Cheguei em casa revoltado.
Vei, que belo primeiro dia de aula, hein?
Percebi que a secretaria eletrônica estava com um aviso de que havia uma nova gravação de voz, Apertei o botão e fui me despindo rumo ao banheiro.
E ao caminho eu ouvia a voz grave e rouca do meu pai, que saia daquele aparelho.
Julho, detenção de novo? Quando eu chegar teremos uma longa conversa, moço.
Me joguei em baixo do chuveiro, onde a água caia lentamente, fazendo com que os arranhões ardessem. Eu me sentei no piso do box, com minha cabeça entre minhas pernas. Hoje eu não estava com saco para reclamações sobre meu comportamento. Ninguém tem o direito de me julgar, ou achar o que é certo ou errado.
Miguel tinha me deixado em um ataque de nervos. Ele mexia comigo de todas as formas. Me deixava com ódio, mas ao mesmo tempo deixava florescer um sentimento que até ali eu desprezava. Era como se eu quisesse jogar uma bomba nele, mas na mesma hora eu entrar na frente para salva – lo.
É, eu sou uma besta quadrada.
Horas depois do banho, eu estava deitado em minha cama, olhando para aquele imenso teto branco.
A campainha tocou, fechei os olhos me preparando para receber o sermão o meu pai. Corri para a porta e ao abri-la tenho uma surpresa; vi a Mirela parada sorrindo, mas fiquei mais chocado quando percebi quem estava atrás dela.
Mirela: Julho, desculpa, tá? Ele insistiu para vir – ela falava do Miguel.
Eu: ai sério?
Ele me olhou e sorriu – vejo que você conseguiu chegar em casa inteiro.
PARA! Onde eu estava, hein? Nunca imaginaria essa cena: o Miguel em minha casa, ai fala sério isso é um pesadelo? Porque se for eu já posso acordar!
Eu revirei os olhos – nossa como você é um bom observador.
Miguel: você não vai nos convidar para entrar? Mostre que por baixo dessa fantasia de menino mau, há uma pessoa doce e educada.
Cuidado caro Miguel, você está no meu território – pensei.
Sorri e dei o caminho para eles entrarem.
Julho, sério desculpa por ele ter vindo. Ah, como foi essa história do acidente?
Eu: Mirela, é uma longa história.
Mirela: ah, mas eu tenho uma surpresa, adivinha o que é.
Eu: você sabe que eu odeio surpresas.
Mirela: mas essa você vai amar, tenho certeza.
Ela remexeu em sua bolsa, e retirou de lá de dentro dois papeis dourados.
Eu: mentira! Isso não é o que eu estou pensando, ou é?
Mirela: é sim.
Eu: mentira, não me diz que isso é da love song?
Mirela: digo sim.
Eu: como você conseguiu? Tipo é muito impossível conseguir isso.
Mirela: tenho minhas fontes, garoto.
Love song, era o lugar mais movimentado daquela cidade medíocre, era tipo um sonho conseguir entrar lá! Era quase impossível.
Mas no meio de tanta alegria, uma coisa me deixou bolado, o Miguel parecia um inspetor, ele estava avaliando cada canto da casa.
Ele parou bem em frente à mesa de centro da sala, pegou um porta retrato e mostrou para Mirela:
Olha só, Mirela, o jujuba na 5ª série, ele era terrível nesta época.
Mirela: Miguel, para de mexer nas coisas, seu folgado – Mirela arrancou o porta retrado de sua mãe e colocou no seu lugar certo - olha, você já viu que o Julho esta inteiro, agora vaza.
Miguel: Calma Mirela, eu não vim aqui para brigar, alias você está bem, Julho?
Eu: eu tô inteiro, não esta vendo?
Estou sim! Mas e aê, Albuquerque? Pronto para esquecer o passado e começar uma amizade do zero? – ele estava com sua mãe estendida.
Bom, ele gosta de jogar, né? Então entrarei no jogo. Estendi minha mão.
