Acordei antes de o dia nascer, o Rafa estava deitado, com a cabeça no meu peito me abraçando!
Pera lá! Como é? Minha cabeça ainda dava voltas, aos poucos fui me lembrando... E pensei: “QUE PORRA QUE EU FIZ?”
Não que eu não tenha gostado, não que tenha sido ruim, mas e agora como ia ser? Eu não tinha resposta. Comecei a me mexer para levantar, o Rafa abriu um pouco os olhos, segurou meu braço e falou:
– Fica aqui... – Reconheço, não parecia nem um pouco com aquele marrento que quebrava boates e virava carros... Era só um pirralho com cara de sono, um muleke.
Eu sorri, me deitei junto abraçando ele, esperei ele adormecer de novo então me levantei, procurei minha calça. Liguei o ar condicionado, cobri-o com o edredom e fui pra sala. Comecei a arrumar a sala e a cozinha antes da Maria chegar, na verdade eu queria era organizar minha ideias. Nada mais fazia sentido.
Contei que minha cabeça doía? Pois bem, além de pesar uma tonelada, minha cabeça doía muito, amaldiçoei a tequila. Terminei de arrumar tudo e fui pro meu quarto, procurei uma aspirina, tomei duas, um banho e cama.
Eu não conseguia para de pensar! Odeio quando existe algo que eu não consigo resolver e era totalmente impossível prever como as coisas seriam. Sinceramente, eu não queria ficar de namoradinho e melação com meu primo, sair com uma cesta de piquenique para a floresta da tijuca e ir pro zoológico alimentar os macacos (eu achava que namorar era isso). Nem queria ficar como um total estranho naquela casa. Quanto mais eu pensava, menos eu sabia o que queria o que faria e como seria. Gostava de ficar junto do Rafa, de conversar com ele e a noite anterior, putz, o perfume dele ainda estava no meu corpo, mesmo depois do banho!
Não, a verdade é que eu estava com uma ressaca moral terrível, talvez maior que a ressaca etílica. Dormi, não sei por quanto tempo.
Acordei um pouco melhor da dor de cabeça, mas meu corpo estava dolorido, fui pra cozinha. Era domingo, Maria não viria, havia limpado a casa de besta.
Bebi água, gosto forte de cabo de guarda-chuva na boca. Preparei sucrilhos, eram umas treze horas. Fui espiar o quarto do Raphael, ele não estava lá, havia saído. Pronto! Alea jacta est... (A sorte estava lançada)
Fiquei na sala vendo desenho animado, alguma coisa que não precisasse pensar. Lembrei que eu ainda estava sem meus livros, onde será que ele havia escondido?
No final da tarde, já recuperado da cabeça, decidi ver algo pra comer de verdade. Quando estava na cozinha, a porta da sala abre, Raphael passa com roupa de surfe, a parte de cima caída, usando só a calça e uma prancha embaixo do braço. Olha pra mim e vai pro quarto calado.
Fiquei parado com cara de “hã?”.
Ele nem me cumprimentou? Pronto! Deu merda! Larguei a lasanha congelada no refrigerador, fui pro meu quarto, vesti uma bermuda, uma camiseta, meu tênis de correr e saí. Não estava afim de ficar naquela casa!
Dirigi até o posto 4, parei o carro e fui correr. É parecia que eu tinha feito uma merda em ficar com meu primo, Raphael tinha surtado e agora não estava mais falando comigo. Sabia que ele era inconsequente, não podia ter entrado na onda dele.
Enquanto tudo isso passava pela minha cabeça eu corria, começou a cair àquela chuva típica de final de dia do Rio. Eu não ligava, só queria correr, esquecer aquilo tudo. Pela primeira vez eu quis voltar pra casa (Natal).
Eu havia enfrentado a solidão de uma cidade grande e impessoal como o Rio, a distância da minha família, dos meus amigos, a pressão do trabalho, de estudar para o mestrado. Mas eu estava cansado, parei. Olhei em volta, aquela cidade talvez fosse grande demais pra mim.
Spoiler 6
Corri de volta pro carro, olhei o relógio, era cedo ainda e eu não queria ir pra casa encontrar o Raphael naquele climão. Liguei pra Gabi, ela estava atoa e marcamos de nos encontrarmos numa lanchonete ali perto, cheguei primeiro, todo ensopado, sentei numa mesa e fique esperando.
Ela chegou uns 30 minutos depois, eu estava tremendo de frio do ar condicionado e da roupa molhada.
– Du, o que você tem? Tá todo molhado e pálido.
Dei um sorriso meio sem graça.
– Nada não, só fui correr um pouco e a chuva me pegou.
