- Vi luzes coloridas e achei que estava numa boate LGTB. Mas vejo que a festinha é só a dois, inclusive, estou atrapalhando? - disse Abel saindo de detrás de um grande armário do salão.
João tentando esconder sua profunda irritação perguntou:
- Como você entrou aqui?
- Pela porta, ué. Mais precisamente na hora em que o senhor – tossiu forçado – saiu pra comprar um pastel ali na frente.
- Vou ignorar sua invasão, tudo bem? Precisa de alguma coisa?
- Preciso! Preciso saber, Joaquim, o que deu em você pra estar aqui.
- Abel, eu só estou cortando o cabelo e não te devo satisfação – respondeu Joaquim.
- É, mas todo mundo vai adorar ver o que eu filmei – disse mostrando o celular.
- O que você filmou? - perguntou João, assustado.
- Ora, o que mais haveria de ser, Mulher Barbada? A sem-vergonhice de vocês.
- Abel, pelo amor de Deus! Me dá esse celular! – Joaquim ficara nervoso.
- Fica tranquilo, Kim, não quero te prejudicar. Muito pelo contrário. Sou seu amigo e vou te proteger pra que esse tipo de gente não acabe com a sua vida.
- Como assim “esse tipo de gente”? - interveio João.
- Gente que não aceita a ordem natural das coisas.
- Olha aqui, seu moleque. Você não paga as minhas contas, não é nada meu. Por isso eu não vou admitir que me ofenda dentro do meu próprio estabelecimento.
- Então admite que estava tentando molestar meu colega?
- Chega, Abel, vamos embora! – cortou Joaquim.
- Vão logo, sumam da minha frente! – bradou João.
- Vamos sim. Todo esse brilho de purpurina está irritando os meus olhos. Porém, antes de ir, preciso fazer uma última coisa – foi até João e, olhando em seus olhos, disse bem devagar – Eu... tenho... nojo... de você!
João respondeu mais rápido com um soco.
Começou uma briga feia que atraiu a atenção de quem estava na rua. Eles rolaram no chão até que conseguiram separá-los.
- Sua bicha do cu cheio de AIDS que fica oferecendo pra qualquer um! – gritava Abel tentando se esquivar de Joaquim.
- Idiota, hipócrita, imbecil! Eu vou te pegar, moleque! Seu maluco! – embaralhava-se João todo envergonhado pela declaração de Abel perante os vizinhos que, se antes desconfiavam, agora tinham certeza da opção sexual do cabeleireiro.
Com muito esforço Joaquim conseguiu arrastar Abel para fora do salão:
- O que você tem na cabeça? Poderia ser preso! Pra quê toda essa confusão?
- Eu acertei ele! – ria Abel – Eu queria poder fazer isso com todos esses marmanjos de barba na cara que não honram o que têm no meio das pernas. Eu odeio a todos eles, eles acabaram com a minha vida!
- Abel, ninguém tem culpa do que aconteceu com os seus pais.
- Tem sim! Tem sim! – gritava Abel tentando segurar as lágrimas – Minha mãe morreu, cara! E isso eu nunca, tá me ouvindo bem? Nunca vou esquecer!
Joaquim o abraçou e ele desatou a chorar.
***
Abel e Joaquim eram amigos de longa data. Por isso Joaquim acompanhou tudo o que acontecera.
Há oito anos Abel era feliz. Morava com seus pais, Léo e Amélia, e o irmão mais novo, Lélio. Tudo ia bem até que seus pais começaram a brigar.
As discussões eram por coisas banais e na maioria das vezes partiam de Léo. Com o passar do tempo foram se agravando ao ponto de haverem agressões físicas presenciadas por Abel.
Mas uma delas marcou definitivamente o declínio do casal:
- Por que é que tem uma embalagem de camisinha aberta dentro da sua bolsa de trabalho? Aliás, por que você leva camisinha pro trabalho? - indagou Amélia, quase sem ar, ao marido que estava deitado assistindo TV.
- Quem te deu ordem para mexer nas minhas coisas? - disse Léo, levantando-se.
- É por isso que você não tem me deixado arrumar suas coisas. O que você anda escondendo?
- Eu não escondo nada! Não sei como isso foi parar aí.
- Não mente pra mim. Há dias você não transa comigo. Então essas camisinhas são usadas com quem?