Ele olhava para mim como um caçador olhava para sua caça.
Mirela nos olhava, em silêncio, enquanto nós dois nos encarávamos.
De repente ela fala: nossa! Nunca pensei que veria esta cena, mas e agora? Vamos fazer o que? Ah, Julho você podia mostrar seu quarto para o Miguel! – olhou para o irmão – Miguel, o Julho é o cara mais organizado do mundo todo, você tem que ver o quarto dele.
Miguel me olhou e abaixei minha visão.
Miguel: eu adoraria ver seu quarto.
Eu: está tudo bem, vamos lá.
Subi as escadas, sendo seguido por Mirela e Miguel.
Miguel olhava cada detalhe do meu quarto, reparando desde o meu mural com fotos, passando por minha estante com livres e cd’s.
Gostei do seu quarto, Julho – ele sorriu – é sua cara.
Eu: ah, sério? Brigado.
Miguel: e essa frase é da música a thousand years, né?
Na parede do meu quarto, tinha o seguinte trecho da musica: Eu morri todos os dias esperando você (...) Eu te amei por mil anos.
É sim! – eu falei surpreso.
Miguel: é umas das melhores musicas.
Mirela, inicio a mídia player do computador, enquanto eu me dirigia para minha cama.
Eu estava incomodado com o Miguel, ali no meu quarto, perto de mim.
Aquela musica tomou conta do ambiente, e eu olhei para o lado e vi que Mirela e Miguel também cantavam. Quando chegou no trecho que estava escrito na minha parede, o Miguel olhou para mim e nós dois paramos da cantar, nossos olhos grudados um nos outro; parecia uma batalha de olhares.
Mirela fala: Julho, você se importa se eu for lá em baixo preparam pipoca?
Eu rolei os olhos e respondi: aí, fala sério né? Como se você precisasse perguntar.
Mirela saiu do quarto, enquanto um silêncio sepulcral se instalou no quarto.
Miguel continuava mexendo no computador, enquanto eu olhava o movimento das folhas junto aos pingos da chuva que caia lá fora. Estranhei ao perceber que a musica tinha mudado. Me virei e vi Miguel me encarando, surpreso – não sabia que um menino como você gostava dessas musicas!
Eu rolei os olhos, novamente.
A musica que tinha começado a tocar era: take my breath away. Suspirei ao lembrar que eu amava aquela musica, porque meu pai disse, que aquela musica tocou no primeiro encontro seu e da minha mãe, foi a primeira dança deles.
Eu o olhei irritado. Quem era ele para mexer nas minhas coisas? Desenterrando coisas de um passado triste.
Me levantei furioso, tentando tirar aquela musica. Mas ele não deixou.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Miguel já me segurava forte. Senti minhas pernas fraquejarem.
Ele continuava olhando para mim, como um caçador olhando para sua caça. E eu devia estar olhando para ele como uma caça com medo do caçador, mas, talvez uma caça sadomasoquista, que quisesse ser pega.
Meu coração estava quase saltando pela boca.
Miguel: porque você esta tremendo?
Eu: me solta! Eu não estou tremendo, só não gosto de ouvir essa musica
Miguel gargalhou e voltou a se concentrar no computador.
De repente, Mirela adentra o quarto, com uma tigela de pipoca na mão.
Mirela: Julho, eu estava mexendo em alguns filmes, enquanto esperava a pipoca ficar pronta, aí eu vi que você tem aquele filme: sempre ao seu lado. Será que podemos assistir?
Eu: Claro, Mirela, porque não.
Mirela desceu para a sala.
Miguel me olhou, e eu tratei de desviar meu olhar, ele me avaliava dos pés a cabeça.
O que foi? - perguntei irritado
Miguel sorriu e disse:
Sabe, jujuba, sempre achei que você era um garoto estranho. Mas não sabia que iria me surpreender tanto. Você é diferente dos outros garotos, e isso no mínimo é interessante.
Queria mesmo ser seu amigo.
Continua ;*
Desculpem pela demora ;D