Gabi estava linda como sempre, usava uma saia branca longa de algodão, uma camiseta básica azul clara, os cabelos presos num rabo de cavalo.
– Você já comeu algo? Você tem que se secar, ou vai pegar um resfriado...
– Não, na verdade esqueci de comer hoje...
– Como alguém esquece de comer?! Você tem que se alimentar ou eu vou ter de cuidar de você? – Ela era muito simpática, mesmo.
Pedi um café pra esquentar e um crepe, não estava muito com fome, ela pediu uma salada e um chá gelado.
– Acho que vou voltar para Natal...
– Voltar? Mas porque Du?
– Sei lá, acho que dei um passo maior que minhas pernas, vou fazer a primeira fase da seleção do mestrado, aproveitar o recesso de final de ano e voltar pra casa, se eu não passar na primeira fase, fico por lá mesmo... Não tem sentido ficar aqui no Rio só por ficar! Eu não posso ficar incomodando o tempo todo a minha tia e com o que eu ganho o mais próximo da barra que eu moraria, seria num barraco nas favelas por aqui por perto ou na floresta.
Ela riu do meu humor sarcástico.
– Bem, Du, colocando as coisas dessa maneira eu concordo com você, só vale a pena você ficar aqui no Rio, se isso melhorar seu currículo, e só trabalhar no escritório XXXX não vai ajudar ne. Se você passar no mestrado, vai continuar na casa da sua tia?
Era uma coisa que eu sempre pensava, teria de ficar lá por pelo menos um ano (o tempo de pagar as disciplinas) depois poderia pegar outro rumo, já que o último ano é só de orientação da dissertação...
– Vou Gabi, se eu passar terei de ficar na casa da minha tia..
– O problema é o Rafa ne?
Engoli seco. Uma das coisas que minha mãe sempre dizia era que eu não conseguia esconder o que sentia, uma coisa péssima para um advogado.
– Não, não, o Raphael não tem nada com isso..
– É porque eu pensei que deve ser muito complicado conviver com ele
– Não convivemos, eu mal o vejo, nossos horários não batem
– O Rafa não muda, não sei até hoje como eu fiquei com ele, alias, sei sim, ele tem um jeito que acaba conquistando qualquer uma.
Pensei em silencio: Ôô e como eu sabia disso...
– Mas hoje prefiro alguém mais sério, também não sou mais uma garotinha deslumbrada ne?
Lanchamos e ficamos conversando, eu tentava me controlar pra não ficar tilintando de tanto frio.
– Se cuida tá Du, gosto de você, não queria que fosse embora...
Estávamos já na porta da lanchonete, esperando a chuva diminuir, o corpo dela junto do meu. Olhei pra ela, e então ela ficou na ponta dos pés e me beijou.
– Não faz essa cara de cachorro que caiu da mudança, se anima um pouco..
– Tá bom. – sorri meio sem graça
Nos despedimos e voltei de carro pra casa. Pensando “Devem ter aberto a temporada de caça ao Eduardo e esqueceram de me avisar.” Gabi era um sonho, mas eu já tinha problemas demais me esperando em casa.
Cheguei em casa, minha tia e o esposo haviam voltado de Petrópolis, e o meu primo? Raphael estava no mundo. Fui me deitar sentindo uma moleza, no corpo, meus livros estavam em cima da minha cama. As provas seriam quinta-feira, era inicio de dezembro.
A semana se arrastou e eu mal vi o Raphael. Quando a gente se encontrava, não se falava. Peguei uma gripe muito forte, febre alta, mesmo assim ia todo santo dia para o trabalho, consegui passagens para Natal na sexta-feira, o dia posterior à prova.
Na quarta-feira falei com minha tia, expliquei que estava voltando para casa, que só tinha conseguido voo na sexta e que talvez eu ficasse por Natal se não conseguisse passar no mestrado. Ela quis saber se eu não estava gostando do Rio, se tinha acontecido alguma coisa, se eu estava sendo bem tratado etc. Menti. Disse que estava tudo bem, mas que não tinha motivo pra eu continuar lá se não ficasse no mestrado. Depois de muitas mentiras e explicações ela entendeu. Minha tia era uma mulher calma e centrada, totalmente diferente da minha mãe.
No escritório, apenas pedi pra sair antes do recesso, aleguei pendências para resolver em Natal. Não disse que talvez eu não voltasse, mesmo porque ainda era incerto. Consegui.
Fiz a prova, com febre e doente.
A prova foi horrível, afinal como seria boa do jeito que eu me encontrava? No outro dia acordei cedo e peguei o voo para RN, deixando pra trás a Cidade Maravilhosa, mas as coisas ainda não haviam terminado.