- Para de falar besteira!
- Toda vez que eu chego perto você foge. Anda sempre irritado, nervoso, reclama de tudo o que eu faço. Já até me bateu. Você não gosta mais de mim, é isso?
- Você está fazendo papel de ridícula! – Léo tentava se acalmar.
- É por que estou gorda? Feia? Não me arrumo mais? - alfinetou Amélia com medo da resposta.
- É. Vai ver é isso. Não sinto mais atração por você! – estourou Léo.
- Então você está transando com outra mulher? - Amélia já não segurava as lágrimas.
- Não! Não estou, quero dizer, quase transei, mas não aconteceu! – ele estava mentindo – Porque eu te amo! Nosso casamento tem passado por momentos horríveis, mas eu não quero te trair. Faço fazer valer todos os dias o juramento que te fiz no altar. Me perdoa pelo o que eu te disse. Prometo que vou mudar. Por favor, não chora, vem cá – puxou ela e a envolveu num abraço beijando sua testa.
Amélia chorava porque queria acreditar no que Léo dizia, mas era impossível. Aquela história estava muito mal explicada.
Tudo foi esquecido por um tempo até que Amélia recebeu uma ligação anônima:
- Alô, queria falar com a Mocréia, quero dizer, Amélia! – debochava uma voz feminina do outro lado da linha.
- Está falando com ela.
- Sabe com quem eu acabei de fazer amor? Com o Léo, o seu marido! Ai, como ele mete gostoso, fico toda molhada quando lembro daquele pau grande e duro entrando dentro de mim, sabe? Não, com certeza você não sabe porque há muito vocês não fazem sexo, não é, querida? Ele está sempre cansado e satisfeito porque eu mato toda a fome dele e não deixo nadinha pra você. Quer saber demais deta...
Amélia bateu o telefone. Sentia o sangue ferver nas veias.
A partir daquele dia não só as ligações, mas também sms’s se tornaram frequentes e as brigas voltaram a acontecer.
Certo dia Amélia recebeu uma nova mensagem, mas de Léo:
“VAMOS QUEBRAR UM POUCO NOSSA DURA ROTINA. VENHA ME ENCONTRAR NO MOTEL ‘TEMPLO DOS PRAZERES’, QUARTO 18. VOU DEIXAR A PORTA DESTRANCADA. ENTRE SEM FAZER BARULHO. TERÁS UMA GRANDE SURPRESA. NÃO DEMORA!”
Amélia se animou. O lugar era estranho, não costumavam ir a motéis, mas valia de tudo pra salvar seu casamento. Se arrumou e foi.
Chegando ao local, dirigiu-se a recepção onde pediu informações sobre onde ficava o quarto sendo atendida pelo balconista que lhe encarava com certa desconfiança.
Subiu as escadas com o coração alegre, afinal ia transar com o homem da sua vida. Chegou ao corredor e não foi difícil encontrar o quarto 18. Seu coração acelerou. Abriu a porta bem devagarinho.
A cama estava vazia. Escutou o chuveiro ligado, caminhou até o banheiro.
- Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Rebola no meu pau, vai, seu gostoso! – era a voz de Léo.
- Adoro quando você diz que eu sou melhor que a sua mulher, diz, vai! Ai! Ai! Ai! – a voz dos telefonemas! Agora não tão feminina assim.
- Você é muito melhor que a baleia da minha mulher!
- Ai, meu gostosão, repete! Ai! Mete fundo e repete!
- Toda vez que eu transo com a minha mulher eu vomito depois. Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Delícia! Ela sempre me sufoca com toda aquela banha! Own! Own! Own!
- Ai! Vai! Vai! Vai! Só eu posso sentir esse cacete!
- Só você! Ah, como eu te amo! Hum! Você é tão cheiroso, gostoso! Minha mulher fede. Não sei por que ainda estou casado, não amo ela. Talvez seja por pena! Coitada, quem vai querer aquele entulho? - Léo pressionava o outro cara contra a parede do banheiro metendo bem devagar e mexendo o pau em seu cu.
Amélia estava imóvel ali na porta do banheiro. Sentiu seu corpo esfriar enquanto suava. O chão sumiu de seus pés, fazendo-a cair. Dos seus olhos brotou uma lágrima e tudo se apagou.