin, serei bem direto com você. Quero você como professor do Núcleo.
Uau, bem direto mesmo. Pelo jeito minhas suposições estavam corretas.
_Eu... tenho que pensar a respeito. Posso fazer uma pergunta?
_Claro.
_Por que está querendo me contratar? - perguntei.
Ele pensou um pouco antes de responder.
_Sei que você é novato, Kevin. Mas no meio educacional, as informações correm rápido. Eu tenho uma ficha de características de cada professor e diretor dos outros colégios. Existe uma competição para ver quem aprova mais, e para isso, são necessários os melhores professores.
Eu ouvia atentamente e assentia de vez em quando.
_E então chegou a informação de que um professor de dezoito anos recém-formado pela USP está dando aula no Ômega. E, mais incrível, com a responsabilidade de ensinar os cursinhos e os terceiros anos. Você começou bem, rapaz.
_Obrigado. - eu disse.
_Mas isso por si só não era o bastante para chamar a atenção. Com o tempo, seu nome foi sendo ouvido mais vezes, os jovens adoram falar de coisas interessantes, e um professor da sua idade é um assunto e tanto. O que me interessou, no entanto, foi ouvir sobre sua capacidade de cativar os alunos e sua inteligência, características básicas de um bom professor. E então estamos aqui.
Eu estava sem palavras. Aquilo tudo mais parecia uma máfia. Apesar disso, eu gostava de saber que os alunos gostavam de mim ao ponto de eu ser elogiado por eles para outras pessoas. Aquela era uma boa chance de me tornar mais conhecido.
_E eu daria aula para quais salas?
_Infelizmente, Kevin, não sou tão precipitado quanto Janos. Não irei te colocar nos cursinhos, mas tenho uma vaga pra você nos primeiros, segundos e terceiros anos.
Continuava sendo muito bom. Era tentador aceitar aquela proposta ali mesmo, mas eu teria que arrumar meus horários e analisar com mais cuidado.
_Está ótimo para mim. Eu posso dizer a resposta daqui a alguns dias? - perguntei.
_Tudo bem. Esqueci de dizer. Se você aceitar, seu período só começa no próximo semestre.
Eu já esperava por aquilo. Não fazia sentido contratar um professor e colocá-lo no meio do semestre, a não ser que algum professor de fisíca não fosse mais dar aula.
_Certo. Eu ligarei dando a resposta. - eu disse, levantando-me - Você também dá aulas?
_Sim, sou doutor em História pela UNICAMP.
_Impressionante. Agora entendo essa sala.
Ele riu.
_Não é nada comparado à minha casa.
Eu não duvidava. Aquele diretor peculiar era algo realmente estranho. Eu podia ver nele a figura de líder que via em Aquiles, mas com um ar leve, calmo... feliz.
Apertei a mão de Pascal.
_Espero ver você conosco, professor Kevin.
Sorri.
_Boa tarde, doutor Pascal.
Com isso, fui embora.
***
Entrei no colégio Ômega pensando no quanto havia dirigido naquele dia, mas fora um dia e tanto. Cantei, conheci um médico gato que aparentemente queria me conhecer melhor, recebi uma proposta de emprego de outro dos melhores colégios. Como eu disse, um dia e tanto.
Na entrada do colégio, Apolo me esperava encostado na parede segurando um caderno e um estojo. Parecia com cena que antecedeu a nossa primeira aula, o sol batendo em seu corpo que parecia reluzir. "É como um segundo Sol..." pensei.
_E aí, professor. - ele disse com um sorriso torto e sexy.
_Oi. - eu realmente consigo parecer idiota.
_Bora? - perguntou ele.
_Hum... bora. - não sei porque minha abrevição de "Vamos embora" parecia tão mais artificial.
Ele riu e entrou no colégio. Eu e linguagem muito informal não combinamos, nem sei porque tentei.
Fomos para a mesma sala na qual eu havia dado a primeira aula para ele. Sentamo-nos em carteiras lado a lado.
_Prefere no caderno ou no quadro? - fiz a mesma pergunta daquele dia.
_Você ensina bem dos dois jeitos. Mas prefiro um ensino mais próximo.
Corei. Como vocês podem perceber, eu coro toda hora. Esse é o problema de ser branco. E se um elogio vem do inalcançável Apolo, então minha cabeça quase explodia de tanto sangue que ia para meu rosto. Ele deu um sorriso. Amaldiçoei minha timidez mentalmente.
_Bom... você tem alguma matéria que prefira? - perguntei.
_Hum... literatura. - ele respondeu com um sorriso zombeteiro.
Revirei os olhos e sorri.
_Algo com números, eu quis dizer.
Apolo colocou um cotovelo sobre a mesa e apoiou seu queixo na mão, parecendo desinteressado. Ele disse:
_Gosta de ler, professor?
Ouvi em minha mente Aquiles dizendo: "Não incentive meu filho no que diz respeito a literatura, poesia e coisas do tipo". Não vi problema, porém, em responder àquela pergunta.
_Sim, gosto de romances voltados para fantasia, alguns suspenses policiais...
_E poesias?
Opa, talvez fosse hora de parar. Mas talvez só mais um pouco...
_Gosto de algumas. Mas não sou muito adepto. E quais são seus gostos?
_Ah... eu leio de tudo, menos auto-ajuda. Gosto de livros, não de tipos. - ele disse.
