P

Um conto erótico de ClaudioNewgromont
Categoria: Homossexual
Contém 1321 palavras
Data: 04/05/2024 21:07:18
Assuntos: Gay, Homossexual

Na sopinha de letras eu já pensei ser o G. Logo me convenci que não era, porque o tanto que eu gostava de uma rola, eu ansiava por uma buceta. Então, me convenci de que eu era o B. E durante muito tempo assim me defini. Mas aí foram aparecendo alguns conceitos novos, que extrapolavam a apenas dualidade. E eu fui percebendo que meu corpo não fazia distinção de qualquer que fosse a denominação, desejava o prazer, viesse de onde viesse. E me coloco hoje, ainda que teoricamente, quase no final da sopa: o P.

Mas, seja pela minha timidez – ou sociofobia, como determinou um neurologista, certa vez –; seja pela minha idade – mais de 60 –, que me enferruja um pouco o traquejo entre as possibilidades de sexualidade, às quais os mais jovens são bem mais adaptáveis; seja ainda pelo meu reduzido contato com os maravilhosos habitantes do vale; o fato é que me sinto inseguro pra caralho quando pinta um desejo por alguém – sinto meus hormônios em polvorosa, mas termino mesmo é no platonismo de uma punheta.

Mas outro dia – outra noite, mais precisamente –, vagando meio sem destino, encontrei um barzinho super aconchegante, simpático mesmo, e, apenas com a pretensão de tomar alguma coisa, experimentando aquele ambiente meio mágico, sentei-me numa das mesas mais afastadas (sou uma desgraça mesmo!) e esperei o garçom. Super simpático, diante da minha indecisão sobre o que pedir, me sugeriu um drinque de nome esquisito e aceitei. Acertei em aceitar: uma delícia.

Enquanto esperava a bebida ser preparada, vaguei meu olhar paisagem pelo espaço e somente então constatei ser um reduto de letrinhas. Ah, só podia, pensei; aquele capricho todo, aquele clima descontraído, aquela sensação de integração, tinha que ser! Fiquei feliz em ter encontrado um lugar assim sem procurar. Os acasos são a oitava maravilha do mundo.

Os olhos baixos para o celular, a disfarçar meu sem-jeitismo, terminaram me incomodando. Larguei-o sobre a mesa quando o copo chegou e fiquei bebericando, com a atenção dissimulada vagando pelos corpos, rostos e gestos, que minha privilegiada posição me permitia. Um olhar ou outro de homens se dirigiam a mim, mas não ousavam destruir a barreira que eu terminava impondo, com minha distância.

Na terceira vez que nossos olhares se cruzaram, senti-me tocado por um carinha branco, magro, de rosto delicado e barba rala, boca carnuda e vestido com uma simplicidade que o fazia um pequeno deus de beleza. Mas, movido pelo auto preconceito etário, acionei o botão do platonismo e procurei justificativas as mais inócuas para aquietar meu desejo – inclusive a ereção que eu já sentia, sob a mesa. Ele estava numa animada mesa de esvoaçantes seres, em que a alegria das risadas estrepitosas definiam o quanto pareciam felizes. Definitivamente, não era para meu bico sisudo.

Involuntariamente, acionei novamente o celular e baixei os olhos à tela, enquanto esperava a segunda dose – drinque gostoso da porra! Nem levantei o olhar quando senti um vulto acercar-se da muralha da minha mesa, julgando ser o garçom trazendo a bebida. Uma voz suave soou a minha frente: “Incomodo?” Senti como um baque no estômago, ao levantar os olhos e dar com aquele garoto lindo, meio sorrindo, taça de vinho na mão esquerda, esperando uma resposta. Falei num impulso – que, pensando, eu terminaria não dizendo coisa alguma –: “Incomoda sim! Pode sentar!”

À minha inesperada resposta, ele abriu-se num sorriso inteiro e estendeu-me a mão: “Sávio!” “Cláudio!”, minha mão – decerto trêmula – presa à breve suavidade da dele. Ele pousou ao meu lado e, mais desinibido do que eu (talvez fosse mesmo ou talvez fossem apenas mais taças de vinho que eu da minha bebida), puxou assunto, desde o manjadíssimo “nunca te vi aqui” e a clássica resposta “é minha primeira vez”, e enveredando por caminhos que iam surgindo magicamente, falamos sobre a noite, sobre a lua, a boemia, o que fazíamos na vida, o vinho, as outras bebidas... E não tenho a menor ideia de como o assunto chegou em poesia. Ele adorava. E quando disse da minha paixão por Fernando Pessoa, ele praticamente se jogou sobre mim, dizendo-se perdido pelo poeta português – principalmente por Caeiro (aí fui eu que não me contive e quase o beijei na boca). Tanta coincidência!