_Mas sempre tem um tipo preferido. Eu, por exemplo, gosto de histórias que passam em tempos baseados na Idade Média ou Antiga. - eu disse.
_Sério? Eu também gosto especialmente desses...
Começamos a conversar sobre livros, mas logo notei que aquele não era, nem de longe, o objetivo ali.
_Acho que é melhor voltarmos para a aula. - eu alertei.
_Qual é o problema de conversar?
_O problema é que seu pai acha que eu estou te ensinando matérias exatas, e estamos indo mais para humanas.
_Foda-se ele! - Apolo disse com certa fúria.
Fiquei um pouco assustado com aquela reação.
_Desculpe... - ele disse - Vamos começar a aula então.
Senti um pouco de tristeza. A situação de Apolo devia ser difícil, e eu só estava sendo mais um peão em sua vida que o conduziria para uma sala de cirurgia e uma vida sem satisfação.
_Apolo... eu gostaria conversar com você, mas seu pai pediu para que eu não falasse desses assuntos.
_E você vai fazer o que ele manda, simples assim? - ele disse mais calmo.
_Ele é meu patrão. Não é como se eu tivesse escolha. Mas a gente pode conversar fora das aulas, se quiser...
O que é que eu estava dizendo? Era quase um convite para sair. Corei (pra variar) e tentei corrigir:
_Assim, tipo, no recreio, eu quis dizer.
Olhei para Apolo e vi um sorriso divertido.
_Pode ser. - ele disse.
_Ok, vamos começar com aulas de equacionamento...
Eu explicava o processo básico para resolver diversos exercícios, o caminho que ele deveria seguir, os dados que deveria usar. Tentei até criar versinhos engraçados, que mais faziam Apolo rir do que aprender.
_Tente fazer esse exercício.
Tirei uma questão aleatória de nível fácil da minha mente. Copiei-a no papel e passei para Apolo. Ele olhou para a questão e ficou pensativo. Sua testa franzida, seus dedos da mão que seguravam a caneta batiam na em sequência. Seus cabelos pretos num penteado bagunçado que o deixava mais bonito. Os olhos pretos fixos no papel. Ele se encurvou um pouco e começou a escrever. Seu braço tocou no meu e, nesse instante, um choque leve passou pelo meu corpo, quase que aquecendo-o. Seu braço esquerdo continuou ali em contato com o meu. Aquilo me deixava desconfortável, mas ao mesmo tempo eu não queria desfazer o contato. E o que era aquela reação, aqueles pensamentos? De repente, senti-me ridículo.
Apolo me mostrou o caderno.
_Essa equação tá certa?
Acordei de meus devaneios. Olhei para a interpretação numérica de Apolo sobre o texto.
_Quase correta. Você só deve trocar esse sinal. É positivo, ao invés de negativo.
Expliquei o porquê daquilo. Ele prestava atenção. Pelo menos o contato dos braços foi desfeito. Ou eu deveria dizer infelizmente? "Esquece isso, Kevin" disse para mim mesmo mentalmente.
A aula continuou e, ao final, Apolo já conseguia interpretar os problemas com relativa facilidade.
_Não sei como você faz isso. - ele disse enquanto guardava seus objetos no estojo.
_Isso o quê? - perguntei.
_Enfiar a matéria na cabeça dos alunos.
Sorri com o elogio (não corei, alegria).
_Obrigado, Apolo.
_Não, obrigado digo eu.
_Vou preparar materiais para nossa próxima aula. Eu não sabia o que ia ensinar hoje.
_Estranho, porque a aula foi muito proveitosa. - ele disse com sorriso.
Saímos juntos da sala, eu pensava no que eu faria naquele fim de tarde. Eram quatro horas da tarde.
_Tá com fome, professor? - perguntou Apolo.
_Estou... vou ver se encontro algo na cantina.
_Vamos no shopping aqui perto. - ele disse - A gente come e aproveita para conversar.
Fiquei totalmente chocado com o convite. Pensei se seria uma boa ideia aceitar. Talvez não fosse bom ficar muito próximo de Apolo, principalmente por causa de seu pai. Mas por outro lado, eu não conseguiria negar, seria falta de educação. E ele parecia dizer aquilo tão naturalmente. Definitivamente não negaria.
_Vamos. - eu disse.
Quando saímos do colégio, vi vários alunos no pátio que acenaram para mim. Alguns passavam e cumprimentavam.
_Eles adoram você. - disse Apolo.
Fiquei feliz com aquele comentário. Bem na saída do colégio, vi Augusto de longe conversando com Alice, a professora de português. Ela me viu primeiro e acenou. Augusto virou-se e acenou também após identificar-nos. Apolo e eu devolvemos os cumprimentos de longe, mas nossa rota era para o lado oposto.
Fomos a pé mesmo. No caminho, pensei em tudo o que acontecia. A situação da minha vida parecia sólida... mas eu sabia que uma perturbação mínima no sistema seria o bastante para desestabilizá-lo.
A verdade era que Apolo era puro líquido. Lidar com ele era complicado, não só porque ele por si só era complicado, mas também por causa de seu pai. Um erro e tudo aquilo iria para o chão, e todos sabem o quão difícil é recolher a água que se espalha por uma superfície.
O problema é que eu não estava lidando só com Apolo. Aquiles estaria sempre ali, por perto. E diferente de Apolo, Aquiles não era simplesmente líquido...
Aquiles era como o mar, e se eu não fosse cauteloso, acabaria afogando-me em sua imensidão.
-Continua-