Daí em diante, este foi o assunto predominante, e depois único da noite e das repetidas taças e drinques. Dois íntimos, eis o que éramos naquela mesa. A poesia, mais o álcool, foram aos poucos pavimentando nossas diferenças e, em pouco, tínhamos a mesma idade, os mesmos desejos. Não demorou muito a nos experimentarmos as bocas, lábios e línguas. Era divino sentir em sua boca o gosto do vinho, a maciez de seus lábios, o atrevimento frenético de sua língua. Eu acariciava sua barba aveludada, enquanto nos beijávamos, e ele a minha.

Não demorou muito que concordássemos em buscar um lugar mais tranquilo. Pagamos nossa despesa e ele perguntou se poderia me levar para o apartamento dele – era só atravessar a rua. Concordei pela ansiedade de tê-lo inteiro em meus braços, e porque seria uma temeridade eu (ou ele) pegar um carro naquele estado.

Levantamos e, puxando-me pela mão, levou-me à mesa da turma, apresentando-me como o “apaixonado por poesia”, ao mesmo tempo em que se despedia, beijando cada um. Gente simpática, nenhum cometeu a indelicadeza de zoar com a nossa saída, como costumam fazer os héteros – cada vez mais adoro essa gente alegre e sensível.

Ultrapassamos a porta do bar e atravessamos a rua apoiados um no outro. Meu coração a mil, o tesão incendiando-me. Ele teve um pouco de dificuldade para girar a chave no portão, mas subimos a escada aos trancos, nos esfregando e parando no descanso para um superbeijo.

Entramos e a beijação aumentou, as mãos ganharam vida própria, explorando os quentes corpos, ávidos de desejos, e um do outro. Preciso quebrar um pouco o tesão do leitor para dizer – por necessário – que, do muito que conversamos no bar, em momento algum falamos sobre nossas sexualidades; na minha inebriada cabeça estava que eu ia transar com um gay e que era o mesmo que se passava na dele. Por isso que, quando começamos a nos desnudar, senti um tesão enorme ao constatar que os ralos pelos do rosto também se pronunciavam no peito e nas axilas, embora os seios tivessem algum volume.

E assim, sem nada nos dizermos, acabamos de tirar a roupa e só então pude constatar que tinha em meus braços um homem trans. Cara, como eu estava em êxtase com aquela possibilidade primeira na minha vida! Tudo bem que dou metade da minha vida por uma rola no meu cu ou na minha boca, mas aquela sensação de um rapaz com barba e buceta – também com pelos negros – como que triplicaram meu tesão.

Eu não sabia exatamente como fazer, se havia alguma regra (só um completo imbecil pensaria em algo assim, naquela hora), mas acho que não dei bandeira sobre isso – até porque Pessoa nos servira de mote, momentos antes, para concordarmos não haver qualquer regra ou ritual para o prazer, senão o provocar do próprio prazer. Esses milésimos de segundos de hesitação não chegaram a causar qualquer estranheza (suponho), já que Sávio se mantinha tão sensual e eufórico quanto sempre.

Assim foi que nos jogamos na cama, minha tora rígida, nossa pele a misturar nossos cheiros. E ele me chupou divinamente, e eu experimentei a alagada buceta daquele homem, que gemia e se requebrava ante as investidas furiosas da minha língua, até que nossos mútuos movimentos me levaram para cima dele, que se abriu e o penetrei. E não, eu não me sentia comendo a buceta de uma mulher, eu estava fodendo um homem de buceta, e tudo que fizemos naquele leito de extremos prazeres foram dois homens se amando intensamente, e experimentando um gozo quase simultâneo e avassalador.

Tive a certeza, então, enquanto nossas respirações ofegavam, que, de fato – e não mais só teoricamente –, na sopinha de letras, eu era o P.


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Comentários

Foto de perfil de Tito JC

Que maneira genial de entrar no assunto da Sopa DE Letrinhas. Tenho questões com isso também. A frase: "era um reduto de letrinhas", me ganhou...rsrsrs

Que texto meu amigo!!! Sei que estou sempre repetindo isso, mas os seus textos são maravilhosos... Abraços!

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Foto de perfil de Jota_

Claudio, você escreve tão gostoso que independentemente do tema, é sempre uma delícia de ler

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Foto de perfil genérica

Que delícia. Amo seus contos, sou seu fã já faz um tempo. Confesso que nunca tive essa experiência com trans mas ao ler mais essa pérola da sua criação ou narrativa de vivência, não sei, fiquei com muito tesão e tentado a experimentar também.

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